Encontro entre a vidente Lúcia e o papa João Paulo II
Pré-publicação
de Fátima, a Profecia que Assusta o Vaticano
Por
João Céu e Silva
Em
maio celebra-se o centenário das alegadas aparições de Nossa
Senhora aos pastorinhos. Talvez nem tudo esteja revelado
A única verdade que se pode afirmar sem qualquer dúvida é que a criação de Fátima excedeu todas as expectativas.
É com esta frase que termina Fátima - A Profecia Que Assusta o Vaticano, o mais recente livro do jornalista do Diário de Notícias João Céu e Silva, que durante ano e meio recolheu depoimentos de responsáveis do Santuário, teólogos, historiadores e especialistas em questões religiosas, sobre as aparições na Cova da Iria em 1917.
É com esta frase que termina Fátima - A Profecia Que Assusta o Vaticano, o mais recente livro do jornalista do Diário de Notícias João Céu e Silva, que durante ano e meio recolheu depoimentos de responsáveis do Santuário, teólogos, historiadores e especialistas em questões religiosas, sobre as aparições na Cova da Iria em 1917.
"Quando
a Nossa Senhora aparece na Cova da Iria aos três pastorinhos no fim
de uma manhã do dia 13 de maio de 1917 já muitas dezenas de outras
aparições tinham acontecido em Portugal e de muitas outras se deram
conta nas décadas seguintes. Não era coisa nova, mas ao fim de
cinco meses Fátima tornara-se na mais bem-sucedida de todas. Basta
recordar que em 1757 também outro trio de pastorinhos relatara algo
de muito semelhante, que o pároco da localidade nortenha de Folhada,
José Franco Bravo, regista num texto que se encontra na Torre do
Tombo. Tal como ocorreria em Fátima, era um dia 13 de maio e outras
três crianças pastoreavam um rebanho de ovelhas. A diferença está
na hora, como relata esse documento: «Quase uma hora antes do ocaso
do sol, as três criaturas de idade menor de 12 anos» escutaram «uma
voz que as chamava» e observaram «num cabeço» uma mulher «de
brilhante e resplandecente rosto».
Era
uma de entre muitas aparições, todas com contornos semelhantes,
testemunhadas por crianças e que tiveram Portugal como cenário. A
de Fátima teve o condão de sobreviver às grandes suspeitas que
enfrentou mal se verificou o início de uma romaria popular, tanto de
crentes como de curiosos e de muitos a pedir milagres urgentes,
crescendo até se tornar peregrinação para muitos milhões de
crentes, chegados de todas as partes do país e do mundo.
Rapidamente, a ida à Cova da Iria ultrapassou as primeiras dezenas
de acompanhantes iniciais dos videntes Lúcia, Francisco e Jacinta,
aumentando sempre em número a cada regresso da Virgem nos outros
dias 13 de junho a 13 de outubro de 1917.
Foi
o denominado Milagre do Sol da última aparição a «prova» que
credibilizou o futuro Santuário como um dos maiores locais de fé do
planeta, reunindo nesse dia entre 30 a 70 mil pessoas, que espalharam
num «boca a boca» desenfreado o acontecido - ou que outros
observaram - e que, com o respaldo de uma notícia no jornal O
Século, se estabeleceu para sempre. Uma reportagem assinada por um
jornalista desconfiado do evento sobrenatural pré-anunciado, que se
deslocou até ao local indicado pelos rumores para o denunciar. No
entanto, apesar de ser avesso a estas derivas próprias de um tempo
em que a perseguição à religião e aos padres estava na moda, o
jornalista não resistiu à comoção provocada pelo que assistiu e
descreveu aqueles momentos de forma tão elaborada como um crente no
artigo mais famoso da sua carreira profissional, com o título
«Coisas espantosas: Como o sol bailou ao meio dia em Fátima »,
publicado dois dias depois na primeira página do jornal que o
enviara até à Cova da Iria, com direito a uma fotografia dos três
pastorinhos na primeira página. Estava oficializada a aparição de
13 de outubro de 1917, bem como acreditadas as anteriores, e o
testemunho popular inicia o processo de abençoar ele mesmo os factos
que deixara tantos deslumbrados numa charneca até aí desprovida de
qualquer encanto.
A
descrença inicial das autoridades católicas portuguesas em relação
ao dito fenómeno sobrenatural é grande, ou assim o faziam crer, mas
o crescimento contínuo da peregrinação de portugueses e de
estrangeiros ao local nos tempos que se seguiram, aliada à
determinação do bispo D. José Alves Correia da Silva em
restabelecer a diocese de Leiria, o que se verificou pouco mais de um
ano após as aparições, transformou-se num movimento que obrigou a
fundar os alicerces que resultaram na criação do Santuário da
Nossa Senhora do Rosário de Fátima, onde, num ápice, logo se
centralizaram todas as manifestações de fé nacionais de uma forma
organizada e rentável. Afinal os donativos começaram imediatamente,
com uma determinação tão grande que o próprio cardeal-patriarca
foi obrigado a pronunciar a frase que confirmava Fátima como a
Lourdes portuguesa ou o Altar do Mundo: «Não foi a Igreja que impôs
Fátima, foi Fátima que se impôs à Igreja.»
No
entanto, numa época em que se comemora o centenário dos
«acontecimentos maravilhosos», sobre os quais continua a inexistir
um profundo estudo teológico explicativo daqueles eventos como seria
obrigação da Igreja, o distanciamento temporal apenas permite uma
leitura popular do que atrai tantos milhões à Cova da Iria: a fé.
Uma fé que leva ao local das aparições tanto pobres como ricos,
tanto padres como papas, tanto descrentes quanto crentes, tanto
portugueses quanto estrangeiros.
Por
isso, quem analisar hoje o caso de Fátima sem vendas nos olhos, irá
encontrar ali não múltiplas leituras, mas uma única. Apenas essa,
a da fé. Porque o que acontece em Fátima já nem faz parte do
quotidiano dos tempos contemporâneos - os da televisão e das redes
sociais que tornaram o mundo um único planeta. E, ao deixar-se o
local para trás, não se pode evitar questionar a razão de se ter
estado num sítio onde a realidade é a mesma de há cem anos e no
qual, em termos de necessidade espiritual, os milhões de cidadãos
que visitam Fátima não mudaram ao longo do tempo nos sacrifícios
que oferecem, no pagamento de promessas que são de gigantesca
violência física ou no ficar horas prostrados ao relento para
participarem das procissões das Velas e do Adeus a 13 de maio.
Mas
há o outro lado de Fátima - o do seu lugar na hierarquia dos
valores terrenos da Igreja Católica e também o lugar político
entre os poderes do mundo. Daí que comparar-se o Santuário ao
enclave do Vaticano em Roma seja um pequeno passo, que decorre da
própria ignorância teológica em que se pretende manter o inicial
de Fátima e face aos números da sua intensa vida religiosa e
financeira. É um local que a diocese de Leiria rapidamente adquiriu
após as aparições e que se tornou território de exceção pelo
que ali acontece há décadas. Não têm preço os quilómetros
quadrados totalmente independentes do resto do país, onde se deu a
implantação de um Estado dentro de Estado; um terreno pedregoso e
bom para cabras e arbustos, em que só a fé é lei e todas as regras
em vigor no país ficam além da terra que em tempos pertenceu à
família da vidente Lúcia.
É
o caso das receitas do Santuário, raramente divulgadas e nunca
tributadas pela autoridade fiscal, apesar da grandiosidade dos
milhões provenientes de donativos de outros tantos milhões que
entram naquelas fronteiras, as quais se regem por legislação
própria. Ou das exigências no que respeita à consagração da
Rússia ao Imaculado Coração de Maria com que a irmã Lúcia
desafiou sucessivamente a autoridade de vários papas até considerar
o ato realizado como era seu entender; bem como do medo que instalou
no Vaticano, e em cada novo papa, ao dar a conhecer que Nossa Senhora
previra a morte de um deles, através de uma atualização em muito
posterior às revelações de 1917.
É
fácil deduzir que esta independência da Cova da Iria não será
alheia à influência da Igreja durante parte da governação do
Estado Novo e, principalmente, à legitimação de Fátima efetuada
por vários papas desde que João XXIII leu pela primeira vez a
terceira parte do Segredo - e o mandou de volta aos arquivos do
Vaticano sem revelar ao mundo a ameaça que pairava sobre um «Bispo
vestido de Branco» -, bem como o ineditismo de Paulo VI em visitar
pela primeira vez, ao fim de meio século de existência, o Santuário
português.
Estas
ligações político-religiosas entre o local das aparições, o
Governo e o Vaticano, com um forte apoio de peregrinos a viajarem até
ao Santuário vindos de todo o mundo por vontade própria, geraram a
condição de alforria necessária para que Fátima se tornasse um
estado dentro do Estado. Tanto assim que no encontro entre as
autoridades eclesiásticas presentes na celebração do 13 de maio de
2016 e os jornalistas que cobriam o evento, ao ser-lhe perguntado
quando é que se conheceriam as contas oficiais do Santuário, o
próprio reitor, ladeado por um imperturbável cardeal-patriarca, D.
Manuel Clemente, e pelo sorridente bispo da Diocese, D. António
Marto, mostrou enfado perante uma «questão recorrente de seis em
seis meses», confirmando em seguida que o «Santuário presta contas
a quem deve prestar [ao Conselho Nacional]».
O
que permite a este estado das aparições manter-se sempre tão
autónomo dentro do Estado português e poderoso em relação ao
Vaticano? Haverá várias explicações, destacando-se a importância
que o Santuário de Fátima adquiriu no seu percurso de afirmação
centenária. Um caminho feito contra as expectativas da própria
Igreja Católica e dos governos desde então, em que os acidentes
foram amortecidos pela insistência de um pequeno conjunto de
religiosos, fortemente apostados em criar uma segunda Lourdes; pelo
poder financeiro, impenetrável ao escrutínio das autoridades
competentes desde sempre; e por ter sido o local escolhido por Deus
para que Nossa Senhora transmitisse a Mensagem mais urgente num tempo
de grande confusão social e política, que um grupo restrito de
padres recolheu imediatamente da memória de três pastorinhos e
divulgou ao mundo carente de paz.
A
nível nacional, a Mensagem de Fátima, bem como aqueloutra anterior,
ainda que posteriormente revelada, do Anjo de Portugal, compôs o
Santuário como local de peregrinação fundamental para aplacar - e
até esvaziar - as crises pessoais de uma cronologia de
acontecimentos bastante trágicos durante quase todo o século xx.
Basta recordar dois dos exemplos mais dramáticos, para não
regressar na História até ao caos social, político e religioso da
I República: a Grande Guerra e o ateísmo invocado pela Revolução
Russa, que marcaram o ano das aparições; e o sofrimento
generalizado provocado pela guerra colonial, entre 1961 e 1974,
momento em que o Santuário se torna como que a almofada contra a
revolta de tantos pais que viam os filhos encaminharem-se para a
morte nos campos de guerra ultramarinos.
Aqui
o papel da Igreja nacional teve uma dupla condição: estava presente
nos territórios de guerra além-mar com os seus capelães e
missionários, ao mesmo tempo, que consolava na metrópole os que
tinham familiares nesse conflito.
Aliás,
a gestão ultramarina criou um dos primeiros grandes dilemas papais a
Fátima, pois, três anos após a sua visita ao Santuário para as
comemorações do cinquentenário das aparições, Paulo VI recebeu
os líderes dos movimentos independentistas de Angola, Moçambique e
Guiné numa discreta cerimónia no Vaticano, tendo provocado uma
crise com o Estado português. Nada que Salazar não tivesse
antecipado, condicionando a sua presença a uma discreta audiência
papal, em vez de estar visível na Cova da Iria a partir do momento
em que o sumo pontífice desembarcou na base aérea de Monte Real e
foi de helicóptero para Fátima, evitando a capital. Realizada a
visita, o papa voltou a Monte Real e regressou ao Vaticano, numa
demonstração que elevou Fátima acima do poder instituído.
A
partir desse momento, as visitas papais repetiram-se sempre, tendo
essa relação entre Fátima e o Vaticano atingido o seu ponto mais
alto com João Paulo II, que viu na Nossa Senhora de Fátima a mão
protetora que desviou a bala e o salvou de morrer num atentado que
ocorreu na Praça de S. Pedro no dia 13 de maio de 1981. Foi na
terceira parte do Segredo que o papa encontrou a explicação para o
que lhe acontecera, catapultando Fátima para o século XXI. A sua
devoção gigantesca a Maria e a idade avançada do pontífice terão
facilitado a manipulação do sentido daquela parte da profecia em
que se anuncia a morte de um «Bispo vestido de Branco», tomando-a
literalmente como sendo o seu caso.
Se
esta interpretação de João Paulo II poderia sossegar os
representantes máximos da Igreja Católica quanto à ameaça que
está presente no Segredo, não é o que irá acontecer. Caberá ao
papa seguinte, Bento XVI, esclarecer o significado teológico dessa
terceira parte, através de uma leitura desmistificadora da profecia
ainda antes de ser eleito sumo pontífice, numa interpretação que
banaliza o Segredo de Fátima perante os milhares de crentes que
pessoalmente ouvem a explicação, em grande parte por não possuir
as características apocalípticas tão aguardadas, apesar de ser um
dos poucos factos importantes do sobrenatural que exigiram um
posicionamento teológico do Vaticano à entrada do terceiro milénio.
Se
no ano 2000 os milhares de crentes frustrados com o teor da terceira
parte do Segredo tivessem elaborado sobre o que realmente ouviram o
cardeal Sodano afirmar em nome de João Paulo II, atitude
questionadora sempre demasiado ausente no Santuário, poderiam ter-se
perguntado: quem é realmente o papa visado pela profecia de Lúcia,
uma tragédia que a vidente tão longamente guardou, primeiro na sua
mente e depois num envelope selado e proibido de ser aberto antes de
1960?
Nesta
investigação sobre os cem anos das aparições de Fátima tentou-se
encontrar uma resposta para quem será o papa sob ameaça. Sobretudo,
se estará correta a reivindicação de João Paulo II como
protagonista do Segredo que os pastorinhos guardaram. Afinal, o papa
disse na Meditação com os bispos italianos, ainda na Clínica
Gemelli, onde recuperava do atentado: «Foi uma mão materna que
guiou a trajetória da bala e o Santo Padre agonizante deteve-se no
limiar da morte.»
A
assunção de ser o «Bispo vestido de Branco», contudo, não obtém
a concórdia generalizada e, segundo a opinião dos mais importantes
teólogos católicos, ainda é uma morte que está por acontecer.
Nenhum se compromete, como se poderá ler mais à frente. Até Lúcia
referiu sobre essa parte da profecia que «escrevi o que vi; não
compete a mim a interpretação, mas ao Papa». Ou seja, a profecia
transmitida a Lúcia ainda não aconteceu e é essa ameaça que
continua a assustar o Vaticano, tal como nas décadas que antecederam
a tentativa de assassinato de João Paulo II preocupara os seus
antecessores".
Fátima,
A Profecia que Assusta o Vaticano
João
Céu e Silva
Porto
Editora
272
páginas
PVP:
15,50
copiado http://www.dn.pt/sociedade/
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