O que temos a ver com o Brexit? Como ficará o Brasil nas relações globais após saída britânica da UE
Como fica o Brasil no mapa das relações globais pós-Brexit
Nesta quarta-feira, chega a Bruxelas a carta que dá largada ao Brexit, o processo de saída do Reino Unido do bloco de 28 países europeus do qual é parte há mais de 40 anos. O documento, assinado pela primeira-ministra britânica, Theresa May, na noite de terça-feira, será entregue ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e ativa formalmente o artigo 50 do Tratado de Lisboa.
Para analistas, a ruptura, que pelas regras terá de ser concluída em até 2 anos, obrigará o Reino Unido e a União Europeia, a se movimentar na direção de outros países para preencher os vazios deixados e tecer novos laços e parcerias comerciais, uma situação que pode redefinir as relações de ambos com o Brasil.
"Por muito tempo o Reino Unido de certa forma negligenciou o Brasil, e deu mais atenção a mercados mais tradicionais com os quais têm conexões históricas mais profundas", considera o cientista político Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute (instituto de estudos brasileiros) do King's College London. "Isso é algo que poderá mudar em um ambiente pós-Brexit."
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Tanto no governo brasileiro quanto no britânico, diz, há "ruídos positivos" sobre acordos comerciais e como a negociação poderia agora ser mais fácil, sem incluir os variadíssimo rol de interesses do bloco de 28 países europeus - em breve, 27.
As mudanças impulsionarão o Reino Unido a buscar novos parceiros "em toda a parte", aposta Pereira. O histórico da postura britânica fala a favor das relações com o Brasil e os demais países do Mercosul.
Abertura a produtos agrícolas?
Nas negociações para tentar chegar a um acordo comercial entre os blocos sulamericanos e europeus, o Reino Unido era o que se posicionava de maneira mais liberal, aponta Pereira - diferenciando-se da postura do restante do grupo principalmente no que diz respeito a barreiras para produtos agrícolas.
"Nas negociações para se chegar a um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, um dos principais entraves sempre foram as proteções agrícolas, impostas sobretudo pela Europa continental, especialmente pela França", ressalta o diretor do Brazil Institute da King's College London.
Nessas negociações, o Reino Unido se destacava por adotar postura mais liberal e menos protecionista, diz Carlos Pio, professor de economia política internacional da Universidade de Brasília (UnB).
"O Reino Unido era o país que puxava mais fortemente para uma liberalização agrícola na UE e combatia o protecionismo no bloco", diz Pio. "Agora, portanto, espera-se que mantenham uma posição mais liberal. Eles vão tentar minimizar as eventuais perdas oriundas da saída da UE com ganhos nas relações com outros países."
'Choque de realidade'
Perdendo um de seus membros mais fortes, porém, a União Europeia também precisará se fortalecer. O economista e cientista político Marcos Troyjo diz que o Brexit levou a um "choque de agilidade e de realidade na UE" - um impulso que favorece o Brasil.
"Se a UE quiser permanecer relevante, aqueles que continuarem no bloco vão querer agilizar acordos comerciais com terceiros países", diz Troyjo, diretor do BRIClab da Universidade de Columbia, em Nova York.
"Isso pode dar mais chances para que o famoso acordo negociado entre a UE e o Mercosul - que está alcançando a maioridade e vai fazer 18 anos - saia da gaveta."
Entretanto, o escândalo da operação Carne Fraca - que colocou 21 frigoríficos sob suspeita e levou países no mundo todo a suspender temporariamente a entrada da carne brasileira - não ajuda nesse processo.
"A UE sempre usou a segurança alimentar como desculpa (para impor barreiras aos produtos agrícolas brasileiros), e esse episódio vai servir obviamente como um obstáculo importante", considera Troyjo.
'Populismo, protecionismo e xenofobia'
O voto que decidiu pelo "Brexit" chocou o mundo em junho do ano passado, quando uma maioria de britânicos decidiu pela saída do bloco europeu - levando à renúncia do ex-primeiro ministro David Cameron, que convocara o referendo mas defendia a permanência no bloco.
Para Troyjo, o movimento pela saída reflete ideologias paradoxais. De um lado há um sentimento ensimesmado de uma maioria da população mais velha, menos viajada, menos urbana, que defende a preservação de um Reino Unido anglicano, branco, mais fechado a imigrantes. Seria o lado do Brexit sustentado pelo tripé "populismo, protecionismo e xenofobia", afirma.
De outro lado está a ideia de que, com o Brexit, o Reino Unido conseguiria se desvencilhar de uma estrutura "arcaica, burocrática, paralisante" da União Europeia - gerando mais engajamento global e um maior dinamismo dos britânicos. "Considero essa ideologia mais sofisticada e interessante, e torço para que seja preponderante", diz Troyjo. Este seria, claro, o caminho mais benéfico para o Brasil.
Antes que relações possam ser redesenhadas no cenário global, porém, há uma série de questões espinhosas a resolver para definir como será o divórcio em si - e que "desenho" terá o Reino Unido depois.
Futuro nebuloso
Renato Galvão Flôres Jr., conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), aponta para as relações tensas com a Escócia da chefe do governo regional Nicola Sturgeon - e a possibilidade, após as negociações do Brexit, de um novo plebiscito ser convocado para decidir sobre a independência da Escócia, e, nesse caso, negociar um retorno à UE - como o maior exemplo do quão nebuloso ainda é o futuro da ilha.
"Durante o próximo ano, o Foreign Office (Ministério de Relações Exteriores) terá que se ocupar dessas questões completamente. O Brexit vai ocupar todo o capital humano; todos os funcionários de todos os departamentos estão sendo requisitados para a negociação", ressalta Flôres, que é diretor do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A curto prazo, portanto, ele acha que não haverá impacto para o Brasil - mas, lá na frente, é possível que o país ganhe "dos dois lados".
"Tanto o Reino Unido, ou o que restar dele, quanto a União Europeia, vão estar mais abertos a dialogar com nações externas como o Brasil", considera.
"Não vamos nos iludir, as prioridades vão continuar sendo países da Ásia e do Oriente Médio", pondera. "Mas certamente Brasil e América Latina ocuparão lugares mais prioritários do que antes."
Para o Brasil, considera Anthony Pereira, será importante se manter em bons termos com os dois lados do "divórcio".
"Empresas que usam o Reino Unido como porta de entrada para o resto da Europa podem ser afetadas, e neste sentido o país pode se tornar menos interessante para empresas brasileiras", aponta Pereira. "Por outro lado, o fato de a libra esterlina ter caído 17% em relação ao dólar americano desde o referendo torna o mercado britânico mais interessante do que era."
Medo do imponderável
Pereira considera que haverá interesse crescente em intensificar relações já fortes entre Brasil e Reino Unido em áreas como óleo e gás, pesquisa e desenvolvimento, parcerias nas áreas de mudanças climáticas, ciências e educação.
Mas há também que se considerar a possível influência que o lado político e ideológico do Brexit - ou o próprio caráter "imponderável" que teve - pode exercer sobre o Brasil.
O histórico recente de eventos que surpreenderam o mundo - como a votação do Brexit e, depois, a eleição do presidente norte-americano Donald Trump - são parte de um movimento contemporâneo que também desperta preocupação no Brasil, diz Pereira.
Com dúvidas pairando sobre o futuro de tantas figuras políticas devido aos esquemas de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, o país poderia ver a abertura de um campo livre para novos atores e, eventualmente, ver o crescimento de figuras políticas que alimentassem a indignação popular com radicalismos e preconceitos.
"Acho que o Brexit despertou temores latentes no Brasil em relação ao que pode acontecer no país nas eleições de 2018", conclui Pereira.
copiado https://www.uol.com.br/
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