Megadesvio na receita fiscal tapado com cortes na despesa
Receita fiscal cresce, mas bem abaixo do que está previsto no OE 2016. Corte na despesa com bens e serviços e investimento compensa desaire nos impostos. UTAO arrasa OE
Receita
fiscal cresce, mas bem abaixo do que está previsto no OE 2016. Corte na
despesa com bens e serviços e investimento compensa desaire nos
impostos. UTAO arrasa OE
Até ao
final de setembro, o governo respondeu a um desvio desfavorável de 1,4
mil milhões de euros na receita total (dos quais 917 milhões vêm dos
impostos) com uma travagem na despesa tal que lhe permite manter o
défice público total dos primeiros três trimestres anormalmente abaixo
do que está orçamentado.
Os dados
revelados ontem pelas Finanças relativos à execução orçamental de
janeiro a setembro mostram que a receita fiscal até cresce (0,7%), mas a
um ritmo muito mais reduzido face ao que está previsto no Orçamento do
Estado de 2016 (3,4%). Razão apresentada pela tutela de Mário Centeno:
demasiados reembolsos até à data. A lentidão da atividade económica e o
atraso no investimento também ajudam a explicar o sucedido.
Isso
é visível nos impostos (receita do Estado). No IRS o desvio negativo
vai em 579 milhões de euros (a coleta estava a cair 6% no final de
setembro quando no OE espera-se que recue 2,4%); no IVA, a derrapagem
vai em 411 milhões de euros; no IRC faltam 212 milhões de euros tendo em
conta o ritmo orçamentado; no ISP a lacuna ascende a 282 milhões de
euros (a receita cresce 45% quando faltam apenas três meses para o final
do ano, mas o OE aponta mais 62%).
Para
compensar o desaire na receita (só para se ter uma ideia, o valor que
resulta dos 0,7% de crescimento fica 917 milhões de euros abaixo se a
coleta estivesse a expandir-se em linha com os 3,4% do OE), o governo
recorre a uma forte contenção em certos gastos.
Se
é verdade que a despesa com pessoal está a derrapar ligeiramente - mais
249 milhões em setembro face ao valor que resultaria se fosse aplicado o
ritmo previsto no OE para o ano como um todo, um reflexo da reposição
de salários -, também fica evidente que a equipa de António Costa está a
obter folgas nos gastos. Mas, se estas ajudam a reduzir o défice,
também podem estar a prejudicar a economia. É o caso do investimento
público e das poupanças nas compras a fornecedores.
Seja
através das cativações seja por via do racionamento e de melhor
controlo na contratação pública, a despesa de capital (investimento
público em sentido lato) está a cair mais de 5%, quando o OE apontava
para uma expansão de 18% neste ano. A folga aqui ascende a 814 milhões
de euros.
Nas "aquisição de bens e
serviços" a folga aparente face ao objetivo anualizado ascende a 167
milhões de euros (está a cair 1%, deveria crescer 1,1% no OE). Nas
"transferências correntes" para outros setores da administração, a
poupança implícita vai nuns expressivos 501 milhões de euros.
Quer
isto dizer que é a despesa que determina a contenção no défice? Em
termos líquidos, não. Pelo contrário, é a receita que, embora com
dificuldades, continua a explicar a diminuição do défice face aos três
primeiros trimestres de 2015. A despesa, mesmo com toda a contenção
referida, continua a crescer. Mas menos do que estava orçamentado.
Isso
mesmo diz o Ministério das Finanças: "O défice acumulado das
administrações públicas (AP) até ao terceiro trimestre caiu 292 milhões
de euros face ao período homólogo", ajudado essencialmente pelo aumento
de receita face ao período de janeiro a setembro de 2015. Esta marca é
assim mais favorável ao objetivo do final do défice anual do que a da
execução acumulada até agosto. Há um mês, o défice estava a cair 81
milhões de euros face ao período janeiro-agosto de 2015. A descida
mensal ontem divulgada será, portanto, a quinta consecutiva em 2016.
O
Ministério das Finanças diz que "esta melhoria continuada ao longo do
ano resulta de um aumento de 2,6% da receita [total], superior em 0,6
pontos percentuais ao crescimento da despesa" e congratula-se pelo facto
de o forte aumento nos reembolsos (mais de 14%) não estar a fazer
recuar a receita fiscal. "Não obstante o acréscimo de reembolsos fiscais
em 908 milhões de euros, a receita fiscal cresce 0,7% face a setembro
de 2015."
Para as Finanças, a maior
receita também reflete "a evolução favorável do mercado de trabalho",
tendo levado a que a receita contributiva (descontos) tenha subido 3,8%,
"principalmente devido ao crescimento de 4,7%" das contribuições para a
Segurança Social. O governo destaca ainda uma poupança assinalável com
os subsídios de desemprego atribuídos até final de setembro: a respetiva
despesa caiu 15% face ao mesmo período do ano passado.
Ontem
também foi a vez de a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, que
assessora o Parlamento nesta área, criticar duramente o Orçamento deste
ano e do próximo.
Relativamente à
proposta de 2017, a equipa de peritos diz que o pacote de medidas
previstas para baixar o défice de forma duradoura (de 2,4% neste ano
para 1,6% no próximo) parece curto.
As
medidas do novo OE "podem vir a ser consideradas insuficientes", já que,
pelas contas da UTAO, elas equivalem a "um efeito líquido direto de
cerca de 645 milhões de euros ou 0,34% do PIB".
"Tendo
em consideração a dimensão das medidas necessárias para que o saldo
estrutural [que exclui os efeitos do ciclo económico e as medidas
temporárias] corresponda às recomendações do Conselho [redução de 0,6%
do PIB], as medidas discricionárias de consolidação apresentadas no
relatório da proposta do OE 2017 e no projeto de plano orçamental podem
vir a ser consideradas insuficientes."
A
unidade duvida ainda da qualidade das estimativas de receita e despesa
para 2017, duvida que o perdão fiscal possa ser aceite como uma medida
duradoura e detetou uma almofada de segurança (cativações e dotações
provisionais) na ordem dos 1,5 mil milhões de euros no OE 2017. A
recapitalização da CGD, que é suposto acontecer ainda neste ano (2,7 mil
milhões de euros numa injeção direta de capital), pode implicar um
Orçamento Retificativo, já que aumenta a despesa e o recurso a mais
endividamento.
copiado http://www.dn.pt/dinheiro/interior
Nenhum comentário:
Postar um comentário