Salvar a pele. Deputados articulam anistia ao caixa 2 eleitoral, mas nenhum admite autoria de



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CORRUPÇÃO





Salvar a pele. Deputados articulam anistia ao caixa 2 eleitoral, mas nenhum admite autoria de 
PUBLICADO EM 23/03/17 - 03h00

A tentativa de pautar uma anistia ao caixa 2 vem movimentando o Congresso Nacional nos últimos dias. Se, por um lado, entre os parlamentares ainda não há consenso sobre a proposta, por outro, especialistas ouvidos pela reportagem divergem com relação à eficácia de se criminalizar a prática. Enquanto alguns analistas defendem a necessidade de tipificar o crime, outros alegam que a conduta já é punida hoje. Entre os contrários à ideia, o receio é de que os políticos acabem construindo um texto genérico a ponto de conseguir se beneficiar nas investigações em andamento no âmbito da operação Lava Jato.
O advogado criminalista Humberto Fabretti, professor de direito penal na Universidade Mackenzie, explica que, embora não exista no Brasil hoje um crime específico de caixa 2, a prática já é enquadrada na legislação de outras formas. Quando uma empresa não declara toda sua receita, por exemplo, ela pode ser penalizada pelo crime de sonegação fiscal. Nas campanhas eleitorais, quando os valores não contabilizados são doados para partidos e o dinheiro não é declarado, o Código Eleitoral também prevê punições. “Não existe um crime dessa prática de receber caixa 2 da empresa, mas a questão é fácil de ser resolvida no artigo 350 do Código Eleitoral, relativo à falsa declaração da receita de campanha”, explica Fabretti.
Por esse motivo, o especialista acredita que não há necessidade nenhuma de o Congresso tipificar a conduta. “A questão é que, se houver, a partir de agora, um tipo penal específico para o caixa 2, vai haver um reconhecimento de que, antes, isso não existia, logo, os políticos não poderão ser punidos”, esclarece o professor.
O advogado Flávio Boson, especialista em direito processual, concorda com o argumento, explicando que a criação de um novo tipo criminal implicaria na abolição automática das condutas anteriores: “Isso porque a lei penal nunca retroage, a não ser para beneficiar o réu. Quando se cria um tipo específico, admite-se que no ordenamento jurídico anterior ele não existia. Se não existia, não tem como condenar”.
Fabretti avalia que a criação do novo tipo criminal é “um devaneio, não faz o menor sentido”. “Eles poderiam continuar sendo punidos pela declaração falsa na prestação de contas eleitoral. É só aplicar o artigo 350 que já resolve a questão”, defende.
Posicionamento distinto tem o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-MG, Wederson Siqueira. Para ele, a tipificação é válida: “Vai ser benéfico. Tem que se criminalizar o caixa 2, primeiro, porque é uma demanda da sociedade, e também porque estanca-se de uma vez por todas as possibilidades dessa prática, deixando já com receio tanto o candidato quanto aquela pessoa que vai fazer a doação sem declarar”.
No entendimento de Siqueira, se o Congresso não agir, o Judiciário acabará punindo caixa 2 como corrupção: “Acho inteligente o Congresso antecipar essa questão, se não teremos uma punição criada por vias tortas”.
Campanhas
Comum. Para Wederson Siqueira, o caixa 2 hoje é recorrente e não recebe punição: “100% das campanhas, em qualquer município, tem caixa 2. Em maior ou menor grau, sempre há”.


COMO É HOJE

Legislação. O artigo 350 do Código Eleitoral prevê que é crime: “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”. A pena é de reclusão de até cinco anos e pagamento de multa.
Corrupção. Na avaliação do professor Humberto Fabretti, a única forma de os políticos conseguirem se livrar da condenação por doações não declaradas seria revogando o artigo 350. “A maioria dos casos da Lava Jato trata-se de corrupção. O sujeito faz declaração e depois obtém retorno nos contratos, vai além da mera declaração falsa”, diz.
Demora. Thiago Bottino diz que o artigo 350 cobre uma série de práticas que vão além do caixa 2. Para ele, o maior problema se refere à investigação: “A Justiça Eleitoral, em regra, demora muito tempo para apurar esses crimes, e isso é ruim. Mas não é problema da redação da lei”.


AVALIAÇÃO

Texto pode ser muito genérico e anistiar qualquer corrupção

A discussão em torno da possibilidade de se anistiar a prática de caixa 2 tem gerado muita controversa entre os políticos. Doutor em direito constitucional e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio, Thiago Bottino pondera, contudo, que os reflexos da proposta dependem de como o projeto de lei será redigido.
“Dependendo da forma como se escreve, qualquer irregularidade pode ser anistiada: corrupção, peculato, lavagem. Não é verdade que a lei de anistia do caixa 2 vai anistiar todos os crimes que a Lava Jato apura, mas é verdade que pode acontecer. Tudo vai depender de como a redação da lei for feita”, afirma.
Como ainda não há um texto circulando sobre o assunto, Thiago Bottino considera “leviano” dizer que a anistia a irregularidades investigadas pela Lava Jato vai acontecer necessariamente.
“É possível que essa anistia vá além do caixa 2 e abarque também a corrupção? É possível. Tem pessoas ali que estão desejando isso? Tem. Mas tem outros que não, que estão preocupados em limitar o texto e separar uma coisa de outra”, afirma.
Na avaliação do professor da FGV, “argumentos terroristas” contra a proposta não são bons porque acabam polarizando e enfraquecendo a discussão. “Mas também acho importante que as pessoas acompanhem para saber exatamente como virá o texto e qual será o seu alcance real”, completa<.
Professor de direito penal na Universidade Mackenzie, Humberto Fabretti concorda: “Lei é papel e aceita qualquer coisa. Podem fazer algo absolutamente genérico em relação às eleições passadas, e aí resolver o problema (dos políticos). Há um desespero da classe, sem dúvida. Mas duvido que o Congresso passaria uma lei assim. Seria muita cara de pau”. (LM)
Dilema
Legal. Para os especialistas, o fato de os deputados se beneficiarem não torna o projeto inconstitucional. “Eles representam a população. Não dá para comparar com a anistia feita na ditadura”, diz Bottino.


ESCANCARADA

Lei de 1995 pode servir de modelo

SÃO PAULO. Abalado com a cassação do ex-presidente do Senado por uso de meios irregulares em sua campanha de 1994, o Congresso à época decidiu fugir do trivial. Em 1995, aprovou um projeto que declarava textualmente em sua ementa a “anistia de deputados e senadores que utilizaram a gráfica do Senado para a campanha política, especialmente o senador Humberto Lucena”.
Vinte e dois anos depois, a norma passou a ser vista como a “redação perfeita” para os congressistas mais aflitos que buscam uma maneira de se livrar das acusações de caixa 2. Deputados pediram a equipes técnicas na Câmara que fossem atrás do projeto para tentar adaptá-lo às tentativas de salvar os que se serviram das doações da Odebrecht. Um peemedebista da segunda lista de Janot sugere até, de brincadeira, trocar “gráfica” por “Odebrecht” e “Lucena” pelo nome dele no texto.


Relator da reforma política diz que perdão ao caixa 2 é possível

BRASÍLIA. Relator da reforma política na Câmara, Vicente Cândido (PT-SP) defende que o Congresso enfrente o desgaste de discutir anistia aos alvos da operação Lava Jato como forma de “distensionar o país”. “Temos de ter pensamento estratégico. O que é melhor para a sociedade nesse momento? Até aprovar uma anistia, seja criminal, financeira, tudo isso é possível, não é novidade no mundo”, afirma.
Cândido ressalta, porém, que não pretende levar o tema para a comissão. Ele apresenta seu relatório no início do próximo mês. Para ele, se o tema da anistia fosse para a comissão, a discussão só seria essa. Mas afirma que o Parlamento é o palco “mais legítimo” para decidir o assunto.

copiado http://congressoemfoco.uol.com.br/

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