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A luta antimanicomial no Brasil e no DF
"O governo do Distrito Federal (GDF), infelizmente, vem adotando as mesmas pautas manicomiais que hoje se estabelecem na política nacional no âmbito da saúde mental. Recentemente, apresentou um Plano Diretor de Saúde Mental, mas o fez de maneira autoritária ao não construir com o controle social e tampouco lhe prestar contas"
Há pouco mais de 30 anos, o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial passou a ter visibilidade em data emblemática de mobilização, celebrado em 18 de maio. A data nasce do encontro de trabalhadores da saúde mental na cidade de Bauru/SP, cujos desdobramentos pautaram a inclusão da participação de usuárias e usuários nos rumos da política de saúde mental, expandindo, assim, o debate para a sociedade, bem como a própria concepção da loucura, da saúde mental. O lema “ uma sociedade sem manicômios”, desde então, passa ser uma bandeira permanente a cada 18 de maio.
Em 1989 deu-se início ao projeto de lei que implementaria a Reforma Psiquiátrica no Brasil, e que, por ter tido sua a iniciativa nas Casas Legislativas, hoje recebe o nome de Lei Paulo Delgado. A Lei 10.216/2001 redireciona o modelo de atenção à saúde mental, ampliando os serviços para uma base psicossocial, possibilitando que outros atores e profissionais de saúde passem a integrar a rede de saúde mental numa perspectiva social, multi e interdisciplinar.
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A lei marca a proibição de instituições de saúde com características asilares, uma vez que passa a ser observada a importância do convívio familiar e comunitário. Como expressão desse giro paradigmático na política pública da saúde mental, surgem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em 1992, equipamentos importantes por sua natureza comunitária e integradora de saberes e práticas, cuja regulamentação derruba a internação como um a priori, recolocando sua indicação para casos de indispensável necessidade e desde que articulada a uma rede de cuidados e o mais breve possível.
Mesmo com a reforma psiquiátrica, algumas instituições seguem em funcionamento e outros, como as chamadas “comunidades terapêuticas”, surgem com roupagens diferentes. Todavia têm o mesmo projeto de isolamento e controle de corpos – seja pela exigência total de abstinência, em casos de dependência química, contrariando o modelo da redução de dados; seja por manter as pessoas totalmente afastadas de seus vínculos comunitários e familiares.
Há muitas outras violações já identificadas em relatórios de inspeções realizados pela sociedade civil organizada. Ou seja, a comunidade terapêutica é uma instituição sem natureza técnica ou burocrática que possa ser caracterizada como equipamento de saúde e que, infelizmente, passou a integrar a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
No final do ano passado, o governo federal, em votação majoritária com os gestores de saúde nos Estados, decidiu pelo repasse de milhões às comunidades terapêuticas e aos hospitais psiquiátricos, em total detrimento de repasse de recursos para a construção de residências terapêuticas e de centros de atendimento psicossocial.
O governo do Distrito Federal (GDF), infelizmente, vem adotando as mesmas pautas manicomiais que hoje se estabelecem na política nacional no âmbito da saúde mental. Recentemente, apresentou um Plano Diretor de Saúde Mental, mas o fez de maneira autoritária ao não construir com o controle social e tampouco lhe prestar contas. Não havia notícia de que tal Plano Diretor tivese sido apreciado pelo Conselho de Saúde do DF. Aliás, no próprio texto de apresentação do Plano Diretor há a informação de que ele fora concluído por equipe técnica, sem haver qualquer menção de aprovação do texto final pelo Conselho de Saúde ou de ter passado por outros mecanismos de participação social como audiências e/ou consultas públicas, por exemplo.
O GDF vem insistindo em seguir implementando esse Plano Diretor – ilegítimo, uma vez que ausente o controle social -, mesmo tendo sido determinada sua suspensão pela Câmara Legislativa do DF e contra alerta do Conselho de Saúde. O órgão alertou para que houvesse um coletivo mais ampliado para discussão do documento e não apenas funcionários ligados à Secretaria de Saúde, conforme a Ordem de Serviço 16/2018, que instituiu o Grupo Condutor.
De igual modo, chama a atenção o tal Plano Diretor que, ao invés de priorizar a rede substitutiva – como CAPS, residências terapêuticas na comunidade, como deve ser – o GDF apresenta o que chama de “reprogramação” do Centro de Orientação Médico Psicopedagógica (COMPP) e do Instituto de Saúde Mental (ISM). A “reprogramação” não apresenta subsídios que justifiquem tal ação ou explicações sobre os procedimentos a serem realizados. Além disso, a previsão de contratação de empresas privadas para a prática de internação compulsória, bem como eventuais posicionamentos públicos da direção da Saúde Mental, apontam a criação das residências terapêuticas no ISM, lugar apartado dos centros urbanos.
Destaque-se que o GDF descumpre, há mais de dez anos, a determinação para implementar as residências terapêuticas. Também há no ilegítimo Plano Diretor a menção à “revitalização” do Hospital São Vicente de Paula, o que deve ser compreendido, no mínimo, como uma ofensa à história da militância da saúde mental e uma verdadeira expressão de violação de direitos do Estado, uma vez que a Lei 10.216/2001, determina a extinção de espaços asilares para a saúde mental em todo o território nacional, ou seja o fechamento integral dos manicômios.
O nosso sistema de saúde não reconhece mais esses espaços como adequados para execução da política de saúde mental. A atual administração da política de saúde mental do DF segue trilhando uma gestão afastada dos movimentos de defesa dos direitos humanos das pessoas em sofrimento psíquico, sem possibilitar execução do controle social necessário e garantido pela constituição cidadã e as legislações federais que instituíram o Sistema Único de Saúde (SUS) como uma política universal, e com os componentes de participação comunitária.
Na última semana, na contramão da fala coletiva desses movimentos, a gestão realiza atividades comemorativas no reconhecido manicômio do DF, sem sequer promover os debates estruturantes e que levaram novamente coletivos de saúde mental para as ruas, em protesto à implementação compulsória de um plano diretor sem a participação dos atores desta política. A gestão escolheu quebrar o vínculo com a comunidade e trilhar de maneira isolada e pouco resolutiva, favorecendo uma política atrasada e que fere a dignidade humana com suas comunidades terapêuticas e manicômios. A reforma psiquiátrica precisa continuar sendo implementada, e o grito das ruas pedem mais escuta, mais residências terapêuticas CAPS e sem manicômios.
Este texto contou com a colaboração da Cynthia Ciaralho – Psicologa a ex-presidenta do CRP/DF
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