Caminhoneiro começou pedindo diesel barato, mas incluiu até favor a empresa
Com o poder de negociação turbinado pela força da greve nacional, os caminhoneiros já conseguiram muito mais vantagens do que pediam inicialmente - o que pode ainda ser ampliado a depender do resultado da reunião que tiveram na noite de ontem (26) com o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marun, em São Paulo.
Eles começaram reivindicando diesel mais barato. Terminaram incluindo vários outros pontos no acordo com o governo. Foram acrescidas reivindicações antigas, que se arrastavam desde o final da década de 1990, e até medidas que beneficiam diretamente as empresas, e não os trabalhadores. Há muitas suspeitas de que o movimento tenha sido insuflado por empresas.
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Após a reunião de quinta-feira (24) com representantes dos caminhoneiros, o governo divulgou um acordo com diversos pontos para tentar encerrar os protestos em todo o Brasil.
Veja os pontos do acordo:
- Eliminar a cobrança de um dos impostos sobre o diesel, a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico);
- Manter por 30 dias a redução de 10% no valor do diesel da Petrobras nas refinarias; a União deve compensar a estatal pelas perdas;
- Definir que eventuais reajustes no preço do diesel nas refinarias sejam feitos a cada 30 dias;
- Criar, em 1º de junho, uma tabela de referência para os preços do frete, com o estabelecimento de um valor mínimo, atualizada trimestralmente pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres);
- Editar medida provisória, em até 15 dias, para autorizar a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) a contratar sem licitação cooperativas ou entidades sindicais de caminhoneiros autônomos para transportar até 30% da sua carga;
- Negociar para que a Petrobras passe a permitir a contratação de autônomos no transporte de cargas;
- Cumprir regras da ANTT sobre a renovação de frotas na contratação de transporte de carga;
- Não voltar a cobrar imposto sobre a folha de pagamento de empresas do setor de transporte de carga;
- Negociar para que os estados deixem de cobrar, nas rodovias estaduais, pedágio sobre eixo suspenso em caminhões vazios; se necessário, a União acionará a Justiça.
Os dois últimos itens beneficiam as empresas: isenção de impostos sobre folha de pagamentos interessa diretamente a elas (embora haja o argumento de que pode gerar empregos). A isenção de pedágio é boa tanto para os autônomos quanto para empresas.
Governo promete não cobrar imposto de empresas
Já o benefício prometido pelo governo Temer às empresas é não voltar a cobrar impostos sobre a folha de pagamento das companhias do setor de transporte rodoviário de cargas.
Para Mauro Roberto Schlüter, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador da área de logística de transportes, essa promessa "é uma pauta das empresas, para tentar diminuir seus custos e conseguir uma folga no fluxo de caixa".
Samuel da Silva Neto, economista do grupo de pesquisa em logística da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP (Universidade de São Paulo), disse que o compromisso pode acabar beneficiando também os caminhoneiros autônomos na medida em que o alívio dos impostos para as empresas estimula a geração de empregos.
Suspeita de participação das empresas na greve
A rapidez com que a greve se alastrou pelo Brasil, a presença da CNT (Confederação Nacional do Transporte), entidade que representa as transportadoras, na reunião com caminhoneiros e ministros, e o apoio de associações patronais ao movimento fizeram com que alguns especialistas dissessem que a greve, na verdade, é um locaute. O termo se refere à prática de empresários de um setor de contribuir, incentivar ou orientar greve de trabalhadores para atender interesses dos patrões, e é proibida pela legislação brasileira.
A suspeita também foi mencionada pelo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, e a Polícia Federal abriu uma investigação. Na esfera administrativa, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) vai abrir um procedimento preliminar para investigar se houve atuação das transportadoras.
Em nota, a CNT afirmou que não participa, incentiva nem apoia a paralisação de caminhoneiros, e que não tem conhecimento de empresas envolvidas no movimento. "A presença de representantes da CNT nas reuniões com o governo federal foi a convite do Palácio do Planalto. O representante atuou como integrante do grupo de interlocução com as entidades representativas dos motoristas autônomos de caminhão, em busca de uma solução que levasse ao fim das paralisações", disse.
Frete mínimo é exigência desde os anos 1990
Uma das medidas propostas, o estabelecimento de preços mínimos para o frete, atende um pedido feito pelos autônomos desde 1999, em uma paralisação durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), segundo Schlüter.
Hoje, as transportadoras pagam frete pela contratação dos serviços de caminhoneiros autônomos. O valor do frete varia conforme a demanda --quando há mais produtos para serem transportados, os caminhoneiros recebem mais. Se há menos, o frete cai.
Se o governo cumprir o proposto, o frete continuará variando, mas não poderá ficar abaixo de um patamar mínimo. Schlüter afirmou que essa reivindicação é antiga, mas ganhou mais relevância nos últimos anos por causa da crise econômica, que freou a atividade econômica e o transporte de produtos nas estradas. Consequentemente, o preço do frete e a renda dos autônomos caíram.
Mas, para o pesquisador, o preço mínimo do frete pode acabar prejudicando o autônomo.
Se você define frete mínimo, as transportadoras podem parar de contratar os serviços de autônomos e passar a usar mais caminhoneiros contratados
Mauro Roberto Schlüter, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Mauro Roberto Schlüter, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Valor mínimo do frete é difícil de definir
A questão também levanta outros problemas, segundo Silva Neto. "É uma medida muito complexa que não tem como ser implementada do dia para a noite", disse. "Quem vai definir o valor do frete? Quem vai fiscalizar? Qual será a metodologia? É preciso responder todas essas questões antes".
Os caminhoneiros também vêm pedindo, há anos, que as concessionárias de rodovias estaduais não cobrem pedágio sobre os eixos suspensos em caminhões vazios. Nas estradas federais, segundo Schlüter, já existe isenção. Agora, o governo propõe negociar essa isenção com os estados e, se necessário, acioná-los na Justiça.
Há medidas de pouco efeito, diz analista
O acordo anunciado por Temer também inclui medidas que até podem beneficiar os caminhoneiros, mas têm impacto reduzido. Uma delas diz, por exemplo, que o governo vai negociar com a Petrobras para que a petroleira passe a permitir a contratação de autônomos para serviços de transporte de carga. Hoje, a estatal utiliza frota própria ou contrata transportadoras. As transportadoras até podem acionar os autônomos para atuarem como colaboradores, mas os autônomos não podem ser contratados diretamente pela Petrobras.
Schlüter disse que a permissão da Petrobras para contratá-los não muda muito o mercado porque a frota desses motoristas tem, em média, de 19 a 24 anos. Com essa idade, poucos veículos teriam condições de atender as exigências técnicas da petroleira que, segundo ele, são muito rígidas.
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