Atalho de grupo de Bolsonaro para a Previdência pode penalizar quem ganha menos
Bolsonaro quer mudar regras de pensões por projetos de lei ainda neste ano, o que exigiria menos votos. Para especialista, isso pode significar "um ajuste maior para a população que ganha menos"
Jair Bolsonaro pretende encampar um atalho para mudar o sistema de Previdência ainda este ano, o que poderia penalizar os que ganham menos e beneficiar os servidores públicos, de acordo com especialistas. A estratégia do presidente eleito, em parceria com o Governo de Michel Temer, é que seus aliados apoiem projetos de lei sobre o tema, que precisariam apenas de votos da maioria simples do Congresso. Com isso, se conseguiria burlar a necessidade de ter três quintos das duas Casas (308 deputados e 49 senadores) favoráveis a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) —modelo atual da reforma que tramita no Congresso. O alcance das mudanças seria menor, mas elas garantiriam a Bolsonaro uma importante sinalização de austeridade fiscal aos mercados antes mesmo de iniciar o mandato.
A informação, que circula nos bastidores, foi confirmada pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, na última quinta-feira, após uma visita ao presidente eleito. Por lei, para aprovar a PEC da reforma da Previdência seria necessário que o governo federal retirasse a intervenção federal no Rio de Janeiro, por isso os dois conversaram sobre o tema.
Os detalhes oficiais sobre quais os itens o novo Governo pretende modificar ainda não foram divulgados, mas, segundo um especialista ouvido pelo EL PAÍS, esse caminho pode aprofundar uma das principais desigualdades do sistema de aposentadorias do Brasil: o desequilíbrio entre o chamado regime geral (que atende os contribuintes da iniciativa privada) e o regime próprio (específico para servidores efetivos da União, Estados e municípios). "O ajuste [da Previdência] feito sem mexer na Constituição tende a ser mais regressivo", afirma o economista e consultor legislativo do Senado Pedro Fernando Nery. "Tanto no nível federal quanto no estadual a soma das contribuições dos servidores custeia menos de 20% dos [seus próprios] benefícios. Quer dizer, mais de 80% das aposentadorias e pensões dos servidores é paga pelo contribuinte, e não pelos próprios servidores", acrescenta.
Segundo explica Nery, a maior parte dos benefícios previdenciários dos servidores públicos está protegida no texto da Constituição. Isso significa que, para esse grupo, há poucos itens que os deputados e senadores podem modificar sem que seja necessário recorrer a uma emenda constitucional. As mudanças possíveis via projetos de lei, como planeja o novo Governo, estão concentradas no regime geral, cujos benefícios já são menores.
Uma das poucas medidas infraconstitucionais que podem ser adotadas para endurecer as regras do regime próprio dos servidores públicos é o aumento da contribuição previdenciária que eles aportam, que hoje é de 11%. "No caso dos servidores, você não pode mudar a forma de cálculo do benefício, que está na Constituição", diz Nery. "Mas você pode aumentar a contribuição do servidor, inclusive do aposentado. Se não posso alterar o valor do benefício de quem vai se aposentar, eu posso exigir que todos os servidores contribuam mais e tentar tapar o buraco dessa forma". Só que o aumento nessa contribuição precisaria ser expressivo, para algo em torno de 20% ou 25%, para gerar uma economia significativa aos cofres públicos. Algo que "não parece crível", pontua Nery, em razão da forte pressão que o funcionalismo público costuma exercer em votações do seu interesse no Congresso Nacional.
Para dificultar ainda mais, há um precedente pouco animador: o próprio presidente Temer tentou elevar no passado essa contribuição para 14% através de uma medida provisória, mas a alteração foi barrada em 2017 por decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.
O jornal o Estado de S.Paulo publicou nesta sexta que um dos estudos entregues à equipe de transição prevê justamente o aumento dessa contribuição para 22%. Bolsonaro reagiu e usou sua conta no Twitter para dizer que esse incremento não estava sendo analisado. "As propostas de reforma da Previdência divulgadas pela imprensa, sugerindo 40 anos de contribuição para aposentadoria integral e 22% de alíquota de INSS, não são de nossa autoria como tentam atribuir falsamente", declarou. No entanto, ele aparentemente se confundiu, já que a taxa referida pelo jornal não era a do INSS, e sim da contribuição dos servidores.
As propostas de reforma da Previdência divulgadas pela imprensa, sugerindo 40 anos de contribuição para aposentadoria integral e 22% de alíquota de INSS, não são de nossa autoria como tentam atribuir falsamente.— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) 9 de novembro de 2018
Pela legislação brasileira, existe uma diferença entre os dois modelos de aposentadoria. Enquanto um contribuinte do regime geral pode, de acordo com valores atuais, receber no máximo 5.531 reais de aposentadoria, no regime próprio dos servidores o benefício é calculado de forma diferente e a aposentadoria tende a ser maior. Justamente por isso, um dos objetivos da reforma da Previdência que o governo Michel Temer procurou aprovar —sem sucesso— previa a unificação dos dois sistemas.
Pobres, os mais afetados
Fora isso, há mudanças previdenciárias que podem ser feitas através de simples projetos de lei no regime geral (que atende a maior parte dos brasileiros) e que também podem aliviar as contas públicas. Por exemplo, sem tocar na Constituição não é possível estabelecer uma idade mínima para aposentados pelo INSS mas, conforme explica Nery, não há nenhum obstáculo para que sejam reduzidos os benefícios de quem se aposenta cedo. "Então eu posso buscar ter o mesmo impacto [fiscal] de um [aumento] da idade mínima reduzindo muito os benefícios de quem se aposenta antes dessa idade", diz o economista. Outra medida que poderia ser adotada é a extinção da fórmula que permite a aposentadoria integral para quem, na soma da idade e do tempo de contribuição para o INSS, atingir 85 anos (mulheres) ou 95 anos (homens).
Para além disso, continua Nery, as demais modificações que podem ser realizadas no regime geral apenas por projetos de lei "atingiriam os mais pobres, que têm os seus direitos menos guarnecidos pela Constituição". "Por exemplo, você pode elevar [por projeto de lei ou medida provisória] o tempo de contribuição para a aposentadoria do INSS, especificamente do benefício chamado aposentadoria por idade, que é o mais consumido pelos trabalhadores mais pobres. Como têm dificuldade de ter carteira assinada por muito tempo, eles têm dificuldade de contribuir, e por isso elevar o tempo de contribuição é muito pesado para eles", diz o economista. "Você pode mexer muita coisa do Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado para quem é ainda mais pobre. A idade mínima do BPC, que é de 65 anos, pode ser elevada por medida provisória. A linha de pobreza que uma pessoa tem que estar para receber este benefício também pode ser alterada por medida provisória", conclui.
Outro item passível de ser alterado apenas via projeto de lei é o sistema previdenciário dos militares. Mexer nesse ponto, no entanto, encontra resistências do próprio presidente eleito e dos seus auxiliares mais próximos. Capitão reformado do Exército, Bolsonaro já defendeu no passado que os militares deveriam ficar de fora do endurecimento das regras previdenciárias.
Contradições preocupam entorno de Bolsonaro, mas não afetam campanha permanente no WhatsApp
Presidente eleito lança nomes para testar aceitação de seus ministeriáveis e, na imprensa, sofre críticas pelo improviso. Nos grupos do aplicativo, um dos motores da campanha, apoiadores seguem mobilizados
Brasília
Por três meses, um grupo de 50 pessoas esboçou um plano de Governo para Jair Bolsonaro (PSL). Coordenado pelo general Augusto Heleno, os especialistas em diversas áreas tentaram detalhar dados para que, caso eleito, o capitão reformado pudesse tomar as decisões da maneira mais célere possível já no período da transição governamental. O plano, no entanto, parece ter subestimado a sanha de políticos e aliados por cargos, as reações que parte da sociedade civil com relação aos cortes de determinados ministérios e com as falas do futuro presidente que estremeceram as relações com países árabes e a China.
Apesar de parecer caótica para quem vê de fora, preocupar alguns membros de sua equipe e provocar críticas de analistas que detectam improviso, a estratégia bolsonarista parece não afetar seus apoiadores nas redes sociais. Pelo contrário. Nos grupos de WhatsApp, a campanha não terminou e a mensagem plataforma, surte efeito. Nem se fala das idas e vindas do presidente eleito. Tecem críticas ao exame nacional do ensino médio (Enem) – que apresentou questões sobre o uso de dados na Internet para manipular usuários e sobre um dialeto utilizado por gays e travestis—; mobilizam-se contra o reajuste dado pelos senadores aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); seguem fazendo piadas e memes com os candidatos derrotados Fernando Haddad (PT) e Manuela D’Ávila (PCdoB). Também elogiam o capitão reformado quando ele anuncia quatro mulheres entre os membros de sua equipe de transição, ainda que essas quatro não representem nem 10% do total de vagas do grupo. Em outros momentos sugerem uma lista de veículos ou sites alternativas que não teriam sido "aparelhadas pela esquerda", reproduzem os tuítes de Bolsonaro falando sobre seus indicados para o Governo ou dizendo que vai “abrir a caixa-preta do BNDES”.
Nos discursos oficiais e informais, os balões de ensaio são lançados a todo momento. E não só por assessores ou políticos satélites do novo grupo do poder, mas pelo próprio Bolsonaro. Até agora, o presidente eleito se mostra sensível a uma reação nas redes: à possível avaliação de que está se aliando com corruptos. Por exemplo, ele já disse que o deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), candidato derrotado ao governo do Distrito Federal, teria uma função em sua gestão. Depois de centenas de reclamações pela Internet, as quais lembravam que Fraga já fora condenado por receber propina, ele parece ter recuado. Outro caso é o do senador Magno Malta (PR-ES), apontado pelo futuro mandatário como o ministro da Família, cargo esse ainda a ser criado. Depois das reações, Bolsonaro afirmou que talvez o parlamentar pudesse colaborar de alguma maneira, mesmo que não fosse com um cargo formal, nenhuma decisão foi anunciada até o momento. Malta era o vice-presidente dos sonhos de Bolsonaro por que traria maior tempo de TV e por compartilhar as mesmas ideias conservadoras nos costumes. Por opção própria, preferiu disputar a reeleição ao Senado, e depois de dois mandatos seguidos perdeu. Um dos eleitos no seu Estado, Fabiano Contarato, é o primeiro senador declaradamente homossexual.
Enquanto isso, entre apoiadores de Bolsonaro, o que viraliza são vídeos de seu ídolo cumprimentando policiais militares ou boatos, sem qualquer base factual, de que o STF fará sessões secretas. Administrador de 75 desses grupos no WhatsApp, o empreendedor Carlos Nacli, que vive em Portugal, diz que essa estrutura nas redes foi mantida para dar suporte às “pautas que serão importantes ao desenvolvimento do Brasil”. Tudo porque eles entendem que a imprensa não apoia o futuro mandatário. “Ficamos assustados com a perseguição que grande parte da mídia faz com o Bolsonaro. Parecem especialistas em tentar sabotar o presidente eleito”.
Nada está decidido e racha entre ruralistas
Entre analistas e no mundo político de Brasília, o jogo é outro e para ele Bolsonaro também faz testes e calibra mensagens. Na quarta-feira, lançou mais um: afirmou que extinguirá o Ministério do Trabalho, que é uma das pastas mais antigas do Governo com 88 anos de fundação. Mas não detalhou como isso ocorreria. As reações foram quase imediatas. Parte da elite industrial já havia sugerido a unificação desse ministério com o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio exterior. Mas o próprio Ministério do Trabalho emitiu uma nota se queixando da possibilidade de extinção. "O futuro do trabalho e suas múltiplas e complexas relações precisam de um ambiente institucional adequado para a sua compatibilização produtiva, e o Ministério do Trabalho, que recebeu profundas melhorias nos últimos meses, é seguramente capaz de coordenar as forças produtivas no melhor caminho a ser trilhado”. Ainda não houve uma definição formal também.
Na prática, nesta primeira semana de funcionamento da equipe de transição, ainda não se sabe qual será o tamanho da estrutura ministerial. Oscila entre 16 e 18 pastas. Ora a Agricultura será unificada ao Meio Ambiente, ora não. Em um momento a Indústria se junta à Fazenda, em outro estão separadas. Nem mesmo ministro que era dado como certo na Defesa, o general Augusto Heleno, segue assim. Ele acabou sendo promovido para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), bem mais próximo do presidente. Ao invés de comandar as três forças armadas, chefiará uma área responsável pela segurança do presidente e que tem o controle da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN).
O anúncio mais recente, a escolha da deputada federal e presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, Tereza Cristina (DEM-MS), para o ministério da Agricultura abriu um racha entre conselheiros do presidente eleito. Nabhan Garcia, amigo de Bolsonaro há duas décadas e presidente da União Democrática Ruralista, esperava ser ele o indicado para a pasta. Ou ao menos de ter sua indicação, do deputado Jeronimo Goergen (PP-RS), aceita. Perdeu uma queda de braço para o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), e acabou jogado para escanteio.
A equipe de transição de Bolsonaro também teve sua primeira baixa e uma ameaça de demissão. Marcos Aurélio Carvalho, dono de uma das agências responsáveis pela venda ilegal de pacotes de disparos de mensagens pelo WhatsApp durante a campanha, estava entre os nomeados remunerados para o grupo. Depois da divulgação de seu nome e as críticas consequentes, pediu para deixar de receber pela participação nos trabalhos e disse que seria voluntário na equipe. Houve ainda uma ameaça de demissão. O economista Marcos Cintra, um dos membros da equipe, escreveu um artigo defendendo uma mudança nos tributos para transações bancárias, o que foi interpretada como a criação de novos impostos. Em entrevista à Band, Bolsonaro reclamou de Cintra. “A decisão que eu tomei, quem criticar qualquer um de nós publicamente, eu corto a cabeça”, afirmou.
Os embates também ocorrem com o seu vice, o general Hamilton Mourão. Enquanto Bolsonaro diz que não sabe quem indicará para a Defesa, já que Heleno foi para o GSI, Mourão afirma que a tendência é de que um oficial da Marinha ocupe o posto. Mais uma vez, o presidente eleito precisar intervir para dizer apenas que um “quatro estrelas” ocupará o cargo. Ou seja, alguém que esteja no topo da carreira militar, independentemente da força que ocupar.
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