Sergio Moro: Que poderes contra corrupção terá o novo ministro da Justiça?. Por que Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho, que Bolsonaro quer extinguir.




Sergio Moro: Que poderes contra corrupção terá o novo ministro da Justiça?


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Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Brasília
Da BBC News Brasil em Brasília




"Todas essas sensações de que um dia a sorte (da Operação Lava Jato) poderia acabar e que nós poderíamos retornar àquele padrão de impunidade da grande corrupção, o que é algo deletério para a democracia, me levaram a aceitar esse convite", disse Sergio Moro na última semana, ao explicar por que topou abandonar a magistratura para ser o ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro.
O combate aos desvios de dinheiro público é apenas uma das várias responsabilidades do Ministério da Justiça, mas deve ganhar papel central na gestão do futuro ministro, que se notabilizou por comandar a vara da Lava Jato em Curitiba.
Após realizar o fato inédito de condenar uma série de políticos e grandes empresários por desvios envolvendo a Petrobras, o que ele poderá fazer concretamente como ministro? A BBC News Brasil ouviu autoridades e especialistas no tema para explicar os poderes e desafios que Moro terá para combater a corrupção de dentro do governo federal.

1) Propor novas leis



Em suas primeiras declarações após aceitar o convite de Bolsonaro, Moro indicou que sua primeira medida será encaminhar ao Congresso, já no início de 2019, um pacote de propostas de novas leis anticorrupção.
A ideia é resgatar parte do que ficou conhecido como Dez Medidas Contra a Corrupção - pacote que foi desfigurado na Câmara dos Deputados em 2016 e acabou empacado no Senado - e aproveitar também algumas sugestões reunidas no livro Novas Medidas Contra a Corrupção, elaborado pela Transparência Internacional e a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Entre as propostas que Moro destacou na última semana está inserir explicitamente a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância na Constituição Federal, já que hoje isso depende da interpretação do Supremo Tribunal Federal. Moro também defendeu a necessidade de mudar as regras de prescrição de crimes (após decorrido um determinado limite de tempo, extingue a possibilidade de punição, prazo que, no caso de corrupção passiva, varia de quatro a dezesseis anos a depender do caso) e progressão da pena (quando o condenado muda de regime, por exemplo da prisão fechada para o semiaberto, após cumprir parte da condenação).
Propostas encampadas pelo Poder Executivo costumam ganhar mais holofotes e tramitar no Congresso com mais agilidade. Em 2013, por exemplo, o governo Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso proposta que foi aprovada no mesmo ano e ficou conhecida como Lei Anticorrupção. A partir dela, passou a ser possível responsabilizar, no âmbito civil e administrativo, empresas que praticam atos lesivos à administração pública.
Para Fabiano Angélico, consultor sênior da Transparência Internacional, o fato de Moro ter grande conhecimento técnico na área, assim como uma forte imagem anticorrupção, eleva a chance de aprovação de uma nova agenda no Congresso. Ele defende, porém, a importância de equilibrar medidas de aperfeiçoamento da punição - que vem recebendo mais destaque - com melhores mecanismos de transparência e prevenção.
Um das propostas nesse sentido é criar um portal único de divulgação de todas as compras públicas, o ComprasGov, com informações básicas da operação, do fornecedor e notas fiscais, para facilitar a fiscalização externa.
"Ter alguém como Moro, que carrega uma marca anticorrupção, tem o seu peso. É importante porque dá visibilidade à agenda e dá outro peso na interlocução com o Congresso", acredita.
O professor de direito da FGV Michael Mohallem, que participou junto com Angélico do livro Novas Medidas Contra Corrupção, defende que Moro busque um pacote de leis mais "consensual", que facilite a aprovação. Um dos motivos que levou ao fracasso das Dez Medidas, pacote elaborado por membros do Ministério Público, é que havia propostas polêmicas, com potencial para ferir os direitos dos acusados, como a restrição da aplicação do habeas corpus (mecanismo que permite reverter prisões abusivas ou ilegais). Por isso, houve forte reação de parte da comunidade jurídica.
"Ele tem que ser estratégico. O que entrar no pacote será determinante para a aprovação", afirma.
Outro fator que pode ajudá-lo é que metade do Congresso foi renovada nessa eleição, deixando sem mandato parte dos que se opuseram às Dez Medidas.

2) Fortalecer a Polícia Federal

Com a já anunciada reunificação dos ministérios da Justiça e da Segurança Pública, áreas que foram divididas pelo presidente Michel Temer, a Polícia Federal ficará subordinanda à pasta de Sergio Moro. Bolsonaro já garantiu que o futuro ministro terá autonomia para definir o diretor geral da instituição e os superintendentes.
A questão foi alvo de polêmica no atual governo, já que o primeiro diretor nomeado por Temer, Fernando Segóvia, chegou a declarar que a investigação contra o presidente por supostas ilegalidades envolvendo o Porto de Santos seria arquivada. A repercussão negativa levou à troca pelo atual comandante da instituição, Rogério Galloro, e a investigação foi concluída apontando indícios de que o presidente teria cometido crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Além de escolher bons nomes para a direção da PF, o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Edvandir Paiva, acredita que Moro terá força para brigar por mais recursos para a PF.
Segundo ele, a instituição tem sofrido com contingenciamentos em seu orçamento e redução do efetivo, devido à não reposição dos que se aposentam. Em 2014, a Polícia Federal somava 14.745 servidores ativos, segundo o Ministério do Planejamento. Hoje, são 13.734. Dados do Portal da Transparência indicam que a despesa total do órgão tem oscilado entre altas e quedas de 2014 para cá em termos reais (quando se desconta a inflação).
"Os contingenciamentos (quando a liberação do orçamento previsto é represado) atrapalham nosso planejamento e as operações. Esperamos que Moro deixe um legado ao apoiar a aprovação da PEC (proposta de alteração da Constituição) 412 que dá mais autonomia financeira à PF", defende Paiva.
O atual ministro da Justiça, Torquato Jardim, rebate as críticas de que o órgão não estaria recebendo o apoio necessário e ressalta que a crise fiscal permanece e deve atrapalhar o atendimento dessas demandas por Moro.
"Nós estamos vivendo uma crise econômica brutal herdada do governo Dilma. Não é só a Polícia Federal, nenhum órgão federal tem toda a verba que gostaria de ter para aumentar pessoal, remuneração e tecnologia", afirmou.

3) Articulação com outros órgãos

O combate à corrupção envolve órgãos que não estarão subordinados a Moro, como o Tribunal de Contas da União, o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério Público e as polícias estaduais. No entanto, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, ele terá o poder de atuar como articulador, melhorando a cooperação e troca de informações entre eles.
É o Ministério da Justiça que coordena, por exemplo, a Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro). A iniciativa, criada em 2003, agrega mais de 60 órgãos dos três poderes da República, Ministérios Públicos e da sociedade civil, que atuam, direta ou indiretamente, na prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Moro, inclusive, já chegou a fazer parte.
Para a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, será importante que Moro conheça bem o funcionamento de diferentes órgãos de governo e o fluxo de dinheiro público para ter êxito nesse papel de articulador. Como ele não tem experiência ainda no Poder Executivo, será natural que primeiro tenha uma "curva de aprendizado" como ministro, acredita.
Coordenadora da Câmara Criminal da Procuradoria-Geral da República (PGR), ela lembra ainda que boa parte da corrupção do país está fragmentada em desvios de verbas federais repassadas aos governos estaduais e às mais de cinco mil prefeituras.
"É diferente do tipo de corrupção que Moro viu quando era juiz de uma vara de lavagem de dinheiro. Ele vai ter que se apropriar desse conjunto de fatores. Quais são as verbas públicas? Para quem vai? E quais são os gargalos para fiscalização e os ralos de desvio?", ressalta.
"Ele terá que conversar muito com a CGU, pois outro caso de corrupção endêmica no Brasil envolve os recursos federais repassados a estados e municípios", concorda o ministro Torquato Jardim, que comandou o órgão antes de assumir a pasta da Justiça.
A CGU realiza desde 2003 operações de fiscalização a partir de sorteios aleatórios de municípios, metodologia que em 2015 passou a incorporar também análise de estatística para detectar as regiões de maior vulnerabilidade. Em 15 anos, foram realizadas 347 operações, em parceria com outros órgãos como a PF, que detectaram no total prejuízo de R$ 4,9 bilhões. Neste mês, por exemplo, a Operação Sombra e Escuridão desarticulou esquema de fraude em licitações de obras, locação de veículos e transporte escolar que movimentou R$ 34 milhões de 2015 a 2017 em 23 municípios do sul da Bahia.
Nesse campo, uma das propostas da Transparência Internacional e da FGV é que o governo federal crie um selo de boa conduta para prefeituras que adotem boas práticas de gestão e transparência dos gastos, de modo a melhorar o controle dos recursos. A fiscalização dessas práticas ficaria a cargo da CGU. "Mas Moro poderia ter um papel importante na elaboração e aprovação da proposta. Mais transparência e melhores procedimentos são fundamentais para prevenir a corrupção", afirma Michael Mohallem, da FGV.
Chegou a ser ventilada a hipótese de a CGU ser incorporada pelo ministério de Moro, mas isso não se confirmou. Frischeisen ressalta que, por ser responsável pela fiscalização de todo Executivo, inclusive do Ministério da Justiça, a instituição não pode estar submetida a ele. "Por todos os tratados internacionais, a CGU deve ser independente", reforça.
Também nessa seara da maior articulação dos órgãos, uma das propostas de Moro é puxar o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) do Ministério da Fazenda para o da Justiça. A proposta, porém, não é consenso já que a atual localização da pasta facilita o intercâmbio de informação com a Receita Federal.
Moro, porém, argumenta que ele teria mais condições de cuidar do órgão porque o futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, estará focado em questões econômicas, não na lavagem de dinheiro. "Precisa reestruturar e fortalecer o COAF", disse na coletiva.

4) Nomeações para tribunais federais, cortes superiores e comando do MP

É o presidente da República que nomeia ministros das cortes superiores (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar), na maioria dos casos condicionada a aprovação do Senado. Além disso, escolhe, a partir de listas elaboradas previamente pela própria categoria, os desembargadores dos tribunais regionais.
São centenas de cargos que ficam vagos gradualmente, conforme os magistrados se aposentam ou progridem na carreira, e o ministro da Justiça costuma participar ativamente como consultor nessas escolhas, destaca Mohallem, que já foi consultor jurídico na pasta durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Nesse sentido, Moro poderá levar nomes a Bolsonaro que estejam alinhados com sua linha jurídica, considerada menos garantista (expressão usada para magistrados que dão mais peso em suas decisões aos direitos dos acusados).
"Tem um espaço enorme para ocupação importante de espaços do judiciário. É uma influência silenciosa que o ministro da Justiça vai ter por muitos anos à frente (já que esses cargos são de longa duração)", observa Mohallem.
É esperado também que Moro tenha influência na escolha do próximo chefe do Ministério Público. Hoje a procuradora-geral da República é Raquel Dodge, que pode ser reconduzida por mais dois anos.
Lula deu início a uma tradição, depois seguida por Dilma Rousseff, de sempre indicar o primeiro da lista tríplice eleita pela categoria, medida que deu mais independência ao Ministério Público para investigar políticos corruptos. Dodge, escolhida por Temer, era a segunda da lista, o que gerou controvérsias pelo rompimento dessa tradição.
Bolsonaro não se comprometeu a seguir essa prática caso os eleitos pela categoria tenham o que ele classifica como "viés ideológico de esquerda".
"Hoje, o que une todos nós (procuradores) é o respeito à lista", defende a subprocuradora Luiza Frischeise, indicando que haverá pressão da categoria sobre o novo presidente para manter o processo de escolha sem interferência do governo.

5) Um ministro, muitas causas importantes

Além do combate à corrupção, em que tem o maior conhecimento, Moro terá sob sua responsabilidade outras questões sérias como a crise da segurança pública, demarcação de terras indígenas e o tratamento de imigrantes e refugiados, o que inclui a tensão envolvendo venezuelanos que ingressam em Roraima. Um grande desafio, portanto, será como conciliar tudo.
As primeiras declarações de Moro sinalizam que o combate ao crime organizado será outra prioridade ao lado da corrupção. Nesse campo, sua propostas também passam por projetos de lei, por exemplo para regulamentar o uso de "policiais disfarçados para descobrir crimes, (...) por exemplo comprando grandes carregamentos de drogas e armas".
"Pretendo utilizar forças-tarefas não só contra esquema de corrupção, mas contra o crime organizado. Nova York, na década de 1980, combateu cinco famílias poderosas por meio da criação de forças tarefas", defendeu também na coletiva de imprensa.
10 novembro 2018
Getúlio VargasDireito de imagemPLANALTO
Image captionVargas criou o ministério para intermediar relações entre trabalhadores e empresários, função até então do Ministério da Agricultura
Caso seja confirmada a extinção do Ministério do Trabalho no governo de Jair Bolsonaro, conforme anunciou o presidente eleito nesta semana, será a primeira vez em 88 anos que o país não terá uma pasta na área, desde que Getúlio Vargas (1882-1954) a criou após chegar ao poder.
Hoje, esse ministério é responsável por elaborar diretrizes para geração de emprego e renda, além de emitir documentos e fiscalizar as relações trabalhistas no Brasil, investigando denúncias de trabalho escravo e infantil e o cumprimento da legislação por parte das empresas. Mas sua criação teve outro propósito.
Quando surgiu, em 26 de novembro de 1930, a ideia era que a pasta fosse responsável por intermediar as relações entre trabalhadores e empresários, até então sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura.
"Era uma política alinhada com o que se pensava então sobre o papel do Estado como um mediador das relações entre grupos e indivíduos", explica Renan Pieri, professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e do Insper.
"Vargas dá um golpe de mestre e assume a dianteira deste processo, estatizando estas relações."
A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi uma das primeiras iniciativas de Vargas ao assumir o governo por meio de um golpe, após a Revolução de 1930, que culminou com a deposição do então presidente Washington Luís (1869-1957) e o impedimento de que seu sucessor, Júlio Prestes (1882-1946), assumisse o cargo, dando fim à República Velha.
A pasta foi batizada de "ministério da Revolução" por Lindolfo Collor (1890-1942), seu primeiro titular e avô do ex-presidente Fernando Collor de Melo.
"Essa revolução se refere a uma ruptura com a velha oligarquia agrária por meio da criação de um Estado positivista, a instauração de um modelo legal e burocrático que passa a organizar as relações sociais por meio do monopólio da força através de um sistema normativo", diz Marcelo Nerling, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP).
"O Estado passa a ser o protagonista, baseado na crença de que é possível mudar a realidade social por meio de normas criadas de cima para baixo."
Nerling explica que não havia na época no Brasil um Estado como conhecemos hoje. "A administração pública só começa a se organizar a partir da década de 1930. Até então, as principais forças do país estavam concentradas nos municípios, comandados por coronéis. Era um modelo descentralizado e patrimonialista, em que não se separava o público do privado."

Qual foi o impacto da criação do Ministério do Trabalho?

Uma das primeiras medidas do novo ministério neste sentido foi criar uma nova regulamentação da atividade sindical, com critérios para a criação de sindicatos.
Entre as novas regras, estava haver uma única representação para profissionais de uma categoria dentro de uma mesma região, um mínimo de 30 membros, com ao menos dois terços de brasileiros, veto a qualquer manifestação política e ideológica, punições a empresários que impedissem a sindicalização dos trabalhadores e a aprovação da entidade pelo ministério - até então, não se dependia de autorização do governo.
O ministro Collor declarava na época que enxergava os sindicatos como uma forma de mediar os conflitos e tinha como objetivo trazer estas organizações para a órbita do novo ministério para que passassem a ser controladas pelo Estado.
"Vargas queria que os sindicatos se tornassem satélites do governo, politizando as relações entre empresas e trabalhadores", diz Pieri.
Na época, o Brasil ainda era um país extremamente rural, mas havia uma indústria nascente, que ganha força em reação ao crescente impedimento de importar produtos da Europa a partir da Primeira Guerra Mundial.
Ao mesmo tempo, a abolição da escravatura lançou um grande contigente de mão de obra ao mercado enquanto houve simultaneamente uma chegada massiva de imigrantes a partir do fim do século 19, facilitada pela Constituição de 1891, que, ao mesmo tempo, consagrou o direito de livre associação.
Surge, assim, uma classe de trabalhadores urbanos e de profissionais liberais, e se formam os primeiros movimentos sindicais, que foram reconhecidos e regulamentados em lei ao longo da primeira década do século 20, primeiro para os trabalhadores agrícolas e, depois, para os urbanos.
"Com a formação de uma economia de mercado, foi natural a formação de sindicatos especializados para representar os trabalhadores", diz Pieri.
Ao mesmo tempo, nas questões relativas a direitos, o regime de Vargas buscava atender reivindicações históricas dos trabalhadores, alinhado com a ideia da outorga dos direitos trabalhistas pelo Estado.
"Vargas havia acompanhado o que ocorreu na Rússia a partir de 1917 com a revolução, quando, em meio ao conflito entre capital e trabalho, o proletariado assumiu o poder. Então, ele, que era um capitalista, sabia aonde isso poderia acabar", diz Nerling.
"Vargas sabia que, se os trabalhadores fizessem greve atrás de greve para reivindicar direitos, poderiam quebrar o capital. Ele opta por chamar para si a responsabilidade de regular estas relações, cria leis que vinculam os cidadãos. Entrega os anéis para não perder os dedos."

O que mudou a cada Constituição?

O ministério teve sob Vargas uma atividade legislativa intensa. Foram lançadas medidas importantes, como a criação da carteira profissional (precursora da atual carteira de trabalho e previdência social), a regulamentação do trabalho feminino e infantil e o estabelecimento de juntas de conciliação de conflitos entre patrões e empregados, que seria um embrião da Justiça do Trabalho, criada pela Constituição de 1934 e que passaria a atuar a partir de 1941.
Homem segurando carteira de trabalhoDireito de imagemCAMILA DOMINGUES/ PALÁCIO PIRATINI
Image captionMinistério criou a carteira profissional, precursora da atual carteira de trabalho e previdência social
Também se destaca a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, que mudaram o sistema previdenciário do país. Ainda seriam instituídos o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas e o descanso semanal, as férias remuneradas e a indenização por dispensa sem justa causa.
Uma das iniciativas de maior peso foi a instituição em 1943 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que unificou as leis trabalhistas existentes até então. O dia em que recebeu a sanção presidencial, 1º de maio, passaria a ser o Dia do Trabalho, feriado celebrado até hoje em todo o país.
As décadas após a primeira era Vargas foram marcadas por diversas mudanças nas leis e direitos trabalhistas.
Em 1946, a Assembleia Constituinte convocada após o fim da ditadura, acrescentou novos pontos como o direito à greve e o descanso remunerado aos domingos e feriados.
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) surge em 1966, já durante o regime militar, para proteger o trabalhador demitido sem justa causa com uma conta aberta em seu nome, vinculada a seu contrato de trabalho, na qual são depositados mensalmente o correspondente a 8% do salário.
A Constituição de 1967 instituiu a aplicação da legislação trabalhista a empregados temporários, a proibição de greve em serviços públicos e atividades essenciais e o direito à participação do trabalhador no lucro das empresas, entre outras medidas.
A partir da Constituição de 1988, passam a ser previstos medidas de proteção contra demissões sem justa causa, o piso salarial, a licença maternidade e paternidade, o veto à redução do salário, a limitação da jornada de trabalho a oito horas diárias e 44 horas semanais e proibição de qualquer tipo de discriminação quanto a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Também foi criado o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), destinado em parte ao custeio do Programa de Seguro Desemprego.
"São políticas criadas e geridas dentro do Ministério do Trabalho, por ele oferecer um corpo técnico e orçamento dentro do governo para discutir essas relações, mas que têm muito mais a ver com o ambiente político de cada época, a pressão popular por mudanças e cada governo do que com o órgão em si", avalia Pieri.
O economista destaca que a partir dos anos 1990, a pasta assume um papel cada vez mais de fiscalização do cumprimento das normas e leis trabalhistas e na gestão de recursos como os do FGTS e do FAT.

E se o ministério acabar?

Se sua extinção se confirmar, não será a primeira vez que o Ministério do Trabalho será fundido com outras áreas.
Ao surgir em 1930, a pasta também era responsável por indústria e comércio. Em 1960, passa ser Ministério do Trabalho e Previdência Social. Torna-se puramente Ministério do Trabalho em 1974. Em 1990, volta a incorporar a Previdência.
Jair BolsonaroDireito de imagemREUTERS
Image captionPresidente eleito anunciou a extinção do Ministério do Trabalho
Dois anos depois, passa a ser o Ministério do Trabalho e da Administração Federal e, em 1999, do Trabalho e Emprego. Em 2015, vira mais uma vez Ministério do Trabalho e Previdência Social, até, em 2016, tornar-se novamente apenas Ministério do Trabalho.
Ao tratar do tema, Bolsonaro já declarou em entrevistas que o trabalhador terá de"decidir entre menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego". "Os encargos trabalhistas fazem com que se tenha aproximadamente 50 milhões de trabalhadores brasileiros na informalidade", disse à rádio Jovem Pan.
Pieri avalia que, com o anúncio do fim da pasta, surge uma "incerteza jurídica" sobre quem exercerá os papéis que hoje cabem ao ministério. "Isso é uma questão mais importante do que se terá ou não um status de ministério, que é algo secundário."
Nerling discorda e acredita que a transformação da pasta em uma secretaria sinaliza quais serão as prioridades do novo governo.
"Isso representa uma mudança de paradigma. Quando você dá a uma área status de ministério, diz que as políticas públicas nesta área serão priorizadas. Em um governo, a tomada de decisões ocorre em camadas, e a alteração de status precariza o cumprimento das competências que hoje cabem ao ministério, retira força e abala a eficácia de suas políticas", diz Nerling.
"Ao dizer que se deve escolher entre trabalho e direitos, o presidente eleito diz que os direitos são um problema, mas isso só é um problema para o capital. Se antes o Estado se posicionava para garantir os direitos dos trabalhadores, agora, ele pesa a mão para o outro lado e passa a priorizar o capital."
Por sua vez, Pieri destaca que, com a Reforma Trabalhista, passou a prevalecer sobre as leis trabalhistas a negociação entre sindicatos e empresas.
"O fim do ministério pode sinalizar um novo tempo em que o Estado não mais intermedia a relação entre capital e trabalho. Isso teria no futuro o efeito de despolitizar os sindicatos", diz Pieri.
"Será necessário entender o que o presidente quis dizer com o fim do ministério. Significa um relaxamento da fiscalização e que o governo não está mais pensando nestes problemas ou apenas uma mudança burocrática? Bolsonaro não pode dar uma canetada e tirar direitos, mas temos de debater se alguns benefícios previstos na lei de fato beneficiam o trabalhador.
COPIADO https://noticias.uol.com.br/ultimas

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