Proposta ‘engessa’ ainda mais o dinheiro público. O
que fazer para gastar menos?
· Fernanda Trisotto
· [03/04/2019] [12:10]
Quem quer que fosse assumir
o Palácio do Planalto neste 2019 encontraria um desafio e tanto: lidar com um
orçamento que já está quase todo "engessado" por despesas
obrigatórias. Para o presidente Jair Bolsonaro (PSL), o desafio pode ser ainda
maior, a depender da tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) do
Orçamento Impositivo, que transforma as emendas orçamentárias das bancadas
estaduais em despesas obrigatórias.
Um acordo entre líderes
partidários do Senado deve acelerar essa tramitação. Nesta quarta-feira (3), o
senador Esperidião Amim (PP-SC) vai apresentar seu relatório sobre a PEC na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. O acordo prevê que a proposta
seja analisada e alterada na comissão. Em seguida, à tarde ou à noite, deve ser
votada no Plenário – para ser aprovada, precisa passar por dois turnos de
votação e obter no mínimo três quintos dos votos (49 senadores).
Caso aprovada, a PEC vai
aumentar a rigidez do orçamento. “A elevação do gasto obrigatório reduziria a
margem fiscal da União e, na ausência de outras medidas, dificultaria ainda
mais o cumprimento do teto de gastos nos próximos anos”, explica a Instituição
Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, em nota técnica. A IFI estima que
o impacto dessa proposta possa alcançar R$ 7,3 bilhões entre 2020, quando as
regras começariam a valer, e 2022.
A Consultoria de Orçamento
e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados estimou o grau de rigidez com
as despesas primárias sem e com a PEC. A conclusão dos técnicos é que as
despesas obrigatórias não elevam tanto – passariam de 90,4% sem PEC em 2019
para 90,9% com PEC em 2020. A diferença está na folga do governo nas despesas
discricionárias. Embora, como o nome diz, elas sejam de livre escolha do
governo, com a PEC a maior parte dessas despesas passaria a ser
"impositiva" (emendas individuais, de bancada e finalísticas
impositivas), e sobraria um porcentual menor para os gastos com custeio
administrativo.
No caso das
"impositivas", a PEC estabelece que o governo pode até não executar a
despesa, mas terá de justificar o porquê.
Para acomodar os gastos com
um orçamento tão engessado, o governo tem duas opções: arrecadar mais
aumentando impostos, o que vai contra as promessas de campanha de Bolsonaro, ou
cortar despesas. O governo já está apertando o cinto e adotando medidas que
poupam recursos, mas há outras sugestões sobre o que fazer. Algumas dessas
ideias foram deixadas pela equipe do antigo Ministério da Fazenda no relatório
“Panorama fiscal brasileiro”, publicado em dezembro do ano passado. A seguir,
seis "dicas" para cortar gastos que constam desse documento:
1.
Parar de contratar servidores. E não dar aumento
Uma das maiores despesas do
governo é com a folha de pessoal – despesas com salário e encargos salariais
somam cerca 20% das despesas do governo federal e tem crescido. Para frear esse
movimento, há duas possibilidades: não contratar novos funcionários e não
conceder reajustes salariais. “A redução da contratação de pessoal –
limitada às reposições – implicaria em redução de R$ 4,1 bilhões em 2019, R$
8,6 bilhões em 2020 e R$ 13,6 bilhões em 2021, em comparação ao cenário de
crescimento dos últimos seis anos”, aponta o Panorama Fiscal Brasileiro.
O governo já vem atuando
nessa frente. O decreto 9.739/2019, por exemplo, amplia as exigências para os órgãos do governo pedirem a abertura
de concursos públicos. Quem quiser realizar um concurso terá de
prestar contas ao Ministério da Economia e informar coisas como a evolução do
quadro de pessoal nos últimos cinco anos (com movimentações, ingressos,
desligamentos e aposentadorias), a estimativa de aposentadorias para os
próximos cinco anos e a quantidade de servidores cedidos para outros órgãos,
por exemplo.
Os reajustes para
servidores públicos geram um efeito cascata, já que muitos funcionários
públicos aposentados também recebem o aumento. “A combinação de ausência de
reajuste nos salários dos servidores públicos com a limitação na contratação
resulta em uma economia acumulada de R$ 105 bilhões até 2022”, apontava o
relatório do Ministério da Fazenda. Mas é certo que o governo Bolsonaro não
conseguirá poupar todo esse valor. No começo deste ano, uma Medida Provisória
(MP) que adiava o reajuste salarial de servidores federais para 2020 perdeu a validade, e o governo desistiu de brigar pela suspensão
do aumento. Isso implicou em um gasto extra de R$ 4,7 bilhões para
2019.
2. Diminuir o número de comissionados
Uma medida que ainda está
relacionada aos gastos com pessoal é a redução no número de funcionários
comissionados. E isso não se restringe apenas às contratações de pessoal que
poderiam ser caracterizadas como indicações políticas, já que a ação também
inclui funções gratificadas para servidores concursados.
O Panorama Fiscal
Brasileiro mostrou que em 2017, o governo gastou R$ 6,1 bilhões com
gratificações para cargos comissionados. “A redução de 1/3 destes cargos
implicaria em economia de R$ 2,2 bilhões anuais. Entretanto, recentemente foi
realizada redução de cargos comissionados da União, o que torna necessária a
verificação do espaço adicional para diminuição do quantitativo de cargos, sem
prejudicar o funcionamento da máquina pública”, aponta.
O governo Bolsonaro fez
algo nesse sentido, mas com efeito limitado sobre os gastos. Em março, foi publicado um decreto que extinguiu 21 mil cargos, funções
comissionadas e gratificações no serviço público federal. A economia
anual estimada é de R$ 195 milhões – 0,06% do gasto com funcionalismo.
Do total de 21 mil cargos,
funções e gratificações extintos, 6.587 já estão desocupados e, por isso, serão
extintos imediatamente, sem gerar qualquer economia ao governo. Outros 2.001
serão eliminados a partir de 30 de abril e 12.412, a partir de 31 de julho. O
corte de cargos ficará restrito a 159, conforme mostrou o jornal O Globo. As demais extinções
são de funções e gratificações, e por isso não resultam em corte de pessoal.
Paralelamente, o governo
também editou um novo decreto que estabelece regras mais rígidas para o
preenchimento de cargos comissionados. Uma das exigências é de
comprovação de capacidade técnica, por exemplo, em uma tentativa de garantir
que apenas profissionais qualificados assumam essas funções.
3.
Adiar a concessão de benefício assistencial
O Benefício de Prestação
Continuada (BPC) garante o pagamento de um salário mínimo para pessoas com
deficiência e idosos com mais de 65 anos que comprovem que não têm condições de
sobreviver. Esse é um benefício assistencial, mas que pesa na conta da
Previdência: não é preciso ter colaborado com o INSS para ter acesso ao benefício,
que na prática é uma aposentadoria para aqueles idosos muito pobres.
O relatório da Fazenda
propunha elevar gradativamente a idade de concessão de 65 para 68 anos, em um
período de seis anos, o que poderia gerar uma economia de R$ 5,6 bilhões aos cofres
públicos entre 2019 e 2021.
A proposta de reforma da
Previdência do governo Bolsonaro faz alterações bem mais radicais no benefício.
A ideia é antecipar a idade de acesso ao BPC, mas reduzir o valor. Pela
proposta, que está na CCJ da Câmara, poderiam recebê-lo pessoas a partir de 60
anos, em situação de vulnerabilidade. O valor seria desvinculado do salário
mínimo e esses idosos receberiam R$ 400 mensais, com reajustes anuais fixados
pela inflação. Quando o idoso chegasse aos 70 anos, aí sim receberia o valor de
um salário mínimo.
O Congresso já sinalizou
que pode até aprovar a reforma da Previdência, mas que não mexe no BPC.
Bolsonaro, por sua vez, sinalizou que concordaria em manter o benefício do
jeito que está. Nesta terça (2), Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara,
declarou que as mudanças no BPC e na aposentadoria rural não sobreviverão à comissão especial "em hipótese
nenhuma".
A mesma resistência foi
enfrentada por Michel Temer (MDB), quando apresentou a sua proposta de reforma.
Na época, a gestão do emedebista aceitou manter o BPC do jeito que está.
4. Mudar salário mínimo, Previdência e assistência
social
O salário mínimo atualmente
é o piso da Previdência e de diversos benefícios assistenciais. Isso significa
que cada vez que o salário mínimo é reajustado, gera um "efeito
cascata" na Previdência e no sistema assistencial, o que pressiona ainda
mais o caixa do governo. O relatório Panorama Fiscal Brasileiro aponta que um
aumento de 1% no salário mínimo pode aumentar em mais de R$ 2 bilhões as
despesas previdenciárias. No caso dos benefícios assistenciais, há aumento no
custo, mas não existe contrapartida de crescimento na arrecadação. A sugestão
da antiga equipe do Ministério da Fazenda era de desvincular os pisos
previdenciários e assistenciais do salário mínimo.
Na proposta de reforma da
Previdência de Bolsonaro, essa ideia não teve espaço e o projeto mantém a
vinculação. Mas o governo pode mudar a política de reajuste do mínimo, que poderia
ficar restrita à reposição da inflação, por exemplo.
5. Limitar o abono salarial
Quem trabalhou em
determinado ano com carteira assinada por pelo menos 30 dias e recebeu até dois
salários mínimo pode receber o abono salarial no ano seguinte, no valor de um
salário mínimo. A proposta do relatório Panorama Fiscal Brasileiro é de
restringir a abrangência do benefício para trabalhadores que recebem apenas um
salário mínimo.
“O Abono Salarial é uma
política pouco eficiente tanto do ponto de vista distributivo quanto no
incentivo à formalização no mercado de trabalho. Cerca de 67% dos beneficiários
do Abono encontram-se entre os 60% mais ricos da população”, argumenta. Com a
medida, a economia estimada chegaria a R$ 155,4 bilhões entre 2020 e 2027.
Essa é uma sugestão que
parece ter sido ouvida pela gestão Bolsonaro. A proposta da reforma da
Previdência, que está tramitando na Câmara, limita o pagamento do abono
salarial apenas para quem recebe até um salário mínimo, além de dificultar as
regras de acesso ao benefício.
A proposta também incorpora
à Constituição a regra já existente que determina o pagamento do abono em valor
proporcional ao período trabalhado no ano. Isto é, se o profissional trabalhou
por meio ano, por exemplo, recebe meio salário mínimo, e não um salário
inteiro.
Também será exigido
cadastro de pelo menos cinco anos no programa PIS-PASEP para garantir o
recebimento dos valores. O abono não será pago a quem recebe o BPC. Na PEC, a
justificativa para a adoção da medida diz que essa proposta "visa reforçar
a proteção social para pessoas de baixa renda, em especial, ter uma proposta
resolutiva em relação à focalização do abono salarial".
6.
Fundir benefícios assistenciais
Não é só o antigo
Ministério da Fazenda que sugere a fusão de benefícios: o Banco Mundial já
avaliou a proposta como uma das medidas que o Brasil pode enfrentar para
promover o ajuste fiscal. Essa medida atinge o Bolsa Família, aposentadoria
rural e BPC. O consenso é de que o Bolsa Família é um programa muito bem
direcionado e eficaz: gasta “pouco” em comparação aos outros benefícios e traz
retornos mais concretos para a economia.
“Uma alternativa seria
fundir os três programas em um único programa, com as características do Bolsa
Família e benefícios mais altos. Neste sentido, caso seja feita a fusão da
aposentadoria rural, BPC e Bolsa Família em um único benefício de R$ 572,40
(60% do Salário Mínimo), seria possível reduzir a despesa em R$ 9,1 bilhões no
primeiro ano de implementação e R$ 13,4 bilhões no segundo ano”, aponta o
documento da Fazenda.
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