Brasil Com pouco sal mas muitos votos Alckmin ganha terreno para 2018 O prefeito que ganhou a eleição contra a ex-mulher



Geraldo Alckmin em ação de apoio à candidatura presidencial de Aécio Neves em 2014
Fiel do Opus Dei, chamado de "caipira" (provinciano) e "picolé com chuchu" (sensaborão) no seu partido, tornou-se desde domingo o favorito do campo anti-Lula nas presidenciais
Em fevereiro, o monocórdico governador do estado de São Paulo e médico de formação Geraldo Alckmin falou alto: quando barões do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) decidiram impugnar a candidatura do seu afilhado político João Doria à prefeitura da capital estadual por causa de trocas de ameaças e denúncias no apuramento dos votos nas primárias do partido, deu um murro na mesa e gritou: "Isso é ridículo!".
"Este partido não está é habituado a primárias, está habituado a ser um partido-cartório que decide os seus candidatos à mesa de um restaurante com vinho importado, primárias são assim mesmo, se não fossem as primárias nos EUA, nunca teríamos um presidente fora do establishment, negro, nascido no Havai e de apelido Hussein", reagiu. O PSDB paulistano acabaria por escolher, no calor do corpo a corpo das urnas e não sobre uma mesa de linho de um restaurante Michelin paulistano, o candidato sem experiência eleitoral João Doria que, oito meses depois, ganharia a corrida para a maior cidade do Brasil à primeira volta.
Mas mais do que impor Doria, Alckmin impôs naquele dia o seu estilo e a sua origem ao partido. Urbano, liberal e comandado por figuras sofisticadas, como o presidente de 1995 a 2003 Fernando Henrique Cardoso, e cosmopolitas, como o hoje ministro José Serra, o PSDB paulistano sempre olhou para Alckmin, nascido em Pindamonhangaba, pequena cidade de que foi o mais jovem prefeito da história aos 25 anos, como um corpo estranho. "Como um caipira, um jeca", lembra Vera Magalhães, colunista do jornal O Estado de São Paulo, usando as expressões brasileiras que são equivalentes a "provinciano".
Caipira, jeca e também "picolé de chuchu", a alcunha que o humorista José Simão lhe dedicou e pegou - um picolé é um sorvete de água que se pretende doce; chuchu, a mais enfadonha das hortaliças. Enfadonho ou não, de sorriso artificial ou não, austero e conservador ou não, Alckmin, que segundo reportagem de 2006 da revista Época fazia reuniões noturnas no palácio do governador com altas figuras do Opus Dei e tem como livro de cabeceira Caminho, o guia do fundador Josémaria Escribá, provou que, sem escândalos de corrupção para já que o abalem, vale votos. E logo em São Paulo, estado onde vivem 22% dos brasileiros e tem, de longe, o maior PIB do país (mais do dobro do português).
Com o capital político conquistado nas municipais de domingo, Alckmin começou logo a trabalhar sem rodeios para 2018. Já na noite das eleições, Doria e outros apoiantes gritaram "rumo à presidência com Alckmin". Nas horas seguintes o governador desenhou um plano de viagens para lá das fronteiras do seu estado para pavimentar a candidatura nacional - já em 2006 concorreu mas perdeu para o reeleito Lula da Silva à segunda volta. E, finalmente tocou no tema "primárias" para ver o que é que dava. Aécio Neves, presidente do partido, candidato presidencial derrotado em 2014 e barão mas de outra praça, Belo Horizonte, sentiu-se na obrigação de reagir quando questionado pela imprensa: "Primária pode ser um bom caminho, tanto eu, como o Serra ou o Geraldo estimulamos esse debate."
Para abril, está marcado o primeiro combate interno na convenção partidária, na qual quererá eleger um presidente do PSDB fora da esfera de influência dos concorrentes. Caso não consiga marcar território no partido, nem ganhar as primárias, sobra-lhe um último trunfo (ou bluff): romper com os tucanos, como são conhecidos os militantes do PSDB, e concorrer pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), do vice-governador paulista Márcio França e de Eduardo Campos, o candidato ao Planalto em 2014 que morreu em acidente de avião - a propósito, em Abril do ano passado, Alckmin e a mulher, Maria Lúcia, também perderam o mais novo dos seus três filhos numa queda de helicóptero.
F.H.C. e Serra, que decidiram apoiar para a prefeitura o descendente de uma espécie de "família real" paulistana Andrea Matarazzo (provavelmente num jantar regado a vinho importado) ignoraram a participação do padrinho de Doria no triunfo. "Quando se ganha à primeira volta, é mérito sobretudo do candidato", disse o antigo presidente. O atual ministro dos Negócios Estrangeiros nem se pronunciou. Do lado do governo, José Yunes, conselheiro do presidente Michel Temer, do Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), que tem veladas intenções de se recandidatar, também diminuiu a importância de Alckmin: "O voto em Dória foi apenas um voto anti-Partido dos Trabalhadores (PT)."
Mas por mais que os rivais o continuem a diminuir, é Geraldo José, o mais ilustre Alckmin de uma família caipira de Pindamonhangaba, na qual todos os homens se chamam Geraldo José ou José Geraldo há gerações, no estilo dos Buendía de Cem Anos de Solidão, quem está na frente do pelotão para 2018 no campo à direita do Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva.
Em São Paulo



Edinho Silva, que foi tesoureiro do PT, braço direito de Dilma Rousseff e é investigado na Lava-Jato, venceu a autarquia de Araraquara, 275 quilómetros a norte de São Paulo. Logo atrás ficou Edna Martins, do rival PSDB. O filho de casal não votou...
É próximo do ex-presidente Lula da Silva e, por isso, figura de peso no Partido dos Trabalhadores (PT). Foi o tesoureiro de campanha de Dilma Rousseff em 2014 e, por isso, citado na operação Lava--Jato por um construtor que o acusa de ter pedido financiamento em troca de contratos na Petrobras. Foi ministro da Comunicação Social de Dilma, mas ficou sem emprego por causa do impeachment da presidente e, por isso, resolveu concorrer à prefeitura de Araraquara, cidade que gerira com sucesso de 2001 a 2008. Essa mudança no percurso de Edinho Silva, 51 anos, no entanto, colocou-o numa situação inusitada: defrontou a ex-mulher, Edna Martins, na corrida eleitoral.
"Não tem problema nenhum, temos maturidade suficiente para nos respeitarmos e discutirmos apenas propostas", dizia ao jornal O Globo Edinho Silva durante a campanha. Edinho não se importou que Edna tivesse abandonado o PT, nas fileiras do qual se conheceram nos anos 1980, passado pelo Partido Verde (PV) e acabado no grande rival eleitoral, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que disputou as segundas voltas das últimas seis eleições presidenciais com os petistas. "Antes da política, temos uma relação pessoal de respeito, fomos casados, essa opção partidária dela é normal".
Edinho terminou com 41% e foi eleito prefeito - nas cidades com menos de 200 mil eleitores, como é caso de Araraquara, que tem em redor de cem mil, a segunda volta está dispensada - enquanto Edna se ficou pelos 28. No entanto, as sondagens falavam numa diferença muito mais expressiva. "Mas sofremos na pele a hostilidade contra o PT em geral por causa da Lava-Jato", notou Edinho. Roberto Massafera, líder do PSDB na cidade universitária do rico e desenvolvido estado de São Paulo, admite que a entrada em campo de um ilustre a nível local e até nacional, como Edinho, baralhou as contas de Edna: "Precisávamos de nos ter unido todos contra ele", disse. Incluindo o terceiro classificado Aluísio Boi, do outro grande partido brasileiro, o Partido do Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), do presidente Michel Temer, que preferiu concorrer a coligar-se com Edna.
Se para a população araraquarense foi difícil decidir entre dois candidatos que se habituaram a ver do mesmo lado da barricada, o que dizer do filho em comum do casal. Com 27 anos, foi aconselhado pelos pais a abster-se. "Eu disse-lhe para ele ficar quieto lá onde ele trabalha, em Curitiba, e não vir votar à cidade, para não ter esse constrangimento de ficar dividido entre candidatos pai e mãe", afirmou Edinho, ao jornal Folha de S. Paulo. "Ele não votou mas de qualquer forma é um garoto muito bem resolvido", completou a mãe.
Em São Paulo


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