Brasil
Com pouco sal mas muitos votos Alckmin ganha terreno para 2018
Fiel
do Opus Dei, chamado de "caipira" (provinciano) e "picolé com chuchu"
(sensaborão) no seu partido, tornou-se desde domingo o favorito do campo
anti-Lula nas presidenciais
Em
fevereiro, o monocórdico governador do estado de São Paulo e médico de
formação Geraldo Alckmin falou alto: quando barões do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB) decidiram impugnar a candidatura do seu
afilhado político João Doria à prefeitura da capital estadual por causa
de trocas de ameaças e denúncias no apuramento dos votos nas primárias
do partido, deu um murro na mesa e gritou: "Isso é ridículo!".
"Este
partido não está é habituado a primárias, está habituado a ser um
partido-cartório que decide os seus candidatos à mesa de um restaurante
com vinho importado, primárias são assim mesmo, se não fossem as
primárias nos EUA, nunca teríamos um presidente fora do establishment,
negro, nascido no Havai e de apelido Hussein", reagiu. O PSDB paulistano
acabaria por escolher, no calor do corpo a corpo das urnas e não sobre
uma mesa de linho de um restaurante Michelin paulistano, o candidato sem
experiência eleitoral João Doria que, oito meses depois, ganharia a
corrida para a maior cidade do Brasil à primeira volta.
Mas
mais do que impor Doria, Alckmin impôs naquele dia o seu estilo e a sua
origem ao partido. Urbano, liberal e comandado por figuras
sofisticadas, como o presidente de 1995 a 2003 Fernando Henrique
Cardoso, e cosmopolitas, como o hoje ministro José Serra, o PSDB
paulistano sempre olhou para Alckmin, nascido em Pindamonhangaba,
pequena cidade de que foi o mais jovem prefeito da história aos 25 anos,
como um corpo estranho. "Como um caipira, um jeca", lembra Vera
Magalhães, colunista do jornal O Estado de São Paulo, usando as
expressões brasileiras que são equivalentes a "provinciano".
Caipira,
jeca e também "picolé de chuchu", a alcunha que o humorista José Simão
lhe dedicou e pegou - um picolé é um sorvete de água que se pretende
doce; chuchu, a mais enfadonha das hortaliças. Enfadonho ou não, de
sorriso artificial ou não, austero e conservador ou não, Alckmin, que
segundo reportagem de 2006 da revista Época fazia reuniões noturnas no
palácio do governador com altas figuras do Opus Dei e tem como livro de
cabeceira Caminho, o guia do fundador Josémaria Escribá, provou que, sem
escândalos de corrupção para já que o abalem, vale votos. E logo em São
Paulo, estado onde vivem 22% dos brasileiros e tem, de longe, o maior
PIB do país (mais do dobro do português).
Com
o capital político conquistado nas municipais de domingo, Alckmin
começou logo a trabalhar sem rodeios para 2018. Já na noite das
eleições, Doria e outros apoiantes gritaram "rumo à presidência com
Alckmin". Nas horas seguintes o governador desenhou um plano de viagens
para lá das fronteiras do seu estado para pavimentar a candidatura
nacional - já em 2006 concorreu mas perdeu para o reeleito Lula da Silva
à segunda volta. E, finalmente tocou no tema "primárias" para ver o que
é que dava. Aécio Neves, presidente do partido, candidato presidencial
derrotado em 2014 e barão mas de outra praça, Belo Horizonte, sentiu-se
na obrigação de reagir quando questionado pela imprensa: "Primária pode
ser um bom caminho, tanto eu, como o Serra ou o Geraldo estimulamos esse
debate."
Para abril, está marcado o
primeiro combate interno na convenção partidária, na qual quererá eleger
um presidente do PSDB fora da esfera de influência dos concorrentes.
Caso não consiga marcar território no partido, nem ganhar as primárias,
sobra-lhe um último trunfo (ou bluff): romper com os tucanos, como são
conhecidos os militantes do PSDB, e concorrer pelo Partido Socialista
Brasileiro (PSB), do vice-governador paulista Márcio França e de Eduardo
Campos, o candidato ao Planalto em 2014 que morreu em acidente de avião
- a propósito, em Abril do ano passado, Alckmin e a mulher, Maria
Lúcia, também perderam o mais novo dos seus três filhos numa queda de
helicóptero.
F.H.C. e Serra, que
decidiram apoiar para a prefeitura o descendente de uma espécie de
"família real" paulistana Andrea Matarazzo (provavelmente num jantar
regado a vinho importado) ignoraram a participação do padrinho de Doria
no triunfo. "Quando se ganha à primeira volta, é mérito sobretudo do
candidato", disse o antigo presidente. O atual ministro dos Negócios
Estrangeiros nem se pronunciou. Do lado do governo, José Yunes,
conselheiro do presidente Michel Temer, do Partido do Movimento da
Democracia Brasileira (PMDB), que tem veladas intenções de se
recandidatar, também diminuiu a importância de Alckmin: "O voto em Dória
foi apenas um voto anti-Partido dos Trabalhadores (PT)."
Mas
por mais que os rivais o continuem a diminuir, é Geraldo José, o mais
ilustre Alckmin de uma família caipira de Pindamonhangaba, na qual todos
os homens se chamam Geraldo José ou José Geraldo há gerações, no estilo
dos Buendía de Cem Anos de Solidão, quem está na frente do pelotão para
2018 no campo à direita do Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva.
Brasil
O prefeito que ganhou a eleição contra a ex-mulher
Edinho
Silva, que foi tesoureiro do PT, braço direito de Dilma Rousseff e é
investigado na Lava-Jato, venceu a autarquia de Araraquara, 275
quilómetros a norte de São Paulo. Logo atrás ficou Edna Martins, do
rival PSDB. O filho de casal não votou...
É
próximo do ex-presidente Lula da Silva e, por isso, figura de peso no
Partido dos Trabalhadores (PT). Foi o tesoureiro de campanha de Dilma
Rousseff em 2014 e, por isso, citado na operação Lava--Jato por um
construtor que o acusa de ter pedido financiamento em troca de contratos
na Petrobras. Foi ministro da Comunicação Social de Dilma, mas ficou
sem emprego por causa do impeachment da presidente e, por isso, resolveu
concorrer à prefeitura de Araraquara, cidade que gerira com sucesso de
2001 a 2008. Essa mudança no percurso de Edinho Silva, 51 anos, no
entanto, colocou-o numa situação inusitada: defrontou a ex-mulher, Edna
Martins, na corrida eleitoral.
"Não tem
problema nenhum, temos maturidade suficiente para nos respeitarmos e
discutirmos apenas propostas", dizia ao jornal O Globo Edinho Silva
durante a campanha. Edinho não se importou que Edna tivesse abandonado o
PT, nas fileiras do qual se conheceram nos anos 1980, passado pelo
Partido Verde (PV) e acabado no grande rival eleitoral, o Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB), que disputou as segundas voltas das
últimas seis eleições presidenciais com os petistas. "Antes da
política, temos uma relação pessoal de respeito, fomos casados, essa
opção partidária dela é normal".
Edinho
terminou com 41% e foi eleito prefeito - nas cidades com menos de 200
mil eleitores, como é caso de Araraquara, que tem em redor de cem mil, a
segunda volta está dispensada - enquanto Edna se ficou pelos 28. No
entanto, as sondagens falavam numa diferença muito mais expressiva. "Mas
sofremos na pele a hostilidade contra o PT em geral por causa da
Lava-Jato", notou Edinho. Roberto Massafera, líder do PSDB na cidade
universitária do rico e desenvolvido estado de São Paulo, admite que a
entrada em campo de um ilustre a nível local e até nacional, como
Edinho, baralhou as contas de Edna: "Precisávamos de nos ter unido todos
contra ele", disse. Incluindo o terceiro classificado Aluísio Boi, do
outro grande partido brasileiro, o Partido do Movimento da Democracia
Brasileira (PMDB), do presidente Michel Temer, que preferiu concorrer a
coligar-se com Edna.
Se para a
população araraquarense foi difícil decidir entre dois candidatos que se
habituaram a ver do mesmo lado da barricada, o que dizer do filho em
comum do casal. Com 27 anos, foi aconselhado pelos pais a abster-se. "Eu
disse-lhe para ele ficar quieto lá onde ele trabalha, em Curitiba, e
não vir votar à cidade, para não ter esse constrangimento de ficar
dividido entre candidatos pai e mãe", afirmou Edinho, ao jornal Folha de
S. Paulo. "Ele não votou mas de qualquer forma é um garoto muito bem
resolvido", completou a mãe.
Em São Paulo
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