Rússia
Kuznetsov: um porta-aviões "azarado" ao largo de Portugal
Começou
a ser construído em 1982 e entrou ao serviço ativo da Marinha russa em
1995. Nos últimos 21 anos, passou cerca de nove no estaleiro em
manutenção ou em reparações
O
jornal norte-americano The New York Times apelidou-o de "porta-aviões
geriátrico", o britânico The Telegraph disse que é "tão falível que
viaja com o seu próprio rebocador" e, já em 2012, um blogue russo falava
da sua "má fama", acrescentando que era comum a expressão: "Se te
portas mal, és enviado para o Kuznetsov." O porta-aviões que encabeça a
frota de dez navios russos que estão a cruzar as águas da Zona Económica
Exclusiva portuguesa, a caminho da Síria, teve vários problemas no
passado, mas não deixa de servir o seu propósito. Naquela que será a
primeira missão de combate ativo, representa um desafio para os países
da NATO.
Após cruzar o canal da Mancha
na sexta-feira com grande aparato, esperava-se que a frota pudesse ter
entrado em águas de jurisdição portuguesa ainda ontem. Contudo, a última
previsão do Ministério da Defesa Nacional apontava para que tal só
acontecesse já nesta madrugada (a partir das 2.00), acreditando-se que
"as condições de mar estejam a atrasar um pouco a navegação". Na sua
travessia ao largo de Portugal, a frota será seguida de perto por uma
fragata portuguesa e por um avião de vigilância P-3. Segundo fonte do
ministério, a esquadra russa "deverá demorar entre um dia e meio e dois
dias, conforme a velocidade e as condições de mar, a sair de águas que
se encontram sob vigilância de meios navais e aéreos de Portugal".
O
porta-aviões russo começou a ser construído em 1982, ainda nos tempos
da União Soviética, tendo sido lançado ao mar em 1985. Seria
comissionado em 1991, estando completamente operacional a partir de
1995. "Na tradição naval, existe uma coisa chamada os navios azarados e o
Kuznetsov é sem dúvida um deles", disse Peter Roberts, um perito do
Royal United Services Institute (think tank britânico de Defesa), citado
pelo The Telegraph.
Desde
que está no ativo, o porta-aviões já passou por várias reparações e
períodos de manutenção - de 1996 a 1998, de 2001 a 2004 e em 2008. Nos
últimos dois anos, esteve parado para a substituição do convés e a
modernização do sistema eletrónico. Depois da missão da Síria, prevê-se
que volte ao estaleiro - segundo o The New York Times porque o sistema
de propulsão precisa de ser substituído.
O
Kuznetsov , que está habitualmente fundeado em Severomorsk, no mar de
Barents, já efetuou oito missões longas, todas de treino e nenhuma de
combate. Ao longo dos anos, já sofreu inúmeras avarias. Durante um
exercício no Mediterrâneo, em 1996, com dois mil membros da tripulação a
bordo, as máquinas usadas para destilar água fresca a partir da água do
mar avariaram. Em 2009, por causa de um curto-circuito, houve um
pequeno fogo a bordo que causou a morte de um tripulante e, nesse mesmo
ano, durante uma operação de reabastecimento, houve uma grande fuga de
combustível quando estava junto à costa sul da Irlanda.
Já
em 2012, o blogue English Russia (criado em 2006 por "uma pessoa russa"
que não estava satisfeita com o facto de "muitas coisas que aconteciam
na Rússia não terem cobertura dos grandes meios de comunicação") falava
na "má fama" do navio e da expressão: "Se te portas mal, és enviado para
o Kuznetsov." Este porta-aviões é o único da frota russa: o seu gémeo, o
Varyag, que começou a ser construído em 1983, nunca foi terminado. O
casco seria comprado em 1998 pelos chineses, que o acabaram e puseram ao
serviço em 2012.
"O Almirante
Kuznetsov em si é uma velha plataforma com um registo de confiança
questionável", escreveu Nick Childs, investigador sénior em forças
navais e segurança marítima, num relatório do Instituto Internacional de
Estudos Estratégicos. "Ainda assim, transporta recursos significativos
(...) e representa mais do que um símbolo da projeção do poder",
acrescentou.
"Apesar das limitações do
Kuz-netsov e de outros navios russos, eles reforçam a impressão de que a
atividade naval russa continua a ser um desafio para os EUA e para os
aliados europeus em relação à sua postura marítima", refere Childs. "Os
membros da NATO vão precisar de pensar em mais respostas a médio prazo
para regenerar as suas capacidades marítimas-chave", disse.
Portugal desvaloriza
"Não
tenho e ninguém tem, tanto quanto sei, qualquer elemento que lhe
permita dizer que é uma situação de gravidade particular. Poderá
tratar-se, e espero que não seja mais do que isso, de uma forma de
demonstração naval como tantas que conhecemos no passado", disse ontem o
ministro da Defesa português, José Azeredo Lopes, sobre a passagem dos
navios russos ao largo da costa portuguesa.
O
governante falava aos jornalistas em Elvas, à margem das comemorações
do Dia do Exército. Azeredo Lopes acrescentou que este tipo de
situações, com "a perceção clara de que a presença de forças navais de
forma não prevista ou não habitual", provoca "especulação" e "suscita
perguntas", devendo ser olhada "com a máxima atenção".
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