Brasil
Temer há 3 meses no poder e sob ameaça de impeachment
Ex-ministro gravou presidente a fazer pressão para favorecer interesse imobiliário de outro membro do executivo.
Ex-ministro
gravou presidente a fazer pressão para favorecer interesse imobiliário
de outro membro do executivo. Oposição exige destituição. E ainda há a
economia e a Lava-Jato.
A palavra impeachment nunca
saiu da agenda política do Brasil - a novidade é que agora o sujeito da
frase é Michel Temer (PMDB), o vice-presidente que assumiu o governo há
três meses no lugar da destituída Dilma Rousseff (PT). Um escândalo
envolvendo o próprio presidente e dois ministros demissionários levou a
oposição a solicitar parecer jurídico para avaliar a hipótese de avançar
com o pedido. "É o presidente da República a usar o seu cargo para
pressionar um ministro por interesses particulares, isso foi dito em
depoimento na polícia federal, não tem conversa de "ouvi dizer"",
afirmou Lindbergh Farias, deputado e provável futuro presidente do PT.
O
Caso Geddel, assim chamado por causa do seu pivô, o ministro da
secretaria do governo Geddel Vieira Lima (PMDB), começou no fim de
semana passado, quando o ministro da Cultura demissionário Marcelo
Calero acusou o colega "de ter pressionado um agente público para obter
favores privados". Em causa uma decisão do Instituto do Património
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), cuja tutela é do Ministério da
Cultura, de impedir, por se situar em área de valor cultural, a
construção de um luxuoso edifício com 30 andares em Salvador, no qual
Geddel comprou, ainda na planta, um apartamento avaliado em perto de um
milhão de euros.
Calero, que não tem
ligação partidária, contou à polícia federal - e apresentou conversas
gravadas no Palácio do Planalto que o provam - que foi repreendido por
Temer por não ter resolvido o caso em favor de Geddel. "O presidente
disse-me "estas pressões são normais, a política tem destas coisas"
(...) fiquei dececionado por ter sido repreendido por ele e demiti-me",
declarou o ex-ministro à polícia, num depoimento que deve agora subir ao
Supremo Tribunal Federal.
"A opinião
pública pergunta-se como o governo, a debater-se com uma recessão que
teima em não ir embora, sem a legitimidade do voto e com a ampliação das
investigações da Lava-Jato, arranja tempo para debater questões ligadas
a um apartamento de um dos mais diretos colaboradores do presidente
enquanto pede sacrifícios aos brasileiros", questionou a editorialista
Renata Lo Prete, da TV Globo. Eliane Cantanhêde, colunista no jornal O
Estado de S. Paulo, escreve que "menos de três meses depois da posse, o
país vive uma guerra: a previsão de crescimento piora, o núcleo duro do
governo amolece diante das delações da Odebrecht e a Crise Geddel
adentra o gabinete presidencial e cai no colo do próprio Temer".
Além
da oposição e da generalidade da imprensa, um grupo de artistas, como
Caetano Veloso, Luiz Fernando Veríssimo ou Wagner Moura, apoiou em carta
a decisão do Iphan em relação ao edifício em causa. E Janaína Paschoal e
Miguel Reale Júnior, dois dos três subscritores do pedido de impeachment de
Dilma, exigiram a demissão de Geddel, elo de ligação entre o Palácio do
Planalto e o Congresso Nacional e um dos mais fiéis e antigos
escudeiros de Temer, que acabaria por sair ontem à tarde.
Três
meses depois de se tornar presidente definitivo, Temer enfrenta ainda a
delação premiada de quase 80 executivos da Odebrecht que ameaça,
segundo fontes próximas do batalhão de advogados envolvidos no acordo,
fazer ruir o regime e dividir a Operação Lava-Jato em antes e depois
desta delação. A delação diz respeito a 35,5 mil milhões de reais [cerca
de 10 mil milhões de euros] em contratos firmados entre a construtora e
a Petrobras e desviados, em parte, para campanhas eleitorais de
parlamentares e outros detentores de cargos públicos. As mesmas fontes
junto ao processo garantem que ministros e membros de Temer serão
atingidos "de forma fatal" pela delação ou, no mínimo, "arranhados" pelo
que for dito.
Em paralelo, corre ainda
ação no Tribunal Superior Eleitoral que julga irregularidades nas
contas de campanha de Dilma à presidência, em 2014, mas que pode
vincular Temer, candidato a vice na ocasião, e resultar na destituição
do atual chefe de estado. "A ação será a mais importante da história do
tribunal", adverte Herman Benjamin, o juiz encarregado do caso.
Tensões
políticas e judiciais à parte, após três meses o governo também não
pode celebrar os números na economia. Os dados previstos para o
crescimento, para a inflação e para o desemprego foram todos revistos em
baixa. Pior: a eleição do protecionista Donald Trump, que às vésperas
do sufrágio chegou a ser classificada como "pesadelo" pelo ministro dos
Negócios Estrangeiros José Serra (PSDB), lançou mais incertezas nos
mercados nacionais.
Em São Paulo
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