A crise financeira que afeta os Estados levou os governos a adotar
medidas que afetaram o pagamento de servidores em pelo menos nove
unidades da federação. Entre as medidas estão as demissões de
funcionários; atraso, escalonamento ou parcelamento nos salários;
redução de vencimentos do primeiro escalão e a falta de reposição anual
da inflação.
Nos casos mais graves até agora, os governos de Rio
de Janeiro e Rio Grande do Sul tomaram medidas drásticas e decretaram
estado de calamidade pública, após cortes de gastos e atrasos em
salários. Ambos alegam que estão falidos e pedem socorro federal.
No
Rio, o governo havia quitado, até a sexta-feira (18), apenas o pagamento de outubro de 85% dos servidores. O salário está sendo
pago em sete parcelas.
Até o dia 5 de dezembro, o Estado promete fazer outros quatro
depósitos quitando os débitos, desde que não haja bloqueio das contas.
No Rio Grande do Sul, além de problemas em pagar salários, o governo diz que
não há perspectiva de depositar o 13º do funcionalismo.
O governo também anunciou um
pacote de medidas que preveem a privatizações, extinção de órgãos e demissão de servidores.
Os Estados da
Bahia,
Ceará,
Maranhão,
Paraíba,
Espírito Santo,
Tocantins,
Paraná,
Pará,
Alagoas,
Amazonas,
Santa Catarina,
Mato Grosso do Sul,
Piauí,
Rondônia,
Acre,
São Paulo e
Pernambuco, além do
Distrito Federal,
mantiveram o calendário de pagamento, embora alguns deles enfrentem
alguma dificuldade ou tenham implementado medidas de controle de gastos.
Salários divididos ou escalonados
A crise levou o governo de
Minas Gerais
a mudar a tabela de pagamento. O novo calendário --anunciado em
outubro-- criou o parcelamento dos salários de quem ganha mais de R$ 3
mil em três vezes. Em dezembro, por exemplo, os pagamentos serão feitos
entre os dias 12 e 23. Já os servidores que ganham até R$ 3 mil vão
receber o salário no oitavo dia útil em dezembro (dia 12). O pagamento
do 13º e calendário para 2017 ainda serão definidos.
Segundo o
governo, a folha custa R$ 3 bilhões ao mês, e por conta da crise, não
foi possível conceder reajustes -- a data-base dos servidores era 1º de
outubro. "Estamos tentando de todas as maneiras superar essa fase mais
difícil das finanças do Estado, afetando o mínimo possível a vida dos
servidores. Essa escala é a forma que encontramos para penalizar menos
quem ganha menos", afirmou o secretário de Planejamento e Gestão,
Helvécio Magalhães.
No
Rio Grande do Norte, o
governo também está pagando os salários de forma fracionada, com
intervalos também extensos. Os servidores da educação e dos órgãos que
possuem receita própria são os únicos que recebem dentro do mês
trabalhado. Até o dia 11 do mês subsequente, são pagos os demais que
recebem até R$ 4 mil. Já os servidores das faixas maiores estão
recebendo em datas não fixas, sempre no fim de cada mês. "A mudança na
tabela de pagamento ocorre em virtude dos efeitos da crise econômica que
continua atingindo fortemente as finanças do Rio Grande do Norte. A
frustração acumulada de receitas até 30 de setembro chegou a R$ 367
milhões se comparada ao previsto no orçamento para 2016", afirma o
governo.
No
Amapá, os servidores recebem o
salário em duas parcelas desde março. Em novembro, por exemplo, 40% dos
vencimentos finais dos servidores foram pagos no dia 10. O Tribunal de
Justiça julgou no mesmo dia uma ação do MP (Ministério Público Estadual)
e decretou ilegal a divisão dos salários e determinou pagamento
integral. O governo justificou a divisão dos salários por conta das
perdas de quase R$ 600 milhões em 2016 e disse que iria procurar
reverter a decisão. "Os repasses do FPE [Fundo de Participação dos
Estados] têm sido insuficientes para cobrir o valor da folha de
pagamento estadual e honrar as dívidas", informou.
Em
Roraima
também há salários pagos de forma escalonada entre os servidores e, em
nos casos dos maiores vencimentos, o valor ainda é repartido. A divisão
dos valores atingiu os que ganham entre R$ 1.251,00 e R$ 5.999,00 --que
no mês passado receberam os salários nos dias 11 e 30. Os que ganham até
R$ 1.250 receberam em uma só parcela. Já os servidores que recebem a
partir de R$ 6.000 receberam apenas em novembro os salários referentes a
setembro.
"O Estado sofreu perda de mais de R$ 107 milhões de
FPE. Esse déficit aumenta com o repasse do duodécimo aos Poderes, cujo
valor de R$ 52 milhões, é fixo e não sofre a variação de queda do FPE.
Com isso, o caixa do Tesouro tem frustração acima de R$ 150 milhões, o
que compromete o andamento da máquina, com pagamentos de despesas e
investimentos, afetando, agora, a folha de pagamento dos servidores",
informou o Estado.
Em
Sergipe, os salários
--que eram pagos dentro do mês trabalhado-- começaram a ter pagamento
mais tardio. Este mês, por exemplo, os vencimentos dos servidores foram
depositados de forma escalonada entre categorias, com conclusão no dia
11.
Em
Goiás, o governo também está pagando os
servidores em duas etapas: até o último dia do mês trabalhado recebem os
que ganham até R$ 3,5 mil. Até o décimo dia do mês seguinte, são pagos
os servidores que recebem acima desse valor.
No
Mato Grosso,
o governo adotou pagamento de forma escalonada desde abril. Em outubro,
apenas os funcionários com remuneração líquida de até R$ 3 mil
receberam no último dia do mês. Os demais, receberam no último dia 10. O
percentual de servidores que demoraram a receber o salário aumentou, já
que para folha de setembro o escalonamento atingiu apenas o que
recebiam mais de até R$ 6 mil.
Problemas, mas sem mudar calendário
Em
Alagoas,
o pagamento de servidores não mudou na atual gestão, mas os salários
são pagos em duas faixas: a primeira, que inclui os menores vencimentos,
no último dia útil do mês; enquanto os salários acima de R$ 2.500 são
pagos no dia 11. O Estado também não concedeu o reajuste anual, previsto
por lei para maio, a nenhuma categoria.
No
Acre
também não houve atraso. Mas, em julho, o governador Tião Viana (PT)
reduziu o seu salário e o dos secretários em 20%. No ano passado, o
número de cargos comissionados foi cortado em 30%. Segundo Viana, o
Estado perdeu mais de R$ 300 milhões em receita este ano em repasses do
governo federal.
Em
Rondônia, os servidores
receberam o salário de outubro no dia 27, porém, em 2016, não houve
reajuste. "No cenário econômico atual não vislumbra crescimento na
receita e, portanto, inviabiliza qualquer medida que aumente os gastos
públicos", informou, em junho.
No
Tocantins, o
governo anunciou, no último dia 10, a demissão de aproximadamente 2.000
servidores, entre comissionados e contratados --o que deve dar uma
economia de R$ 136,6 milhões nos próximos dois anos. No mesmo dia, um
outro decreto, reduziu a jornada dos servidores de oito para seis horas
até o dia 30 de abril de 2017.
O que explica a quebradeira nas contas dos Estados em 2016?
Professores consultados pelo
UOL afirmam que a
crise financeira dos Estados
é fruto de uma soma de erros cometidos pelos gestores associados à
queda de receita verificada nos últimos três anos por conta da recessão
nacional. A combinação tornou uma espécie de "tempestade perfeita" para a
área econômica de unidades da Federação.
Segundo o pesquisador
do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e
professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, José Roberto
Afonso, a crise é multifatorial e muito grave. "Na conjuntura, é a pior
recessão da história, com crise de crédito; isso arrasa a arrecadação
pública, e a inflação baixa impede um ajuste de gasto", diz.
Para ele, todas as esferas de governo sofrem, mas os Estados são mais
afetados por questões estruturais. "Do lado da receita, o ICMS [Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços] virou um
imposto obsoleto e o FPE [Fundo de Participação dos Estados] partilha
uma base cada vez mais fraca; do lado do gasto, a Previdência dos
servidores é uma bomba relógio com prazo mais curto para explodir que a
do regime geral (INSS); e do lado da dívida, os estados se endividaram
além da possibilidade de pagar, sempre sob bençãos do Tesouro Nacional",
afirma.
Nessa conjuntura, Afonso afirma que o atraso de
salários é inevitável. "Só governo federal escapa porque ele pode emitir
moeda, títulos e medida provisória. Estados e prefeituras, quando não
podem se financiar em bancos, o fazem atrasando pagamentos, de
fornecedores até servidores", diz
Para o professor, a saída
passa por vários fatores que estariam ligados a fazer o dever de casa, e
não esperar recursos federais. "Tem de mudar tudo que fizeram até aqui,
ajustar e reestruturar. É preciso agir em conjunto, a crise é de todos.
Falta um 'check up' da saúde fiscal dos governos, as contas públicas
viraram um faz de conta. Será preciso coragem e estímulo para se
promover um ajuste vigoroso e longo. Também será preciso reformar o
sistema tributário, a administração pública, a Previdência... É uma
ilusão achar que uma única e genérica medica seja suficiente para
enfrentar crise tão grande", alega.
Alexandre Chaia, professor
do Insper, acredita que, em regra, a queda de receita foi a gota d'água
para a crise. "Os Estados estavam numa ascendente de receita, com
comércio em alta, e desde 2013 a economia desacelerou. A quantidade de
vendas do varejo caiu, a chegada de novas indústrias foi diminuindo.
Isso ocorreu em todos os Estados", diz.
Entretanto, para o
especialista, as apostas e investimentos acima da capacidade levaram
alguns Estados a terem mais prejuízos. "Alguns Estados expandiram demais
os gastos, além de inchar demais a folha; tudo achando que o
crescimento era contínuo. Sem dúvida houve um erro de gestão. O primeiro
erro foi achar que a receita era contínua. É preciso consolidar
receita, mas anteciparam as contratações. O segundo erro foi a
desoneração que o governo Dilma incentivou, em vez de fazer o ajuste
fiscal", explica.
Ainda de acordo com Chaia, entre os Estados em
crise severa, a melhor perspectiva está no Rio de Janeiro. "Ele tem
mais facilidade pela recuperação possível da Petrobras. Se em 2017 a
empresa voltar a ter um crescimento um pouco mais sustentável, o Rio
terá uma melhora. Diferente de Rio Grande do Sul e Minas Gerais, por
exemplo, que não há evento de curto prazo para recuperação", sentencia.
copiado http://noticias.uol.com.br/politica/
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