Em nome do povo Uma medalha para a nossa G.I. Jane? Não, para a mulher do antigo comandante

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Não reza a história contemporânea que, alguma vez, uma primeira--dama tenha sido condecorada após o marido ter cessado funções como Presidente da República. Aliás, o cargo de "primeira-dama" nem está criado oficialmente. Por isso foi com estranheza protocolar que muita gente (no fundo, meia dúzia de civis e militares que leem o excelente Diário da República) tomou conhecimento da portaria 546/2016 de 29 de dezembro de 2016. Mais estranho ainda é o facto de o diploma legal dizer respeito aos feitos heroicos de uma mulher e ter passado despercebido aos sites Maria Capaz e Delas, sempre à procura do heroísmo feminino, que não passe por engomar e a lida da casa. Ainda que esta história não resulte de uma decisão judicial, merece ser contada, até porque, bem vistas as coisas, a Marinha defende as nossas águas territoriais "em nome do povo".
Segundo a portaria (e não vejam aqui qualquer intenção sexista de atribuir a medalha Vasco da Gama a uma mulher através de uma portaria, querendo com isso convocar a imagem de porteira, até porque se trata de assuntos diferentes), o atual chefe do Estado-Maior da Armada, António Silva Ribeiro, concedeu a Maria Isabel Rodrigues Oliveira Fragoso a medalha naval de Vasco da Gama. Uma distinção criada em 1969 pelo então primeiro--ministro Marcello Caetano e pelo ministro da Defesa Manuel Pereira Crespo, que pretende homenagear quem tenha "praticado atos meritórios ou prestado relevantes serviços ou tenha contribuído, de maneira saliente, para a eficiência, o desenvolvimento ou o prestígio das marinhas de Portugal".
A princípio ainda se poderia julgar que Maria Oliveira Fragoso fosse a nossa G.I. Jane, a primeira mulher a concluir um curso de Fuzileiros. Mas não. Maria Oliveira Fragoso foi, e ainda é, a mulher do ex-chefe do Estado-Maior da Marinha, o almirante Macieira Fragoso. Em linguagem de portaria, diz-se que a senhora "acompanhou, ao longo da sua muito recheada e diversificada vida, a carreira do almirante Macieira Fragoso de forma próxima e participativa, atitude que sobressaiu com especial nota durante os últimos três anos, período em que o almirante Macieira Fragoso desempenhou a relevante função de almirante-chefe do Estado--Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional".
Que serviços relevantes prestou? Se é que estes são mesmo necessários para a medalha, já que até o surfista Garrett McNamara teve direito a uma pelo relevante serviço da prática do surf. Analisemos a portaria: Maria Oliveira Fragoso é uma "conhecedora invulgar dos hábitos e costumes navais". Isto, concede-se, dá pontos. Possui um "inusitado gosto pela cultura destas seculares e briosas instituições". Ter estudos é sempre bom. Desenvolveu "uma prolífica atividade de apoio ao cargo do almirante-chefe do Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional, disponibilizando-se, sem reservas, para as inúmeras ações de representação a nível nacional e internacional". Muito trabalho, presume-se.
Na prática, em que é que aquilo tudo se traduziu? "Prestou um inestimável serviço ao cargo do almirante CEMA e AMN, e desta forma à instituição, ciceronizando e acompanhando as suas contrapartes, estimulando, por norma, programas recheados com atividades de natureza cultural no domínio do património cultural, histórico e artístico da Marinha." Apesar de esta justificação indiciar um elevado nível de operacionalidade nas forças especiais, o trabalho da mulher do ex--CEMA passou ainda por uma espécie de personal coach da Marinha, já que "procurou assiduamente" cativar pessoas para "eventos de especial cariz". Lá está: operações especiais? Não: "concertos da Banda da Armada, ou os embarques e visitas a unidades navais" ou tão-só pela "organização de convívios em espaços marcantes da instituição". Piqueniques...Mas todas estas atividades, segundo o atual chefe do Estado-Maior da Marinha, "vieram a confirmar-se como valiosas no veicular da alma e sentir do ser marinheiro". Com esta moral, ganhamos qualquer batalha naval que se nos apresente pela frente.
Além da operacionalidade em matérias tão importantes para a Marinha, o CEMA, António Silva Ribeiro, realçou ainda as qualidades pessoais de Maria Oliveira Fragoso. "Singular nobreza de valores e sentido humano no que respeita às qualidades morais"; "elevada elegância no relacionamento"; "permanente disponibilidade e satisfação pessoal patente em todas as ações que desenvolveu"- são alguns dos encómios plasmadas na portaria do chefe do Estado-Maior da Marinha. E lá foi uma medalha. A insígnia tanto pode ser usada num pendente de fita de seda ondeada ou substituída pela respetiva fita "nos uniformes em que esteja regulamentado o uso de fitas". Há ainda a hipótese de uso com uma "roseta da cor da mesa fita" para os "trajes civis de passeio". Basta apenas arranjar uma roupinha que combine. McNamara deve usar a sua com T-shirt e calção.
copiado  http://www.dn.pt/

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