O triste fim da comunicação pública
Nos tempos estranhos em que vivemos, usar palavras como “público”, “republicano”, “cidadania” está fora de moda. Se dependesse de alguns, sobretudo nos mais altos escalões da administração, seriam abolidas do léxico porque, nos dias de hoje, parecem não servir para nada. São peças de um ferro-velho abandonado, sem uso depois do desmantelamento de iniciativas e programas considerados inúteis – ou pouco úteis – pelo atual governo. Como, por exemplo, quase todas as ações relacionadas a direitos humanos, direitos da mulher, minorias…
A próxima vítima é a comunicação pública – que já não andava bem das pernas há tempos. Mudança discutida esta semana pelo conselho de administração da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) pretende substituir, em seu plano estratégico, a missão de difundir notícias de “interesse público” por “notícias de Estado” em suas emissoras, como a TV Brasil, e na Agência Brasil. Evidentemente, um eufemismo para noticiário governamental. Uma regressão da EBC à antiga Radiobrás.
Não há como ser contra a divulgação de atividades governamentais, da forma mais completa e eficiente possível. É dever dos governos levar ao público, com transparência, notícias sobre suas ações e programas em produções para TV, rádio, Internet e impressos – assim como fazem outras instituições do Legislativo, do Judiciário e das administrações estaduais.
Esse tipo de comunicação, porém, nada tem a ver com comunicação pública. Não por acaso, a Constituição Federal, em seu artigo 223, prevê uma clara divisão, e complementaridade, entre os sistemas privado, público e estatal. A Lei que criou a EBC, há dez anos, regulamentou o sistema público, estabelecendo que ele, diferentemente do estatal, terá autonomia em relação ao governo federal para produzir, programar e distribuir conteúdo com finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas.
A EBC não é, portanto, uma empresa de divulgação estatal. Ela administra e produz conteúdo para aTV NBR do Executivo, mediante um contrato de prestação de serviço específico para isso. Todas as demais emissoras, incluindo aí a TV Brasil, as rádios e a agência Brasil, são veículos de mídia pública. E o que quer dizer isso? Quer dizer que devem ter como foco o interesse do cidadão, o debate das políticas a ele dirigidas e, sobretudo, uma programação voltada à educação, cultura e informação voltada para a cidadania.
Uma TV pública está para o cidadão assim como a TV privada está para o consumidor e a TV Estatal – que sempre terá viés “chapa-branca” – está para o eleitor. Vamos ser realistas: apesar de todas as negativas dos detentores do poder e das boas intenções de quem produz, o material de divulgação de um governo acaba tendo, em última instância, ainda que de forma oculta, a função de mostrar a suas audiências como esse governo é bom – e como ele merece receber o seu voto.
É assim que funciona. E é por isso que, nas democracias, é preciso seguir a velha regra: cada macaco no seu galho. Quanto mais distantes estiverem os canais públicos – que também não trombam com os privados porque não têm publicidade comercial – dos canais estatais, melhor e mais saudável será essa democracia.
Pode-se apontar um milhão de problemas e defeitos na EBC. Sua organização administrativa propicia esse tipo de confusão, e quem sabe um dia alguém tenha a boa ideia de dividir suas estruturas para separar de forma irreversível o estatal e o público.
Enquanto isso não acontece, porém, é preciso tomar cuidado para não jogar a criança fora com a água do banho. Não é uma troca inofensiva a da palavra “pública” por “estatal”. Pode representar o extermínio de qualquer vestígio de comunicação pública no país, com todos os danos que isso pode representar para a democracia e a cidadania.
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