Novos relatos apontam que base militar no AP esconde cemitério com desaparecidos do Araguaia
- Guerrilheira Maria Lúcia, do PCdoB, foi morta e é um das desaparecidas no conflito
Relatos colhidos pela Comissão Estadual da Verdade do Amapá apontam para um local onde estariam restos mortais de desaparecidos da guerrilha do Araguaia nos anos 1970. Segundo depoimentos, mortos na Ditadura Militar (1964-1985) teriam sido enterrados em um cemitério clandestino dentro de uma base militar no município de Oiapoque (600 km de Macapá), já na fronteira com a Guiana Francesa.
Ainda de acordo com testemunhas, o governo do Território do Amapá à época teria dado apoio não só ao Exército e a suas expedições contra a guerrilha como também na ocultação de corpos dos guerrilheiros mortos.
O local exato onde os corpos estariam enterrados é a vila de Clevelândia do Norte, no extremo norte do estado --onde havia uma base de treinamento de militares para ações contra a guerrilha.
Segundo o presidente da Comissão da Verdade do Amapá, Dorival Santos, os relatos são considerados, por ora, como indícios, mas são pistas importantes para tentar desvendar ao menos parte do mistério que assombra cerca de 60 famílias que nunca acharam os corpos dos desaparecidos.
"Há vários relatos, mas não conseguimos encontrar provas com segurança histórica e científica. Por isso, recomendamos a investigação aprofundada do governo do estado e do Exército para saber se há esse suposto cemitério clandestino", diz Santos. "Clevelândia era uma colônia militar desde os anos 20, e testemunhas que viveram ali indicam a possibilidade de que parte dos guerrilheiros tenha sido enterrada lá."
Segundo Santos, não se sabe se o governo à época realmente participou da ocultação dos corpos, mas também há indícios que isso deve ter ocorrido. "O governo do Território --e quanto a isso há provas-- contribuiu com o Exército, e eles estavam articulados com a campanhas militares que ocorreram na região do Araguaia", afirma.
Militar confirma operações
No relatório final da comissão, um depoimento chama a atenção: o de Valdim Pereira de Souza, enviado em expedição ao Araguaia, e que à época era militar do 52º Batalhão de Infantaria de Selva do Exército. Ele também foi motorista, entre 1976 e 1983, do principal comandante do Exército à época das operações no Araguaia, o tenente-coronel Sebastião Rodrigues de Moura, o "Major Curió".
Ele relata que "sucessivas operações pente-fino", também conhecidas como "Operações Limpeza", eram realizadas com apoio do governo amapaense. Carros oficiais de órgãos federais eram usados na ação.
Souza contou em seu depoimento que as ações foram realizadas de forma clandestina, por oficiais à paisana, com o "objetivo de ocultar indícios e dificultar possíveis investigações sobre as mortes e desparecimentos de guerrilheiros e camponeses na região".
"O que eu fiquei sabendo da 'Operação Limpeza' era para apagar os vestígios de guerrilha. Isso é o que eu entendi, porque a gente ia muito para uma região chamada Bacaba do Quartel, e o Curió não vivia muito lá no quartel. Ele vivia lá para Brasília e quando ele chegava, me requisitava", afirmou Souza, citando que muitas ossadas foram levadas por militares a cemitérios no período.
Ele ainda apontou que Clevelândia do Norte funcionou como base de preparação militar de treinamento na selva --já que os confrontos ocorriam em mata fechada.
Outro relato semelhante foi do militante paraense Paulo Fonteles de Lima Filho, filho do ex-deputado assassinado Paulo Fonteles. Em depoimento a membros da comissão em 2013, ele indicou o Amapá como "cenário obscuro de desaparecidos da guerrilha, principalmente, no que concerne a ocultação de cadáveres de guerrilheiros".
MPF requer informações
Diante dos indícios, o MPF (Ministério Público Federal) do Amapá anunciou nesta quinta-feira (17) que enviou pedido de informações aos governos sobre a realização de buscas na região.
Para a procuradora regional dos Direitos do Cidadão, Nicole Campos Costa, as recomendações vão ao encontro da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o Brasil sobre a guerrilha em 2010. "A gente questionou o que o governo do estado está adotando, se há ou haverá essas buscas, e não recebemos resposta até agora", conta Costa.
Segundo a decisão da corte, o governo do Brasil foi responsável pela morte de 62 pessoas no Araguaia e passou a ter obrigação de localizar as vítimas desaparecidas durante a Ditadura Militar.
Nicole afirma que a cobrança de informações também foi feita à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério dos Direitos Humanos. "Já fomos informados que foram feitas algumas buscas preliminares ali na região do Bico do Papagaio, mas com esse relatório talvez seja interessante fazer essas averiguações no local indicado", completa.
As buscas por ossadas dos combatentes e camponeses mortos durante a Guerrilha do Araguaia são feitas, desde 2011, pelo GTA (Grupo de Trabalho do Araguaia), formado por integrantes do Ministério dos Direitos Humanos, da Justiça e da Defesa.
O que foi a guerrilha do Araguaia
A Guerrilha do Araguaia aconteceu entre os anos de 1972 e 1975. Militantes de esquerda contrários à ditadura militar se instalaram no interior do Pará. A intenção era desestabilizar o regime a partir do combate em áreas rurais. A ideia era ganhar o apoio da população local antes de iniciar os combates às forças da ditadura.
Após descobrirem a presença de militantes de esquerda na região, os militares organizaram três operações com o objetivo de derrotar os guerrilheiros.
A região compreendia uma área de 6.500 km² entre São Domingos e São Geraldo, às margens do rio Araguaia, próximo à divisa com Maranhão e, atualmente, Tocantins. Foi lá que guerrilheiros do PCdoB (Partido Comunista do Brasil) se organizaram para
tentar derrubar o poder dos militares.
Com a promulgação da Lei de Anistia, em 1980, familiares dos guerrilheiros iniciaram a busca dos corpos. Foram feitas caravanas à região, mas quase nada foi encontrado até hoje.
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