O relato de Paulo Coelho sobre as torturas que sofreu nos porões da ditadura militar Escritor publicou artigo no jornal americano Washington Post intitulado "Fui torturado pela ditadura do Brasil. É isso que Jair Bolsonaro quer celebrar".

Paulo Coelho foi preso três vezes durante a ditadura militar, em uma delas foiNOTÍCIAS
30/03/2019 13:18 -03 | Atualizado 30/03/2019 15:22 -03

O relato de Paulo Coelho sobre as torturas que sofreu nos porões da ditadura militar

Escritor publicou artigo no jornal americano Washington Post intitulado "Fui torturado pela ditadura do Brasil. É isso que Jair Bolsonaro quer celebrar".

REPRODUÇÃO/TWITTER/PAULO COELHO
Paulo Coelho foi preso três vezes durante a ditadura militar, em uma delas foi torturado
Paulo Coelho publicou nesta sexta-feira (29) um artigo no jornal americano The Washington Post em resposta à ordem do presidente Jair Bolsonaro para que os militares fizessem as “comemorações devidas” pelo golpe de 1964, que derrubou o então presidente João Goulart e deu início à ditadura militar.
Tais comemorações dos 55 anos do evento, que serão completados neste domingo (31), foram proibidas pela juíza federal Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara da Justiça Federal em Brasília.
No texto intitulado Fui torturado pela ditadura do Brasil. É isso que Jair Bolsonaro quer celebrar, o autor brasileiro narra em detalhes as torturas que sofreu nos porões da ditadura militar, a partir do dia 28 de maio de 1974.

Segundo o texto, naquele dia Colho teve seu apartamento no Rio de Janeiro invadido por um grupo de homens armados, que vasculharam suas gavetas e armários. O escritor foi levado para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), onde foi fichado e fotografado.
“Pergunto o que fiz, ele diz que ali quem pergunta são eles. Um tenente me faz umas perguntas tolas, e me deixa ir embora. Oficialmente já não sou mais preso: o governo não é mais responsável por mim”, ele conta no texto.
Coelho transportado encapuzado para um destino desconhecido. Antes de ser levado para a “sala de torturas”, foi espancado sob gritos de “terrorista”. Ao chegar a um local que continha uma soleira, ele conta que foi novamente agredido.
“Começa o interrogatório com perguntas que não sei responder. Pedem para que delate gente de quem nunca ouvi falar. Dizem que não quero cooperar, jogam água no chão e colocam algo no meus pés, e posso ver por debaixo do capuz que é uma máquina com eletrodos que são fixados nos meus genitais”, descreve no texto.
Coelho conta que sofreu sessões de espancamento e choques nesse ambiente. No dia seguinte, houve outra sessão de tortura, com as mesmas perguntas. “Repito que assino o que desejarem, confesso o que quiserem, apenas me digam o que devo confessar. Eles ignoram meus pedidos”, relata o escritor.
Depois de inúmeras sessões de tortura, Coelho conta que foi levado para uma “sala pequena, toda pintada de negro, com um ar-condicionado fortíssimo”. As luzes do local foram apagadas e uma sirene foi ligada.
“Começo a enlouquecer, a ter visões de cavalos. Bato na porta da “geladeira” (descobri mais tarde que esse era o nome), mas ninguém abre. Desmaio. Acordo e desmaio várias vezes, e em uma delas penso: melhor apanhar do que ficar aqui dentro”, ele conta.
No texto, ele afirma que passou dias e noites naquele local, até ser levado encapuzado no porta-malas de um carro para uma praça do Rio.
“Vou para a casa de meus pais. Minha mãe envelheceu, meu pai diz que não devo mais sair na rua. Procuro os amigos, procuro o cantor, e ninguém responde ao meus telefonemas. Estou só: se fui preso devo ter alguma culpa, devem pensar. É arriscado ser visto ao lado de um preso. Saí da prisão mas ela me acompanha. A redenção vem quando duas pessoas que sequer eram próximas de mim me oferecem emprego. Meus pais nunca se recuperaram.”
O escritor conta também que, décadas depois, os arquivos da ditadura militar foram abertos e seu biógrafo, Fernando Morais, conseguiu o material referente ao seu caso. “Pergunto por que fui preso: uma denúncia, ele diz. Quer saber quem o denunciou? Não quero. Não vai mudar o passado”, diz o texto.
“E são essas décadas de chumbo que o Presidente Jair Bolsonaro – depois de mencionar no Congresso um dos piores torturadores como seu ídolo – quer festejar nesse dia 31 de março”, escreve Paulo Coelho no final do texto. 
Na manhã deste sábado, o escritor citou em seu perfil no Twitter as duas pessoas que “socorreram quando precisei, e as quais seri grato o resto da vida”: Roberto Menescal e Hildegard Angel, cujo irmão, Stuart Angel, que foi torturado e morto no Rio de Janeiro durante a ditadura militar.

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