"O meu maior medo, agora que aceitei o desafio, é que possa transformar-me num político" Atenas vai mostrar plano exaustivo ao Eurogrupo


"O meu maior medo, agora que aceitei o desafio, é que possa transformar-me num político"


Varoufakis, ministro-sensação do governo grego, viveu, estudou e trabalhou em vários países, veste-se de ganga e cabedal, anda de moto pelas ruas de Atenas, gosta de chocar. E tem a carta de demissão sempre...
  • Atenas vai mostrar plano exaustivo ao Eurogrupo

    "O meu maior medo, agora que aceitei o desafio, é que possa transformar-me num político"

    por Patrícia Viegas
    Yanis Varoufakis, ministro das Finanças da Grécia
    Yanis Varoufakis, ministro das Finanças da Grécia
    Varoufakis, ministro-sensação do governo grego, viveu, estudou e trabalhou em vários países, veste-se de ganga e cabedal, anda de moto pelas ruas de Atenas, gosta de chocar. E tem a carta de demissão sempre à mão
    Na vida de Yanis Varoufakis há várias figuras femininas importantes: Xenia, a filha de 10 anos, que vive com a mãe na Austrália e a quem dedicou um dos seus últimos livros, sobre a crise grega; Danae Stratou, a sua segunda mulher, que ficou a viver em Austin, no Texas, enquanto ele voltou ao país natal para ser ministro das Finanças do novo governo da Grécia. Mas há uma terceira mulher que o marcou e definiu muito do que é e defende hoje: Margaret Thatcher, a primeira-ministra britânica que ficou conhecida como a Dama de Ferro.
    Natural de Atenas, Varoufakis chegou a Inglaterra para estudar Matemática Económica na Universidade de Essex em setembro de 1978, oito meses antes de a política conservadora vencer as legislativas. Quando Thatcher ganhou as eleições, ainda lhe deu o benefício da dúvida e pensou que a sua vitória traria algo de bom. "Mesmo quando o desemprego duplicava perante as suas intervenções neoliberais, continuava a ter esperança de que estivesse certa a máxima de Lenine de que as coisas vão piorar antes de melhorar. Mas depois percebi que as coisas podem piorar de forma perpétua sem nunca melhorarem", escreve Varoufakis, hoje com 53 anos, em Confissões de um marxista errático, um discurso que fez em maio de 2013 na 6.ª edição do Festival Subversivo de Zagreb e pôs no seu blogue. "No que toca à capacidade que uma recessão de longa duração tem de minar políticas progressistas e entrincheirar a misantropia na fibra da sociedade, a lição, dura, que a Sr.ª Thatcher me ensinou é a que trago comigo até hoje para a crise europeia."
    Olhado com desconfiança nos países do Norte e Centro da Europa, nos do Sul o ministro do Syriza é visto com um misto de curiosidade e de esperança por muitos, mesmo por aqueles que em público não podem mostrar qualquer sinal de simpatia ou interesse pelo que diz. "A discussão deixou de ser técnica, passou a ser política. Esse contributo dado pela Grécia não é para recuar, é para manter (...) Temos essa experiência da discussão com a troika, que era pura e simplesmente técnica. Mas depois vinham dirigentes dessas instituições dizer coisas diferentes", afirmou na quinta-feira, na TVI 24, a ex-ministra das Finanças portuguesa Manuela Ferreira Leite. A ex-líder do PSD sublinhou que algumas das ideias de Varoufakis têm o seu mérito, como a de indexar a dívida ao crescimento e trocar a dívida por obrigações perpétuas. "Acho boa ideia (...) Seria uma boa forma de todos os países se solidarizarem e interessarem pelo crescimento destes países. Neste momento não estão interessados em que a Grécia ou Portugal cresçam ou não cresçam. O que querem é o seu dinheirinho, com razão. Mas seria bom que pensassem que o seu dinheirinho chegaria se esses países crescessem. Acho mais interessante ainda a questão da dívida perpétua."
    Ontem, centenas de economistas de vários países lançaram um apelo, através do site Mediapart, para que "os governos da Europa, Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional respeitem a vontade do povo grego de escolher uma nova via e iniciar negociações de boa-fé com o novo governo grego para resolver a questão da dívida". Mas a posição da Alemanha, a maior economia europeia que liderou o processo de decisão das políticas de resposta à crise e empenhou mais nos resgates europeus do que no Orçamento do Estado para 2015, é bastante clara: "Promessas às custas dos outros não são realistas", declarou o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, no encontro com Yanis Varoufakis.
    "Nem sequer chegámos a concordar que estamos em desacordo", disse, por seu lado, em Berlim, o ministro-sensação do governo liderado por Alexis Tsipras. Varoufakis tem sido uma espécie de porta-voz do novo executivo, talvez por falar bem inglês, ao contrário do primeiro--ministro, pois estudou, viveu e trabalhou vários anos no Reino Unido, na Austrália e nos EUA. Mas não são só as ideias do ministro das Finanças grego para resolver um problema de dívida da ordem dos 317 mil milhões de euros e de 177% do PIB da Grécia que abalam o statu quo existente na União Europeia. É todo um estilo, o de se deslocar de moto por Atenas, uma Yamaha, o de não usar gravata, preferindo aos fatos impecavelmente engomados as camisas pretas ou às cores, conjugadas com calças de ganga pretas, sapatos da mesma cor e, por cima disto tudo, um sobretudo de cabedal pelos joelhos. "Varoufakis, o comunista libertário, vem [à Alemanha] como um cão à procura de uma luta, com a sua camisa por fora das calças e colarinho aberto. Ameaça, queixa-se, quer a vitória - acima de tudo sobre a Alemanha. Mas ninguém deve borrar-se nas calças por causa deste rufia. Caso contrário estamos condenados à derrota", escreveu, em editorial, o Die Welt.

    A Alemanha foi um dos países que o ministro grego visitou na última semana. Ao longo do périplo, foi colocando posts na sua conta de Twitter, que tem, atualmente, mais de 200 mil seguidores. Pelas ruas da capital grega é cumprimentado como se fosse um herói dos videojogos da empresa norte-americana - Valve Corporation - de que durante algum tempo foi consultor. À porta do Ministério das Finanças, como ontem aconteceu, os jornalistas esperam-no para mais uma declaração e ele lá vai falando, enquanto caminha, de mochila às costas, em direção ao seu gabinete. "Uma camisa apropriada para o Wetherspoon e um casaco próprio de um traficante de droga Madchester dos anos 1990", escreveu, no The Guardian, a consultora de moda Imogen Fox, referindo-se primeiro à rede de bares com aquele nome no Reino Unido e depois ao movimento de rock alternativo de Manchester.
    Mas quem conhece bem o governante grego não se surpreende minimamente com o seu estilo: "Há uma coisa que ninguém sabe, que pode surpreender, é que Yanis era o secretário da associação de estudantes negros", contou ao The Independent Monojit Chatterjee, que supervisionou a tese de doutoramento em Economia de Varoufakis na Universidade de Essex e ficou amigo dele. "Quando lhe perguntaram o que é que ele fazia ali, respondeu que negro era um termo político e que, como grego, em termos de etnicidade, ele tinha tantos motivos para estar ali como qualquer outra pessoa." Vassilis Goulandris, um amigo da escola primária de Varoufakis, ouvido pelo mesmo jornal, esclareceu que o ministro se veste "igual a si próprio", admitindo, porém, que "essa é a sua maneira de desafiar os outros e confrontá-los com os seus argumentos". Goulandris conta que o antigo colega "se envolve de forma apaixonada em tudo o que consegue fazer ao longo do dia, seja jogar voleibol, andar de bicicleta, tocar um instrumento de teclas num grupo de música, fazer um discurso sobre música contemporânea ou mesmo sobre política". A mesma energia é relatada àquele diário por Nicholas Theodorakis, professor e economista grego, com quem o ministro e a sua segunda mulher, a artista plástica Danae Stratou, costumam passar férias. "Depois de um mergulho na piscina, quando todos iam dormir uma sesta, o Yanis ia escrever algumas palavras para um jornal ou para um site, dar uma entrevista pelo Skype, depois preparar um seminário ou um livro. Tentar acompanhar a agenda dele faz-nos sentir exaustos", confessa, revelando que Varoufakis gosta de ir ao ginásio, jogar basquetebol, cozinhar comida tailandesa. E garante Theocarakis: "Ele gosta de improvisar. Não se limita a seguir uma receita."
    O ministro do Syriza conheceu a atual mulher há dez anos, altura em que sofria pelo facto de a primeira companheira, de origem australiana, ter levado a filha pequena para a Austrália. "A minha pequena filha Xenia foi viver para a Austrália. Por razões, que agora vejo serem legítimas, a mãe resolveu levá-la para Sydney, onde vive, desde então, o que garante a minha relação com esta cidade", escreveu no seu blogue Varoufakis, que pelo menos duas vezes por ano viaja até à Austrália e tem dupla nacionalidade grega e australiana. A artista Danae Stratou, de 50 anos, já tinha dois filhos de uma relação anterior e é filha da conhecida artista grega Eleni Potaga-Stratou. Já expôs em vários países e representou a Grécia na 48.ª Bienal de Veneza. Com Varoufakis, criou em 2010 a plataforma Vital Space e, antes disso, visitaram juntos sete das fronteiras mais conflituosas do mundo - Palestina, Etiópia-Eritreia, Belfast, Chipre, Caxemira e México - tendo a viagem resultado posteriormente na obra CUT: 7 Dividing Lines. Nos textos que escreve, o governante grego cruza, com à-vontade, as teorias económicas de nomes como Karl Marx, John Maynard Keynes, David Ricardo, Paul Samuelson, Adam Smith, com os enredos de livros como A Guerra dos Mundos de H. G. Wells (1898) ou de filmes como Matrix dos irmãos Wachowski (1999).
    Autor de O Minotauro Global: América, as Verdadeiras Origens da Crise Financeira e o Futuro da Economia Global ou Uma Proposta Modesta para Resolver a Crise da Zona Euro, de 2011 e 2010, Varoufakis foi, em março do ano passado, uma das personalidades estrangeiras que subscreveram o manifesto pela reestruturação da dívida portuguesa. Conselheiro económico do ex-primeiro-ministro grego George Papandreou, do Pasok, com quem se incompatibilizou em 2006, o ministro das Finanças grego escreveu Uma Proposta Modesta com James K. Galbraith e Stuart Holland. Este último é professor convidado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, tendo sido conselheiro de políticos como Andreas Papandreou, António Guterres ou Jacques Delors.
    O título da obra remete para alguma ironia ao ir buscar o nome à sátira que Jonathan Swift escreveu em 1729 no âmbito da crise económica irlandesa. Em Uma Proposta Modesta para Impedir Que os Filhos das Pessoas Pobres da Irlanda Sejam Um Fardo para os Seus Progenitores ou para o País e para Torná-los Proveitosos ao Interesse Público, Swift propõe, entre outras coisas, que os irlandeses pobres vendam os seus filhos como comida aos cavalheiros e às senhoras ricas. No seu documento, Varoufakis, Galbraith e Holland propõem um New Deal para a Europa, que não requer a criação de novas instituições nem a alteração das leis e dos tratados existentes na UE, não pressupõe defaults nem uniões bancárias complexas ou o ficar à espera que, um dia, chegue o federalismo.
    Sob pena de "uma implosão da zona euro destruir a UE em tudo exceto no nome", os autores pedem um New Deal europeu financiado pelo Banco Europeu de Investimento e Fundo Europeu de Investimento, querem que o Mecanismo Europeu de Estabilidade financie preferencialmente os bancos, que seja adotado um mecanismo que coloque o rácio da dívida no limite de 60% do PIB permitido pelo Tratado de Maastricht e que, caso um país tenha um valor superior, como é o caso da Grécia, que esse diferencial seja convertido em obrigações do Banco Central Europeu. O objetivo seria pôr um travão ao que classificam de grave crise social e humana e libertar os países do peso dos juros cobrados sob pressão dos mercados para fazer mais investimentos. Apesar de tudo, Varoufakis, que no seu curriculum vitae de 13 páginas diz que já supervisionou mais de 300 teses e dissertações de mestrado em cinco países ao longo das últimas três décadas, reconhece no seu blogue: "Estas propostas não têm nenhuma hipótese, compreendo agora, a menos que sejam postas em cima da mesa do Eurogrupo, do Ecofin e do Conselho Europeu." Esse será o teste que ele e Alexis Tsipras enfrentarão já na próxima semana, em Bruxelas, depois do périplo inicial que fizeram. O ministro que se descreve como "um economista acidental" confessa, mais uma vez, no seu blogue: "O meu maior medo, agora que aceitei o desafio, é que possa transformar--me num político." Mas, recuperando algo que em 2001 foi feito por Dick Cheney nos EUA, garante: "Como antídoto para esse vírus, vou escrever a minha carta de demissão e guardá-la no bolso, pronta para ser entregue assim que eu sinta sintomas de que estou a faltar ao compromisso de dizer a verdade."
      copiado  http://www.dn.pt/inicio/globo/

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