'El País': Lula, o eterno equilibrista
Carisma e capital político do ex-presidente continuam fortes
O jornal espanhol El País publicou nesta sábado um artigo de Antonio Jimenez Barca em que traça um perfil do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e avalia seu momento no cenário político brasileiro. O artigo diz que apesar da crise econômica e do Petrolão terem abalado um pouco sua popularidade, a força política do líder do PT continua intacta."Há poucos dias, num comício na cidade de Rio Branco, capital do Acre, o ex-presidente Lula apareceu ao lado das autoridades locais. Uma moradora contrária ao Partido dos Trabalhadores ficou assombrada não só pelo delírio que ele despertou na rua, mas pelo número de pessoas que, simplesmente por vê-lo e ouvi-lo de perto, começavam a chorar de pura emoção", diz o artigo.
Barca lembra o passado de Lula: "O trabalhador sem instrução que perdeu o dedo mínimo numa fábrica de parafusos quando tinha 18 anos e foi presidente do Brasil entre 2003 e 2010 está afastado do poder há cinco anos, mas não perdeu sua aura de mito vivo entre os brasileiros. Especialmente entre os que menos têm. E não é só isso. Além de servir como referência para a esquerda do país, Lula é bastante ativo e ainda conta muito na suculenta e abjeta política cotidiana, à qual um ex-líder sindical como ele não está disposto a renunciar em troca da insípida estratosfera da história".
Nesta mesma semana, ele se reuniu em Brasília com o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB , para tentar desobstruir o relacionamento frio dele com a presidenta, Dilma Rousseff, e, assim, tentar desbloquear a hostilidade do Parlamento brasileiro com o Governo.
O artigo lembra das eleições de 2014 na qual Lula "até então um tanto ausente na campanha, envolveu-se a fundo e animou alguns comícios graças ao talento de orador desenfreado (“Antes o pobre só comia frango e nunca sonhava em viajar de avião”), à capacidade algo demagógica para pisar o calo mais dolorido do adversário (“Eles só se lembram de vir a estas regiões pobres para descansar nas praias nos fins de semana, como filhos de papai que são”), ao magnetismo pessoal e à habilidade inata para entrar em sintonia com quem tiver pela frente, seja um lavrador miserável do deserto do sertão ou Chico Buarque em pessoa.
Ultimamente, porém, sua popularidade sofreu junto com a da presidenta Dilma, ambos arrastados pela crise econômica que mina o país e pelos escândalos de corrupção que enlameiam boa parte da vida política brasileira. O próprio Lula foi acusado pelo principal delator do milionário caso de subornos da Petrobras de conhecer toda a trama. Mas não há nenhuma prova. Além disso, recentemente se tornou público que a Procuradoria Geral da República cogita investigar o papel do ex-presidente nos negócios internacionais da gigantesca construtora brasileira Odebrecht, para a qual Lula desempenhou o papel de intermediário. Seus defensores dizem que o objetivo final de muitas dessas denúncias é reduzir o capital político que o ex-presidente ainda detém.
Tudo o que rodeia Lula se polariza no Brasil. No site do instituto que leva seu nome foi criada uma seção para conjurar os falsos rumores mais frequentes e prejudiciais à sua figura: que apareceu na primeira página da revista Forbes como o homem mais rico do país ou que tem câncer de pâncreas –ele já venceu um de garganta– ou mesmo que está morto.
Lula nasceu em 1945, em uma família quase miserável de Pernambuco, de sete irmãos, cujo pai, violento, distante e irascível, abandonou quase à própria sorte durante um tempo em uma casa sem água, sem cadeiras e mesas. Quando tinha sete anos, com a mãe e os irmãos, migrou, como muitos milhares de pobres do Nordeste, ao Estado de São Paulo. Por um tempo eles ficaram alojados nos fundos de um bar alugado por um parente, dividindo o banheiro com os fregueses. Foi vendedor ambulante, engraxate, balconista em uma loja e, finalmente, aos 14 anos, operário de uma fábrica. Aos 19, depois de perder um dedo no torno, entrou no sindicato. Organizou greves, foi preso durante a ditadura e, em 1980, com um grupo de sindicalistas e intelectuais, fundou o Partido dos Trabalhadores (PT). Disputou a presidência em três fracassadas ocasiões. Venceu na quarta, em 2002. No início de sua carreira política, em um debate na televisão, foi perguntado sobre sua ideologia: “Mas, enfim, o que você é? Comunista, socialista ou o quê?” Ele respondeu: “Sou torneiro mecânico”.
Ele sempre soube falar com os pobres, porque veio de onde veio. Mas logo aprendeu a falar com os ricos: uma de suas primeiras viagens oficiais foi para o Fórum de Davos, aonde chegou diretamente procedente do alternativo Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, numa viagem que foi uma declaração de princípios. Lá, um membro da delegação brasileira lembrou que, quando perguntado como eram compatíveis Porto Alegre e Davos, ele disse: “Eu fiz muitas greves contra os senhores, mas quando em seguida eu me punha a negociar sempre sabia que havia mais coisas que nos uniam do que nos separavam”. Durante seus dois mandatos, o Brasil cresceu em média 4% e mais de 30 milhões de pessoas –em um país de 200 milhões–, saíram da pobreza e começaram a pagar impostos e a se integrar ao sistema.
É verdade, lembram os críticos, que para tanto se apoiou na crucial reforma monetária de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, e usou um modelo, o de estimular o crédito para as famílias, que agora sofre de exaustão. E que se cercou de colaboradores próximos que depois foram acusados de corruptos. O último, o tesoureiro do PT, João Vaccari, amigo pessoal desde os tempos duros do sindicato, foi preso recentemente sob a acusação de receber subornos para o partido e para ele no emaranhado putrefato da Petrobras.
Muitos especialistas o veem como o próximo candidato a presidente em 2018. Seria sua sexta eleição presidencial. Pesquisas eleitorais recentes o colocam na frente, empatado com Aécio Neves, o candidato do partido de oposição, o PSDB, nas últimas eleições. Inclusive, algo abatido. Eterno Lula.
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