Tsipras pede voto "Não" em nome da democracia e da dignidade
"Talvez as pessoas que votam não sejam mais europeias"
por Fernanda Câncio, enviada especial a AtenasHojeComentar
Apoiantes do não
Fotografia © Reuters
As
sondagens dão o sim à frente, mas por décimas. E, ao contrário do que
tem sido propalado, também há classe média a votar não - e gente que não
só se descreve como "moderada" como se reclama mais pela Europa.
"Toda
a minha família vota não. Somos pessoas livres." Despina Michailidou,
45 anos, está no metro com a mãe, Dionisia, 75 anos, e uma bandeira
grega a caminho da Praça Syntagma, onde tem lugar o comício final do
oxi. No seu inglês quebrado, tenta explicar o porquê da escolha. "Não
admitimos ser espezinhados pela Alemanha." Convencida da vitória,
encolhe os ombros e endurece o olhar à pergunta sobre o que sucederá a
seguir. "Não quero saber." Mas ameniza logo de seguida: "Com euro ou
dracma é o mesmo. Talvez com dracma seja melhor. Mas não acredito que
saiamos do euro. E na verdade não quero sair do euro." O que Despina
quer é chegar à praça e juntar-se aos muitos milhares que ali vieram
ouvir o primeiro-ministro Alexis Tsipras. Mas pouco antes das oito da
noite (Tsipras só começa a falar às 21.38) o túnel do metro está tão
cheio que mal se consegue avançar. E as palavras de ordem começam logo
aqui, com gente nas escadas rolantes a filmar e a fotografar a mole que,
exaltada pela consciência da sua força, sorri. Três senhoras de idade
furam perto de Despina, que cumprimenta uma delas com grande entusiasmo.
"É a mãe de Tsipras", exclama. "A mãe de Tsipras!" E a senhora lá segue
toda contente, com a multidão a dar-lhe passagem. Questionada sobre
como sabe que se trata mesmo da mãe do PM, Despina é ininteligível.
Talvez tenha dito que moram no mesmo bairro.
Perfeitamente
possível: afinal, esse é um dos motivos pelos quais Panagos Spiropoulos,
31 anos, advogado de Patras, a 200 quilómetros de Atenas, confia no
governo "pela primeira vez em muito muito tempo". Podem ser
inexperientes, concede, "e cometer erros por esse motivo, mas confiamos
porque andaram nas mesmas escolas que nós, vivem ao pé de nós, conhecem
os nossos problemas e querem encontrar uma solução. Antes, eram uma
elite, vinham de famílias ricas, de dinastias, e agiam como quem está
acima da lei".
Ao ouvi-lo falar, ninguém adivinharia que o afável e
articulado Panagos foi, enquanto estudante, da juventude do partido de
centro-direita Nova Democracia, que até 2015 partilhou, à vez, o poder
com o PASOK. "Caracterizo-me como um liberal. Do ponto de vista político
mas também económico. Sou a favor da economia de mercado." Um social
democrata? Sorri: "Sim, mas ultimamente o termo caiu em desuso." Aliás,
adianta, acha que várias medidas do memorando estavam corretas, que a
sociedade e o Estado gregos precisam de alterações. Não é, pois, por
radicalismo ou sentimentalismo que vai votar não. "É para mim a decisão
lógica. Porque os gregos votaram numa mudança na economia e as
instituições europeias estão a tentar forçar-nos a aceitar continuar no
mesmo caminho que já provou ter resultados desastrosos e não permitir
pagar a dívida - como aliás o relatório do FMI agora divulgado [e logo
aproveitado por Tsipras] reconhece, ao dizer que a nossa dívida não é
sustentável. O que de resto não é nenhuma novidade, já imensa gente diz
isso há anos."
Apesar de considerar a sua opção a mais racional,
Panagos está, na família mais próxima, isolado na sua opção. A irmã,
nutricionista, vai votar sim, e o pai, reformado de 68 anos, também.
"Ele é muito conservador e tem medo de perder acesso aos medicamentos. E
a minha irmã, que é bastante moderada, como eu, tem também medo do que
pode suceder." Só sobre o sentido de voto da mãe, ex-decoradora que
agora ajuda a irmã no consultório, tem dúvidas. "Ainda não lhe
perguntei. Não quero ser muito intrusivo, respeito as opiniões dos
outros." Mas Panagos, apesar de recusar ceder ao medo, admite que vá
haver um corte (como sucedeu em Chipre há dois anos) nos depósitos, e
que os bancos, ao contrário do que tem sido sustentado pelo governo, não
deverão voltar a abrir as portas na terça-feira. "Acredito que vamos
sofrer. Mas suspeito de que o governo fez provisão de comida e
combustíveis."
"Isto não é uma eleição normal"
Um beco sem
saída. É assim, com uma gargalhada desconcertante, que Christina Costea,
47 anos, cenógrafa, nascida e criada em Atenas, define a situação. "Li
não sei onde isto: é uma espiral de morte." Ri de novo, sublinhando a
incredulidade. "Tenho a certeza de que as instituições europeias não vão
fazer-nos a vida fácil e que pode mesmo haver cortes nos depósitos e
falta de bens, mas algo tinha de ser feito, este assunto tinha de ser
resolvido. Todas as semanas a mesma conversa: se querem dinheiro têm de
fazer isto e isto. Nunca chega, nunca resulta. Cinco anos disto, e
querem mais? Para obter este resultado - dois milhões de desempregados,
uma queda de 30% do PIB, cada vez mais dívida. É uma questão de senso
comum, isto não pode continuar." E uma vitória do sim, crê Christina,
conduzirá a mais austeridade, que por sua vez terá como resultado
"aumentar os extremismos, com fenómenos como o Aurora Dourada, que
cresceram imenso com a recessão."
Certo é, porém, que ao contrário
das suas promessas o Syriza admitiu já a continuação da austeridade; na
verdade, o que estava (e estará?) a ser negociado era o grau da
austeridade, não se se acabava com ela. Facto que, aliás, está a causar
divisões dentro do próprio Syriza. O rosto de Christina, que costuma
votar à esquerda mas até 2015 nunca tinha escolhido o partido de
Tsipras, exprime a sua frustração. "Pois. Eles têm de resolver essa
questão de base, para serem credíveis: chegar a acordo entre eles. Mas é
tão difícil saber o que pensar. Tudo isto é tão confuso, temos
informação tão contraditória o tempo todo, tudo sempre a mudar. Sinto-me
bombardeada, não sei em que acreditar. Tento ficar serena, não entrar
em pânico, concentrar-me no que se passou nestes cinco anos para
fundamentar a minha decisão. E vejo pelos meus amigos que vão votar sim
que não sabem bem explicar porquê."
O que, acha Harris Christides,
32 anos, financeiro, CEO da empresa Accounting Intelligence, é natural:
"Muita gente está preocupada com o que vai acontecer na segunda e na
terça-feira. Isto não é uma eleição normal, muitas pessoas vão decidir
no último momento." Harris, que em 2015 diz ter votado em branco ("Não
acredito nos políticos que governaram o meu país nos últimos dez anos"),
não desperdiçará a possibilidade de "no domingo expressar a minha
opinião sobre as decisões que têm tomado sobre a Grécia sem me
perguntarem nada." Num meio em que é pouco comum encontrar pessoas de
esquerda - "Seria impossível por exemplo ser comunista, porque o meu
trabalho é com capitalistas" -, Harris faz, afinal, em relação a este
assunto aquilo que é o seu trabalho, ou seja, análise de risco. "Para
mim é óbvio que a perspetiva da União Europeia não é correta, porque a
dívida não para de aumentar. Estas decisões não são tecnicamente
fundamentadas; são punitivas. Quero a Grécia na eurozona, mas não com
estas medidas. Isto nunca vai funcionar."
Exortando os gregos a
dizer "um orgulhoso não a quem os aterroriza" e a celebrar a democracia,
Tsipras frisará, no seu curto discurso numa Praça Syntagma à pinha (a
polícia grega diz que estiveram lá 20 mil pessoas, um pouco mais que na
concentração do sim, convocada para a mesma hora no estádio olímpico),
que o referendo é sobre "ficar na Europa mas com dignidade". Poderia ter
tomado de empréstimo a reflexão que Panagos, horas antes, tinha
partilhado com o DN: "Talvez as pessoas que votam não sejam mais
europeias que as que votam sim." Porque? "Dão mais valor aos assuntos
europeus, pedem mais da Europa. Mais democracia, mais lógica nas
decisões, um plano racional para a viabilidade da Europa. Porque se o
euro continuar a beneficiar só a Alemanha, mais tarde ou mais cedo vai
colapsar." Suspira. "Talvez Tsipras tenha subestimado a sua capacidade
negocial. Mas se a Europa não mudar, se continuar tudo na mesma, então
de facto talvez não seja produtivo permanecer na eurozona."
copiado http://www.dn.pt/inicio/globo/
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