"Talvez as pessoas que votam não sejam mais europeias" LEIA A OPINIÃO DE ALEXANDER H.TRECHSEL: É O REFERENDO GREGO DEMOCRÁTICO?

Apoiantes do não

"Talvez as pessoas que votam não sejam mais europeias"


As sondagens dão o sim à frente, mas por décimas. E, ao contrário do que tem sido propalado, também há classe média a votar não - e gente que não só se descreve como "moderada" como se reclama mais pela...
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  • Tsipras pede voto "Não" em nome da democracia e da dignidade

    "Talvez as pessoas que votam não sejam mais europeias"

    por Fernanda Câncio, enviada especial a AtenasHojeComentar
    Apoiantes do não
    Apoiantes do não Fotografia © Reuters
    As sondagens dão o sim à frente, mas por décimas. E, ao contrário do que tem sido propalado, também há classe média a votar não - e gente que não só se descreve como "moderada" como se reclama mais pela Europa.
    "Toda a minha família vota não. Somos pessoas livres." Despina Michailidou, 45 anos, está no metro com a mãe, Dionisia, 75 anos, e uma bandeira grega a caminho da Praça Syntagma, onde tem lugar o comício final do oxi. No seu inglês quebrado, tenta explicar o porquê da escolha. "Não admitimos ser espezinhados pela Alemanha." Convencida da vitória, encolhe os ombros e endurece o olhar à pergunta sobre o que sucederá a seguir. "Não quero saber." Mas ameniza logo de seguida: "Com euro ou dracma é o mesmo. Talvez com dracma seja melhor. Mas não acredito que saiamos do euro. E na verdade não quero sair do euro." O que Despina quer é chegar à praça e juntar-se aos muitos milhares que ali vieram ouvir o primeiro-ministro Alexis Tsipras. Mas pouco antes das oito da noite (Tsipras só começa a falar às 21.38) o túnel do metro está tão cheio que mal se consegue avançar. E as palavras de ordem começam logo aqui, com gente nas escadas rolantes a filmar e a fotografar a mole que, exaltada pela consciência da sua força, sorri. Três senhoras de idade furam perto de Despina, que cumprimenta uma delas com grande entusiasmo. "É a mãe de Tsipras", exclama. "A mãe de Tsipras!" E a senhora lá segue toda contente, com a multidão a dar-lhe passagem. Questionada sobre como sabe que se trata mesmo da mãe do PM, Despina é ininteligível. Talvez tenha dito que moram no mesmo bairro.
    Perfeitamente possível: afinal, esse é um dos motivos pelos quais Panagos Spiropoulos, 31 anos, advogado de Patras, a 200 quilómetros de Atenas, confia no governo "pela primeira vez em muito muito tempo". Podem ser inexperientes, concede, "e cometer erros por esse motivo, mas confiamos porque andaram nas mesmas escolas que nós, vivem ao pé de nós, conhecem os nossos problemas e querem encontrar uma solução. Antes, eram uma elite, vinham de famílias ricas, de dinastias, e agiam como quem está acima da lei".
    Ao ouvi-lo falar, ninguém adivinharia que o afável e articulado Panagos foi, enquanto estudante, da juventude do partido de centro-direita Nova Democracia, que até 2015 partilhou, à vez, o poder com o PASOK. "Caracterizo-me como um liberal. Do ponto de vista político mas também económico. Sou a favor da economia de mercado." Um social democrata? Sorri: "Sim, mas ultimamente o termo caiu em desuso." Aliás, adianta, acha que várias medidas do memorando estavam corretas, que a sociedade e o Estado gregos precisam de alterações. Não é, pois, por radicalismo ou sentimentalismo que vai votar não. "É para mim a decisão lógica. Porque os gregos votaram numa mudança na economia e as instituições europeias estão a tentar forçar-nos a aceitar continuar no mesmo caminho que já provou ter resultados desastrosos e não permitir pagar a dívida - como aliás o relatório do FMI agora divulgado [e logo aproveitado por Tsipras] reconhece, ao dizer que a nossa dívida não é sustentável. O que de resto não é nenhuma novidade, já imensa gente diz isso há anos."
    Apesar de considerar a sua opção a mais racional, Panagos está, na família mais próxima, isolado na sua opção. A irmã, nutricionista, vai votar sim, e o pai, reformado de 68 anos, também. "Ele é muito conservador e tem medo de perder acesso aos medicamentos. E a minha irmã, que é bastante moderada, como eu, tem também medo do que pode suceder." Só sobre o sentido de voto da mãe, ex-decoradora que agora ajuda a irmã no consultório, tem dúvidas. "Ainda não lhe perguntei. Não quero ser muito intrusivo, respeito as opiniões dos outros." Mas Panagos, apesar de recusar ceder ao medo, admite que vá haver um corte (como sucedeu em Chipre há dois anos) nos depósitos, e que os bancos, ao contrário do que tem sido sustentado pelo governo, não deverão voltar a abrir as portas na terça-feira. "Acredito que vamos sofrer. Mas suspeito de que o governo fez provisão de comida e combustíveis."
    "Isto não é uma eleição normal"
    Um beco sem saída. É assim, com uma gargalhada desconcertante, que Christina Costea, 47 anos, cenógrafa, nascida e criada em Atenas, define a situação. "Li não sei onde isto: é uma espiral de morte." Ri de novo, sublinhando a incredulidade. "Tenho a certeza de que as instituições europeias não vão fazer-nos a vida fácil e que pode mesmo haver cortes nos depósitos e falta de bens, mas algo tinha de ser feito, este assunto tinha de ser resolvido. Todas as semanas a mesma conversa: se querem dinheiro têm de fazer isto e isto. Nunca chega, nunca resulta. Cinco anos disto, e querem mais? Para obter este resultado - dois milhões de desempregados, uma queda de 30% do PIB, cada vez mais dívida. É uma questão de senso comum, isto não pode continuar." E uma vitória do sim, crê Christina, conduzirá a mais austeridade, que por sua vez terá como resultado "aumentar os extremismos, com fenómenos como o Aurora Dourada, que cresceram imenso com a recessão."
    Certo é, porém, que ao contrário das suas promessas o Syriza admitiu já a continuação da austeridade; na verdade, o que estava (e estará?) a ser negociado era o grau da austeridade, não se se acabava com ela. Facto que, aliás, está a causar divisões dentro do próprio Syriza. O rosto de Christina, que costuma votar à esquerda mas até 2015 nunca tinha escolhido o partido de Tsipras, exprime a sua frustração. "Pois. Eles têm de resolver essa questão de base, para serem credíveis: chegar a acordo entre eles. Mas é tão difícil saber o que pensar. Tudo isto é tão confuso, temos informação tão contraditória o tempo todo, tudo sempre a mudar. Sinto-me bombardeada, não sei em que acreditar. Tento ficar serena, não entrar em pânico, concentrar-me no que se passou nestes cinco anos para fundamentar a minha decisão. E vejo pelos meus amigos que vão votar sim que não sabem bem explicar porquê."
    O que, acha Harris Christides, 32 anos, financeiro, CEO da empresa Accounting Intelligence, é natural: "Muita gente está preocupada com o que vai acontecer na segunda e na terça-feira. Isto não é uma eleição normal, muitas pessoas vão decidir no último momento." Harris, que em 2015 diz ter votado em branco ("Não acredito nos políticos que governaram o meu país nos últimos dez anos"), não desperdiçará a possibilidade de "no domingo expressar a minha opinião sobre as decisões que têm tomado sobre a Grécia sem me perguntarem nada." Num meio em que é pouco comum encontrar pessoas de esquerda - "Seria impossível por exemplo ser comunista, porque o meu trabalho é com capitalistas" -, Harris faz, afinal, em relação a este assunto aquilo que é o seu trabalho, ou seja, análise de risco. "Para mim é óbvio que a perspetiva da União Europeia não é correta, porque a dívida não para de aumentar. Estas decisões não são tecnicamente fundamentadas; são punitivas. Quero a Grécia na eurozona, mas não com estas medidas. Isto nunca vai funcionar."
    Exortando os gregos a dizer "um orgulhoso não a quem os aterroriza" e a celebrar a democracia, Tsipras frisará, no seu curto discurso numa Praça Syntagma à pinha (a polícia grega diz que estiveram lá 20 mil pessoas, um pouco mais que na concentração do sim, convocada para a mesma hora no estádio olímpico), que o referendo é sobre "ficar na Europa mas com dignidade". Poderia ter tomado de empréstimo a reflexão que Panagos, horas antes, tinha partilhado com o DN: "Talvez as pessoas que votam não sejam mais europeias que as que votam sim." Porque? "Dão mais valor aos assuntos europeus, pedem mais da Europa. Mais democracia, mais lógica nas decisões, um plano racional para a viabilidade da Europa. Porque se o euro continuar a beneficiar só a Alemanha, mais tarde ou mais cedo vai colapsar." Suspira. "Talvez Tsipras tenha subestimado a sua capacidade negocial. Mas se a Europa não mudar, se continuar tudo na mesma, então de facto talvez não seja produtivo permanecer na eurozona."
    copiado  http://www.dn.pt/inicio/globo/

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