As babás do Country. Ou o quanto as elites brasileiras continuam perversas Uma reportagem, hoje, no El País, ajuda a entender até que ponto as elites brasileiras rejeitam nosso povo. Trata da história de Gabriela (nome fictício), babá de duas crianças pequenas, que “não sabe como...
Uma reportagem, hoje, no El País, ajuda a entender até que ponto
as elites brasileiras rejeitam nosso povo. Trata da história de Gabriela
(nome fictício), babá de duas crianças pequenas, que “não sabe como...
As babás do Country. Ou o quanto as elites brasileiras continuam perversas
Uma reportagem, hoje, no El País, ajuda a entender até que ponto as elites brasileiras rejeitam nosso povo.
Trata da história de Gabriela (nome fictício), babá de duas crianças
pequenas, que “não sabe como explicar para elas que os pufes onde elas
sentam para assistir televisão” da sala de brinquedos do Country Clube
de Ipanema, no Rio de Janeiro não são para que ela se sente.
“O problema para mim não é sentar no
chão, não. Para mim é complicado porque as crianças costumam dormir no
meu colo enquanto assistem a TV. Aí, como eu não posso sentar, tenho que
fazê-las dormir antes em outro lugar, para depois colocá-las no pufe”.
O El País fez o que a imprensa brasileira não fez como
campanha, apenas como registro, quando Ancelmo Goes publicou que o clube
expulsou uma babá que usava um banheiro feminino.
E usava para a dar banho nas filhas de um dos sócio.
Uma sócia explica à repórter que não é preconceito, é que elas – que
limpam o cocô de seus dourados filhos, tão fedorento quanto o de
qualquer um – “sujam os banheiros”.
Lembro o quanto nos custou, no Governo Brizola, fazer passar uma lei
que permitia às empregadas domésticas o uso de elevadores “sociais”.
As belas e recatadas senhoras do Country podem ter tudo, menos humanidade.
Mas estão felizes. Agora esta gentalha vai voltar a seu lugar.
Leia a ótima reportagem de María Martín. É uma gravura de Debret, em pleno século 21.
Gabriela* é babá de duas crianças de três anos e ainda não sabe como
explicar para elas que os pufes onde elas sentam para assistir televisão
no clube privado mais exclusivo do Rio de Janeiro
não são para que ela se sente. As almofadonas coloridas da sala de
brinquedos não ostentam uma placa de proibição, mas as funcionárias
sabem e contam que as “normas invisíveis” que garantem a ordem no
Country Clube de Ipanema têm uma função fundamental: “manter cada um no
seu lugar”.
“O problema para mim não é sentar no chão, não. Para mim é complicado
porque as crianças costumam dormir no meu colo enquanto assistem a TV.
Aí, como eu não posso sentar, tenho que fazê-las dormir antes em outro
lugar, para depois colocá-las no pufe”, descreve Gabriela. Ela, que
nunca seria aceita entres os 850 nobres sócios do Country Clube pois nem
poderia pagar os 1.200 reais que custa a mensalidade, passa dias
inteiros no clube com os meninos há dois anos. Inclusive na última
quinta, feriado ensolarado, enquanto seus patrões ficaram em casa.
A rotina invisível das dezenas de babás que frequentam o Country Clube,
um lugar inspirado nas aristocráticas agremiações de cavaleiros da
Inglaterra, não importaria a ninguém não fosse a expulsão de uma delas
no sábado, dia 20, do banheiro local. A babá em questão estava ali
ajudando a dar banho nas três filhas (de 5, 7 e 10 anos) de um dos
sócios. O caso foi exposto na coluna de Ancelmo Gois, de O Globo,
e montou-se uma polêmica monumental. Enquanto o mundo do século XXI
discute a criação de banheiros para transexuais, no Rio do século XIX as
babás dos herdeiros dos sobrenomes mais nobres da cidade não podem se
misturar com suas patroas. É norma da casa, o banheiro é “exclusivo para
sócias, que deixam lá seus pertences”, justificou o clube.
Para elas, vestidas de branco de pés à cabeça, está o “banheiro das
crianças até 10 anos”, pois não há lugar específico para funcionários.
“Não temos muito tempo de estar indo ao banheiro, mas acaba que várias
babás, em uma emergência, usam banheiros restritos. Isso não deveria ser
um problema”, opina Gabriela. “Eu nunca fui impedida, mas sabemos que
não podemos e acabamos respeitando. Há até quem segura [a vontade de ir
ao banheiro]”. Alertado, o Ministério Público do Trabalho abriu uma
investigação para apurar se o clube pode ser acusado de discriminação.
Não é a primeira vez que as babás do Country Clube, onde a compra do
título de sócio depende de um estrito processo de seleção e o desembolso
de cerca 400.000 reais, se sentem discriminadas. “Essa história do
banheiro já vem há muito tempo, mas ninguém quis reclamar. A gente
trabalha, corremos atrás da criança, damos de comer, damos remédio,
brincamos, vestimos, lavamos, dormimos... É triste mas não temos tempo
nem de nos sentir ofendidas. Eu tenho conta para pagar”, relata a babá
que conversou com o EL PAÍS.
Gabriela tem 29 anos e dedica-se aos cuidados das crianças dos outros desde os 15 anos. Ela dorme no apartamento dos patrões
e costuma voltar para a sua casa, a duas horas de ônibus dali, de 15 em
15 dias, pois trabalha feriados e alguns finais de semana. Gabriela tem
uma filha de sete anos e um filho de três que, diante a ausência da
mãe, são criados pela avó. Ela recebe 1.200 reais assinados na sua
carteira, mais outros 1.800 que os chefes pagam por fora. Tem 13º
salário e férias. Ela gosta dos seus patrões, sente-se bem tratada, mas
reclama que muitos dos sócios do clube não dizem nem “bom dia”. “A gente
é invisível, sabe? A indiferença com a gente é enorme. A gratidão só
sentimos por parte das crianças”, lamenta. A mãe, a tia e a avó de
Gabriela, todas babás em famílias ricas, a alertaram depois do episódio
do banheiro: "Já foi bem pior. Hoje está ótimo". “As babás são nossas amigas.
A mesma babá que cuidou do meu filho cuida hoje do meu neto”, diz uma
veterana sócia do clube que não quer se identificar. “Mas aqui deve ter
uma ordem”. Essa ordem parece ser quebrada quando algumas babás fazem
“coisas absurdas”. Entre elas, não dar descarga depois de fazer xixi,
deixar a tampa do vaso aberta ou dar um grito ao perder a paciência com
as crianças. Outras, inclusive, relata a senhora, pedem “a melhor
comida” dizendo que é para os meninos, mas são elas que acabam comendo.
“A proibição de entrar no banheiro não é para humilhar, é pela ordem
para que não vire uma bagunça. Algumas babás não têm educação”, explica a
sócia.
Gabriela retruca: “Tá sujo? Olha, eu não estou justificando, mas
entre dar uma descarga e ver as crianças correrem e ter que sair às
pressas para pegar elas, eu prefiro sair às pressas”. “Se esse for o
problema por que ao invés de colocar placas no banheiro dizendo que a
babá não pode entrar, não colocam outra placa para dar descarga?,
questiona”.
O tom combativo, mas resignado de Gabriela, quebra-se de vez no final
da conversa, quando questionada sobre o tempo que ela passa com seus
filhos, longe das piscinas e das quadras de tênis. Ela chora. “Perdi o
aniversário do meu filho. Era o dia das mães, e eu estava aqui no clube.
Trabalhando”.
copiado http://brasil.elpais.com/brasil/
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