Medo resiste Traficantes determinam rotina de quem vive em aglomerado da Serra Quatro meses após ocupação da PM e prisões no morro, reportagem de O TEMPO foi ameaçada; moradores dizem que precisam obedecer bandidos até para circular e parar carros

“É reportagem? Está filmando? Filma não, mas coloca aí: aqui quem manda é nóis”. Ainda adolescente e com a postura de uma autoridade, o jovem traficante de 15 anos dava o recado que até poderia parecer uma história infundada, mas não era. Quatro meses se passaram desde que a Polícia Militar ocupou o aglomerado da Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, após uma guerra entre as gangues que tomam conta do morro. E o ambiente que, de longe, aparentava tranquilidade – após prisões de traficantes e apreensões de armas e drogas –, se mostrou outro presencialmente.

Seja em pontos estratégicos ou em becos apertados, a presença de membros de diferentes facções do aglomerado é constante. Com rádios comunicadores, drogas e armas nas mãos, eles ditam as regras e comandam o local. E a “lei do tráfico” não vale apenas para estranhos que tentam ir ao morro, mas, principalmente, para os moradores. A reportagem de O TEMPO visitou a comunidade durante três dias da semana retrasada e, algumas vezes sob a ameaça de armas, pôde experimentar um pouco da rotina de quem vive no aglomerado.

Em um clima tenso, quem é de fora só não é incomodado se for ao local para comprar drogas ou se estiver na companhia de algum morador da comunidade. Tirando isso, não faltam desconfiança e questionamentos. “São da polícia? O que estão fazendo aqui? Procurando o quê?”, perguntou outro jovem traficante enquanto fazia gestos e balançava uma arma, no momento em que a reportagem tentava andar pela rua Bandonion. Rua, aliás, que, assim como a Flor de Maio e a Nossa Senhora de Fátima, possuem algumas regras específicas.

“A gente não pode estacionar carro ali. É proibido por eles (os traficantes). A justificativa é que atrapalha a visão de quem está chegando ou saindo do aglomerado. Pois, se vier polícia, eles terão tempo de sair e avisar os outros. Para se ter uma ideia. Dependendo da hora, é proibido até mesmo ficar conversando ali. E vai desobedecer para você ver”, contou uma moradora de 67 anos, que pediu para não ser identificada.

Residente no aglomerado da Serra há mais de 40 anos, ela já vivenciou guerras e momentos de tensão entre os traficantes da região. Na última, em janeiro deste ano, a mulher foi apenas mais uma das centenas de pessoas obrigadas a mudarem seus hábitos diante da proibição de circulação imposta pelos traficantes entre as diferentes regiões da favela. “Minha igreja é do outro lado da Serra, e não pude ir mais ao culto ou então iria levar bala. Hoje, já até posso ir. A situação está melhor, mas quem disse que me arrisco a sair de casa durante a noite”, diz.

Outra situação comum no aglomerado é a chamada “ética da criminalidade”. Roubos, furtos e dívidas com o tráfico são expressamente proibidos no morro. E as punições para quem desobedecer vão de agressões até a morte. “Costumo brincar que morar aqui no morro é uma beleza. Pois não tem assalto. A gente ri disso. Mas é um riso amarelo, pois sabemos que, morando aqui, estamos sujeitos às ordens de um mundo paralelo”, disse um comerciante de 46 anos.

“Crianças”. As facções criminosas podem até ser comandadas por adultos. Mas quem fica na linha de frente do tráfico na Serra, observando e articulando nos principais becos da localidade, são normalmente jovens, que aparentemente possuem idades entre 13 e 21 anos. Muitos deles chegaram a estudar na Escola Municipal Professor Edson Pizani, que fica no aglomerado.

“É triste você ver que outro dia eles eram apenas meninos, com mil sonhos. Hoje, após terem abandonado a escola sem ter concluído nem o ensino fundamental, se consideram homens, capazes de tudo para sobreviver neste mundo”, lamentou uma professora que trabalha na unidade há 12 anos.
Relembre
Confronto. Durante a última guerra entre os traficantes do aglomerado da Serra, em janeiro, escolas e postos de saúde ficaram fechados, e linhas de ônibus foram alteradas. Os conflitos se intensificaram após um desentendimento entre líderes de facções diferentes. Um deles teria levado a namorada em casa, invadindo o terreno inimigo, o que teria sido o estopim para os confrontos.
Ameaça é feita por meio de pichação
Os moradores do aglomerado da Serra dizem que, além de serem obrigados a seguir as leis do tráfico, são frequentes as ameaças de integrantes das facções. Na semana retrasada, várias casas da região da Vila Marçola foram pichadas com os dizeres: “Vivos somos esquecidos. Mortos somos lembrados”, assinado pela Organização Terrorista Araras (OTA). A intenção, conta quem vive no morro, é deixar claro que a lei do silêncio deve ser total em toda a região.

“É um aviso para que ninguém se atreva a denunciá-los. Porque, se eles forem presos ou mortos, os inimigos e quem fez a denúncia vão receber as consequências. Então, quem não quer se arriscar vive como se nada estivesse acontecendo”, contou um morador.

As ameaças, em especial as do OTA, teriam ficado mais frequentes desde a prisão de membros da Organização Terrorista Sacramento (OTS), feita pela Polícia Civil no início deste mês. (JC)
Prisão
Operação. As prisões dos membros da OTS foram resultado da operação Piracema, da Polícia Civil Entre os presos está Wender Wesley Ferreira de Oliveira, 26, apontado como o líder do bando. A OTS está envolvida, segundo a polícia, em pelo menos cinco homicídios. Outros cinco suspeitos estão presos, e três, foragidos.

Gangues. Além da OTS, atuariam no morro a Organização Terrorista Araras e as gangues da Igrejinha, Aldeia e Bandonion. Elas se dividem no tráfico de drogas. No momento, segundo PM e moradores, não há conflitos.

 
  copiado  http://www.otempo.com.br

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