'7 magníficos' portugueses entre os 144 embaixadores
Quatro dos embaixadores lusos do Serviço Europeu para a Ação Externa representam a União junto de países lusófonos
'Sete magníficos' portugueses entre os 144 embaixadores de Bruxelas
Raul
Mateus Paula é embaixador da UE no Níger, o país mais pobre do mundo e
por onde passam milhares de migrantes em direção à Europa
| DR
Quatro dos embaixadores lusos do Serviço Europeu para a Ação Externa representam a União junto de países lusófonos
São
sete portugueses pouco conhecidos que passaram pelo crivo apertado dos
concursos multinacionais de seleção. Alguns chefiam delegações da UE há
anos e o mais recente no serviço diplomático europeu está há quatro
meses no cargo. Mas, pelo número, representam um peso superior ao que
Portugal tem entre os 28 Estados membros da UE.
"Significa
que são mais ou menos 5%" dos 144 chefes das delegações europeias junto
de países terceiros fora da UE e de organizações internacionais, "o que
é muito mais do que a quota a que Portugal tem direito", sublinha o
embaixador António Martins da Cruz, ex-ministro dos Negócios
Estrangeiros.
Outro embaixador e antigo
secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Francisco Seixas da Costa,
vê esse facto como "uma consagração da expressão diplomática do país" -
potenciada pelo facto de "estarem em postos importantes para nós", como
são o Brasil, Cabo Verde, Timor-Leste e Guiné-Bissau.
Além
desses quatro países lusófonos, há portugueses como embaixadores da UE
junto das Nações Unidas, do Níger e da Colômbia (que o DN não conseguiu
contactar). Dos sete, quatro são funcionários europeus, dois são da
carreira diplomática portuguesa e um não é nem uma coisa nem outra.
Membros
do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), a funcionar desde 2010 e
dirigido pela italiana Federica Mogherini, Alta Representante da UE
para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, os "sete
magníficos" portugueses em funções como embaixadores (título nascido com
o Tratado de Lisboa) lideram, por comparação com os nacionais, equipas
maiores, gerem orçamentos de milhões e têm responsabilidades acrescidas -
pois as suas prioridades passam pela gestão de crises, direitos
humanos, ajuda ao desenvolvimento, alterações climáticas, pescas,
comércio...
Esses diplomatas
"representam a totalidade dos Estados Membros" e a Comissão, diz Martins
da Cruz. Mas, sem existir "benefício direto para Portugal", desde que
haja boas relações com os embaixadores de Lisboa "haverá vantagens
mútuas, troca de informações, coordenação de ações de cooperação...",
conclui.
Victor Madeira dos Santos,
embaixador da UE em Bissau, diz que haver sete portugueses nessas
funções constitui "um inegável elemento de prestígio para Portugal e o
reconhecimento da qualidade e aptidões dos seus diplomatas e
funcionários que servem nas instituições europeias".
Seixas
da Costa regista o reverso da medalha: "Se os melhores ou os mais
qualificados" em Portugal "são levados para estruturas internacionais", o
reconhecimento profissional daí decorrente "acaba por ser debilitante"
para Lisboa devido à "escassez de recursos" humanos.
A
verdade é que os diplomatas de carreira - que já são 50% do total de
embaixadores da UE - oferecem-se para servir a bandeira azul com um
círculo de 12 estrelas douradas, num máximo de 10 anos. Quanto ao seu
regresso a Lisboa, Seixas da Costa interroga-se: "Não sei se a carreira
diplomática reconhece da forma que devia a experiência adquirida" em
cargos internacionais.
Timor-Leste. Retomar o primeiro dossier da carreira
Alexandre
Leitão é o mais recente português a ganhar um concurso para chefe de
delegação da UE. Diplomata de carreira, chegou há quatro meses a
Timor-Leste e o seu quotidiano "não é diferente do que tinha em funções
anteriores", como representante de Portugal em Dakar, Bruxelas ou
Benguela (Angola) - desde logo na carga de trabalho. Uma explicação é
imediata: Portugal é o único dos 28 Estados membros com embaixada em
Díli. Acresce que, nesse primeiro cargo europeu como embaixador, sente o
peso de três "chapéus": é responsável pelos programas de cooperação,
pela gestão administrativa e financeira da missão, por exercer as "novas
e crescentes responsabilidades de diplomacia clássica, pública e
económica confiadas ao Serviço Europeu de Ação Externa" pelo Tratado de
Lisboa (2007). "O que mudou foi a adaptação a sistemas e aplicações de
gestão e comunicação diferentes, bem como a responsabilidade de gestão
de verbas importantes", na casa dos 25 milhões de euros. Quanto a ser
português, Alexandre Leitão ouviu no início do concurso que podia ser um
inconveniente - "alegadamente por Portugal já ter uma proporção
razoável de chefes de delegação e porque nem sempre seria bem vista a
colocação de nacionais de antigos países colonizadores nas ex-colónias",
recorda. A verdade é que acabou por lhe dar uma vantagem competitiva: o
profundo conhecimento do dossier timorense, que a generalidade dos
diplomatas portugueses "têm quase por inerência", foi "reforçado pelo
facto de ter começado a minha carreira no então gabinete de Assuntos
Políticos Especiais de Timor-Leste", reconhece.
Níger. Quotidiano dominado pelas questões migratórias
Raul
Mateus Paula está no país mais pobre do mundo, numa zona muito instável
de África a que a UE dedica grande atenção. A prioridade "é a
segurança, a luta contra o terrorismo, a questão das migrações, que se
tornou estratégica" para a UE porque, entre outras razões, "80% dos
[milhares de] migrantes que chegam a Lampedusa [Itália] passam pelo
Níger", lembra o diplomata europeu. Tendo fronteiras com o Mali, a
Nigéria e a Líbia, entre outros países, o Níger "é um país que realmente
precisa de ajuda, é o que mais beneficia da ajuda da UE no quadro do
fundo de desenvolvimento" com um envelope de 600 milhões de euros que na
sua "maior parte constitui ajuda direta ao orçamento de Estado".
Natural de Benguela (Angola), estudante em universidades francesas e
ex-embaixador noutro país francófono (Camarões), Mateus Paula esteve há
dias na zona de Agadez - um antigo centro turístico e ponto central do
rali Paris-Dacar - para "ter discussões diretas com as autoridades
regionais e locais sobre a questão das migrações, o impacto das medidas
de segurança que o Níger já tomou para cortar as rotas de migração, os
projetos de desenvolvimento para dar alternativas aos jovens" e que
Bruxelas apoia com mais 150 milhões de euros. Ainda importante é a
missão civil de defesa e segurança europeia que "apoia o governo na
segurança, judiciarização, direitos humanos, segurança...", frisa Raul
Mateus Paula.
ONU. Representar a UE "nas duas capitais do mundo"
João
Vale de Almeida foi o primeiro europeu nomeado com o título de
embaixador da UE, em 2010. Os portugueses (e outros) que já eram chefes
de delegação adotaram-no de forma automática. Prestes a celebrar três
décadas e meia como funcionário europeu, Vale de Almeida foi embaixador
da UE "nas duas capitais do mundo" nos últimos sete anos: primeiro junto
da Casa Branca, em Washington, há ano e meio na sede da ONU em Nova
Iorque. "A minha primeira preocupação, quando faço a barba de manhã, é
conseguir que os 28 Estados membros tenham posições comuns e por essa
via reforcem a sua influência no sistema das Nações Unidas", assegura o
ex-chefe de gabinete do presidente da Comissão (Durão Barroso). Esse
objetivo de "criar condições para que os 28 falem a uma só voz, em
vários sotaques mas com a mesma mensagem", envolve reuniões semanais com
os homólogos dessas capitais. João Vale de Almeida sublinha que
"situações de confronto ou divergência não se colocam" com os pares
desses países. "Pode haver uma negociação complexa ou complicada mas ao
falar em público está pressuposto que tenho o acordo dos 28, a menos que
seja sobre áreas da competência exclusiva da UE", explica. Intervindo
em nome da UE no Conselho de Segurança, na Assembleia Geral e nas várias
comissões, Vale de Almeida tem agora um motivo adicional de
contentamento (pessoal e profissional) por ver concretizado um dos seus
"objetivos secretos": assistir a que "um cidadão europeu fosse nomeado
secretário-geral" das Nações Unidas - e saber que "também seria um
cidadão português [António Guterres] deixa-me duplamente satisfeito".
Brasil. Embaixador em "superestrelas do futuro"
João
Gomes Cravinho é a exceção entre os embaixadores portugueses da UE: não
é diplomata de carreira nem funcionário comunitário. No seu segundo
posto como chefe de delegação europeu, sucedendo à também portuguesa Ana
Paula Zacarias (em funções na Colômbia e que o DN não conseguiu
contactar), o ex-secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da
Cooperação (2005/2011) concorreu em 2010 por já estar "convencido que
queria fazer outra coisa" - e porque a vaga era para a Índia, onde
esteve com 18 anos, a trabalhar numa organização não governamental. Em
2015, também por concurso, chegou à capital do maior país lusófono e
outro dos quatro BRIC (com Rússia e China). "É uma experiência
profundamente enriquecedora representar a UE em dois BRIC, países
emergentes [...] que serão duas superestrelas do século XXI", diz. No
Brasil "sou tratado como semi-estrangeiro e não um estrangeiro completo,
caso fosse de outra nacionalidade. Abrem-se portas", realça. No dia a
dia "trato de matérias políticas, da cooperação nas área da educação,
ciência, clima ou meio ambiente, da promoção de interesses empresariais
em São Paulo... é extremamente variado o relacionamento que a UE tem com
o Brasil, obriga a estudar novos assuntos e a identificar novas
oportunidades. Outro aspeto é o da coordenação dos Estados membros:
temos 24 aqui representados, havendo reuniões mensais com todos e o
resultado disso é uma rede muito intensa de interrelacionamentos e
energias." Dificuldades nessa coordenação? "A minha primeira obrigação é
de fazer com que o rebanho fique unido [e] nunca tive nenhuma situação
em que sentisse que o interesse português não era compatível com o
interesse comum europeu".
Guiné-Bissau. No primeiro posto como embaixador
Victor
Madeira dos Santos comemora este ano três décadas ao serviço da UE no
seu primeiro posto como embaixador de Bruxelas. Advogado de formação,
que foi nº 2 nas delegações europeias junto do Afeganistão e do Senegal,
Madeira dos Santos lidera em Bissau uma equipa de 32 funcionários que
"ocupam a maior parte do dia com múltiplas reuniões de trabalho" com os
responsáveis guineenses e das quatro organizações internacionais, que
formam com a UE o chamado "P5": a União Africana, ONU, CPLP e a
Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). As
prioridades da UE em matéria de pescas, comércio e ajuda ao
desenvolvimento são os temas dominantes, mas "a complexa situação
interna do país obriga também a um seguimento contínuo das questões
políticas", refere o diplomata. "Ainda conto ficar mais algum tempo em
Bissau", adianta o jurista de 60 anos, que ali está desde janeiro de
2015. Com três Estados membros - Portugal, Espanha e França - ali
representados ao nível de embaixador, Victor Madeira dos Santos assume
que tem tido o trabalho facilitado: "Temos leituras muito aproximadas da
situação política e dos interesses europeus em África e nesta região."
Este funcionário europeu assume ainda o orgulho por "sete portugueses
terem alcançado o topo da carreira num universo" de quase 150 delegações
da UE - pois "convém realçar que todas as nomeações são feitas após
concurso, com prestações de provas muito competitivas dada a crescente
afluência de candidatos altamente qualificados".
Cabo Verde. O único só com carreira no serviço externo
José
Manuel Pinto Teixeira é o único português a fazer toda a carreira como
funcionário europeu nos serviços externos da UE. A chefiar delegações
europeias desde 1998, numa altura em que a representação de Bruxelas
"era bicéfala" devido às presidências rotativas da União, o agora
embaixador da UE em Cabo Verde passou a acumular as funções de
coordenador dos diplomatas dos Estados membros com a entrada em vigor do
Tratado de Lisboa. Fluente em inglês, francês, espanhol, italiano e
russo - além de ser ainda "razoável" no uso do holandês, norueguês,
macedónio e africaner -, Pinto Teixeira está no único dos países ACP
(África, Caraíbas e Pacífico) com quem a UE tem "uma parceria especial"
devido às "muitas afinidades" com os 28. A cooperação para o
desenvolvimento "ainda tem importância relativa", mas a partilha de
princípios democráticos comuns alarga a sua ação - com viagens
frequentes entre as 10 ilhas do arquipélago lusófono - às questões
normativas, migrações, segurança, acordos de pesca e comércio. Natural
de Moçambique, Pinto Teixeira diz que ser português num país com quem
Lisboa tem relações bilaterais importantes e históricas o leva a "gerir
essa situação com mais tato e mais necessidade de marcar a diferença"
porque representa Bruxelas. "O desafio é encontrar posições comuns", o
que está facilitado por isso envolver apenas representantes de quatro
Estados membros. O diplomata destaca no entanto que Portugal, em países
onde não está presente ou não tem relações especiais, "ganha
visibilidade" quando a UE está representada por um português.
copiado http://www.dn.pt/portugal/

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