Análise: Não há inocentes na conversa entre Temer e o dono da JBS


Análise: Não há inocentes na conversa entre Temer e o dono da JBS




BRASÍLIA - A operação desencadeada a partir da delação dos executivos da JBS reforçou a forma como as portas do poder eram escancaradas para interesses promíscuos e mostrou que elas continuavam abertas mesmo diante de tudo já revelado pela Lava-Jato. A gravação feita pelo empresário Joesley Batista da conversa dele com o presidente Michel Temer, na calada da noite, prova que o processo de saneamento precisará de vigilância constante. As discussões em torno da integridade da gravação podem servir no campo jurídico, mas a grande revelação não está propriamente em um trecho ou outro da conversa e sim no seu conjunto, tanto de circunstâncias como de conteúdo.


Pode-se buscar o álibi de que era uma "audiência" informal entre um megaempresário e o presidente da República. Seria um encontro autoexplicativo pela relevância dos personagens envolvidos. O problema é que a gravação deixa claro que em nenhum momento a conversa tratou, mesmo que perifericamente, de algum tema relacionado ao que legitimaria o diálogo entre os dois. Não se fala de nenhum investimento, não se discute a questão do emprego ou exportações e são ignorados temas importantes da agenda econômica, como as reformas, que seriam relevantes tanto para o presidente como para um megaempresário.
Joesley preparou uma armadilha e o presidente Temer caiu. Não há inocentes nessa conversa. Ali, quem falou sabia o que estava falando, para quem estava falando e porque estava falando. Joesley não queria Justiça, queria arrumar um cúmplice e conseguiu. Para o presidente, político experiente e profundo conhecedor das normas legais, o tom de informalismo que tenta dar ao encontro não combina com a imagem que construiu de homem público cioso dos protocolos de postura. Ali, na conversa, ficam expostos os "usos e costumes" que comandam a política e alguns empresários.
Toda a conversa é permeada de insinuações diretas e indiretas de promiscuidade entre o público e o privado. São tratados como estratégicos postos dentro da burocracia governamental tratados como num balcão de comércio. Até mesmo no momento em que Joesley faz um comentário aparentemente despretensioso sobre a economia, falando que os juros precisam baixar rapidamente, existe a sentença oculta de que estaria buscando informação privilegiada. Aliás, diante das suspeitas cada vez mais consistentes de que o empresário usou a própria delação para alavancar operações no mercado financeiro, o comentário sobre juros se apresenta muito mais como uma sondagem do que como uma preocupação.
Diante da estratégia ardilosa do empresário, os termos do acordo que firmou com o Ministério Público passam a ser altamente questionáveis. A ideia de que pôs a vida em risco com a gravação fica frágil. Ele fez o que fez movido pelo interesse de salvar a própria pele. Como diz um investigador, qualquer animal quando se sente acuado, ataca. É fato que o empresário deu uma contribuição inédita para as investigações. O questionamento é se dar salvo conduto ao criminoso para usufruir da imensa riqueza que obteve graças aos crimes que praticou e o deixar liberado para operar em todas as atividades onde delinquiu não significa que, para Joesley, o crime compensou .
O quadro que se apresenta é que o país vem sendo comandado sucessivamente por uma parceria público/privada com um grau de contaminação que dá a sensação de que não sobra ninguém. É incrível como as práticas se repetem e as narrativas para tentar negar os fatos também se mostram semelhantes.
Mais uma vez o cerco se fecha sobre um governo onde todo o entorno presidencial vai sendo envolvido e a figura central, o presidente, busca lavar as mãos com a alegação de que seus assessores e assistentes agiam por conta própria e à revelia do chefe. O ex-presidente Lula inaugurou o "eu não sabia" no Mensalão. Os dois maiores esquemas de corrupção do país prosperaram por seus dois governos e envolveram todo o staff do partido dele, o PT, e da equipe presidencial. Mas, o próprio vivia alheio a tudo isso.
Na sequência, veio o governo da ex-presidente Dilma. Os esquemas ganharam escala, personagens antigos continuaram dando as cartas dentro do governo e novos foram incluídos abrindo mais frentes para que o jogo da corrupção continuasse ativo. A presidente mais uma vez não sabia de nada. Era uma ilha cercada de corruptos por todos os lados. O mesmo discurso é apresentado agora a cada novo auxiliar do presidente Michel Temer que cai na rede da Lava-Jato.
Tentar criar no subconsciente a ideia de que os fins justificam os meios não funciona mais. Querer barganhar desvios com avanços é buscar uma negociação voltada para padrões que deixaram de ser tolerados. Os discursos de Lula, Dilma e Temer encontram pelo menos um ponto de convergência. Os três parecem ter sido acometidos de um mal que no meio jurídico se convencionou chamar de cegueira deliberada.
copiado https://extra.globo.com/

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