OPINIÃO
Europa: o fim das ilusões?
A Europa corre o risco de se enclausurar cada vez mais nos seus espaços nacionais e recusar uma soberania transnacional.
Hoje é dia de votar em Portugal e o chamado período de reflexão obriga-me ao silêncio. A verdade, porém, é que há coisas mais importantes e decisivas em jogo, neste momento, para os europeus que também somos, depois da tempestade política provocada pelas eleições alemães de domingo passado ou da incerteza altamente preocupante sobre o desfecho do referendo deste domingo na Catalunha (quer se realize, quer não). Este cruzamento de situações, cada qual com a sua expressão própria, faz pesar nuvens sombrias sobre a estabilidade social e política da Europa. Além disso, pode dizer-se que seria difícil prever um resultado pior para a Europa – e para a refundação necessária do projecto europeu – do que aquele que saiu das urnas na Alemanha.
Os verdadeiros vencedores das eleições, os antigos liberais-europeístas, hoje eurocépticos, do FDP e os extremistas xenófobos da AfD, representam precisamente a negação dessa nova esperança europeia que, ainda esta semana, Emmanuel Macron voltou a defender, com vibrante convicção, no seu discurso da Sorbonne. Mas o voluntarismo francês aparece cruelmente desfasado da nova realidade política alemã e o sonho de Macron estará porventura condenado a não passar disso mesmo, apesar de ser uma última alternativa credível para o renascimento europeu.
Acossada à direita – fora e dentro do seu partido –, Angela Merkel terá, por outro lado, de se coligar com o FDP e com os Verdes, único cenário maioritário possível para formar governo (o que ainda está em suspenso devido às declaradas incompatibilidades entre estes dois partidos). Para além da conhecida ambiguidade das suas posições no terreno europeu, Merkel encontra-se hoje extremamente fragilizada para poder escolher um rumo convergente com aquele proposto por Macron.
Mas se o resultado das eleições alemães constituiu uma surpresa e um choque, tendo até em conta os resultados das sondagens (quem se lembra da antevisão de uma provável vitória do SPD de Martin Schulz, que acabou por sofrer o pior desaire da sua história?), a verdade é que não diverge da tendência estrutural observada recentemente em vários países europeus. A erosão (ou até implosão) dos partidos de governo, devido à diluição da sua identidade ideológica e programática, como aconteceu com os socialistas e sociais-democratas, teve como contraponto a emergência das forças eurocépticas, nacionalistas e populistas. E mesmo quando elas não conseguiram impor-se nas urnas, essa tendência manteve-se activa, tendo como pano de fundo a insegurança económica e a crise migratória. A reacção ao trumpismo ou ao Brexit suscitou fenómenos contraditórios mas não apagou a persistência desse movimento. Entre a abertura e o fechamento, este tem vindo a prosperar e o seu efeito mais dramático pôde ser constatado, precisamente, nas eleições alemãs.
Quer isto dizer que a Europa corre o risco de se enclausurar cada vez mais nos seus espaços nacionais e recusar uma soberania transnacional, única via de posicionar-se face a um mundo de superpotências isolacionistas, belicistas e economicamente agressivas? Mesmo para quem recuse os cenários fatalistas, essa hipótese parece hoje perigosamente próxima – e começa a faltar espaço e vigor para remar contra a maré das correntes chauvinistas que atraem o ressentimento de populações com medo do futuro, como foi agora patente na expressão eleitoral vitoriosa dos extremistas da AfD nos territórios da antiga Alemanha de Leste (uma espécie de réplica da Polónia e Hungria). Enfrentamos tempos em que o optimismo da vontade talvez não seja suficiente para se contrapor ao pessimismo da razão.
copiado http://publico.uol.com.br/
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