55 ANOS DA DITADURA Planalto distribui vídeo em defesa do golpe militar de 1964 Comemorar 64 é provocação, dizem manifestantes Ato em Brasília lembra vítimas do pau de arara

Evaristo Sa/AFP

PLANALTO DISTRIBUI VÍDEO EM DEFESA DO GOLPE MILITAR DE 1964

Planalto distribui vídeo em defesa do golpe militar de 1964
55 ANOS DA DITADURA

Planalto distribui vídeo em defesa do golpe militar de 1964

Planalto distribui vídeo em defesa do golpe militar de 1964


Luci Ribeiro
Brasília
31/03/2019 14h28
O Palácio do Planalto distribuiu neste domingo, 31, um vídeo que faz uma defesa do golpe militar de 1964. O material descreve os acontecimentos do dia 31 de março de maneira semelhante à forma como o presidente Jair Bolsonaroe alguns ministros tratam do assunto. Para eles, a derrubada de João Goulart do poder, que marcou o início do período de 21 anos de ditadura militar no Brasil, foi um movimento para conter o avanço do comunismo no País.
"O Exército nos salvou. O Exército nos salvou. Não há como negar. E tudo isso aconteceu num dia comum de hoje, um 31 de março. Não dá para mudar a história", diz o apresentador do vídeo. Hoje, o golpe completa 55 anos.
A peça, que tem pouco menos de dois minutos e não traz a indicação de quem seria seu autor, foi distribuída por um número oficial de WhatsApp do Planalto, usado pela Secretaria de Comunicação da Presidência para o envio de mensagens de utilidade pública, notícias e serviços do governo federal. Para receber os conteúdos, os jornalistas precisam ser cadastrados no sistema.
A assessoria de imprensa do Planalto foi procurada e, como resposta, disse que o Planalto não irá se pronunciar. A equipe também confirmou que o canal usado para disparar o vídeo é mesmo oficial. "Sobre o vídeo a respeito do dia 31 de março, ele foi divulgado por meio de nosso canal oficial do governo federal no WhatsApp. O Palácio do Planalto não irá se pronunciar". r".

O mesmo vídeo foi compartilhado hoje mais cedo no Twitter pelo deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). "Num dia como o de hoje o Brasil foi liberto. Obrigado militares de 64! Duvida? Pergunte aos seus pais ou avós que viveram aquela época como foi?", diz Eduardo no post que anuncia o vídeo.
Um dos trechos do material afirma que "era, sim, um tempo de medo e ameaças, ameaças daquilo que os comunistas faziam onde era imposto sem exceção, prendiam e matavam seus próprios compatriotas" e "que havia, sim, muito medo no ar, greve nas fábricas, insegurança em todos os lugares".
Diante disso, conta o apresentador, o Exército foi "conclamado" pelo povo e precisou agir. "Foi aí que, conclamado por jornais, rádios, TVs e, principalmente, pelo povo na rua, povo de verdade, pais, mães, igreja que o Brasil lembrou que possuía um Exército Nacional e apelou a ele. Foi só aí que a escuridão, graças a Deus, foi passando, passando, e fez-se a luz".
O apresentador convida as pessoas a conhecer essa verdade buscando mais detalhes e depoimentos nos jornais, revistas e filmes da época. Na parte final, o vídeo é concluído sob o Hino Nacional, e um outro narrador, agora apenas com voz e sem imagem, diz: "O Exército não quer palmas nem homenagens. O Exército apenas cumpriu o seu papel".
Celebrações
No sábado, a Justiça Federal cassou liminar que proibia o governo de promover os eventos alusivos ao golpe de 1964. A decisão foi da desembargadora de plantão no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Maria do Carmo Cardoso. Apesar de "reconhecer a sensibilidade do tema em análise", ela decidiu que a recomendação do presidente Bolsonaro para comemorar a data se insere no âmbito do poder administrador.
"Não visualizo, de outra parte, violação ao princípio da legalidade, tampouco violação a direitos humanos, mormente se considerado o fato de que houve manifestações similares nas unidades militares nos anos anteriores, sem nenhum reflexo negativo na coletividade", escreveu a magistrada.
A liminar havia sido concedida na noite de sexta-feira, 29, pela juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara da Justiça Federal em Brasília, atendendo a um pedido da Defensoria Pública da União. A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu ainda na sexta e, na manhã de sábado, saiu a sentença da desembargadora.
Antecipando-se à data, o Exército realizou na semana passada no Comando Militar do Planalto, em Brasília, cerimônia para relembrar o 31 de março. Na solenidade, em que esteve presente o comandante da Força, general Edson Leal Pujol, o episódio foi tratado como "movimento cívico-militar". Os oito comandos do Exército também já realizaram semana passada cerimônias alusivas ao 31 de março.
Conforme revelou o Estadão, Bolsonaro orientou os quartéis a celebrarem a data histórica, que havia sido retirada do calendário de comemorações das Forças Armadas desde 2011, no governo de Dilma Rousseff. A determinação de Bolsonaro foi para que na data as unidades militares fizessem "as comemorações devidas".

Uma manifestação na manhã de hoje em Brasília marcou o repúdio ao golpe de 1964. O ato foi uma reação à proposta do presidente Jair Bolsonaro (PSL)de que o aniversário do golpe fosse comemorado.
Posteriormente, Bolsonaro recuou e disse que havia proposto apenas "rememorar" os fatos que levaram à ditadura que se estendeu no país por 21 anos.
Os manifestantes levaram flores e fotografias de vítimas da ditadura. Gritos de "ditadura nunca mais" e "fora, Bolsonaro" marcaram a passeata que percorreu um trecho da pista do Eixo Rodoviário de Brasília, fechado para automóveis aos domingos.
Os organizadores calcularam em cerca de 600 pessoas o público que compareceu ao ato. Policiais militares que acompanharam a manifestação disseram estimar o público em 400 a 500 pessoas. A SSP-DF (Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal) não divulgou uma estimativa oficial de quantas pessoas foram ao protesto.
Hoje, é esperada a realização de atos semelhantes em outras cidades do país, como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.
O golpe militar de 1964 foi deflagrado em 31 de março daquele ano e deu início a um período de exceção marcado por censura, torturas a adversários políticos, cassação de direitos e fechamento do Congresso Nacional.
A ditadura, que se estendeu até 1985, foi marcada por um período sem eleições diretas para presidente da República, o que só foi retomado em 1989, após a Constituição Federal de 1988.
Para o diretor da CUT (Central Única dos Trabalhadores) Yuri Soares, a ideia de celebrar o golpe de 64 soa como uma "provocação" àqueles que perderam direitos ou até mesmo a vida no período.
"O presidente vem com essa provocação, e para nós é importante relembrar esse período para que ele nunca mais aconteça", diz. "Num momento em que o presidente não sabe governar o Brasil de 2019, ele fica se remetendo a um dos piores períodos da história do país", afirma o sindicalista.
Carregando uma flor branca e a fotografia de um tio morto pela ditadura, a professora aposentada Jodete Amorim, 75 anos, afirma considerar "surreal" a ideia de comemorar o golpe e o fato de Bolsonaro ter sido eleito com um discurso favorável ao regime militar que governou o país.
"Quando a gente tem um presidente que quer comemorar a ditadura, se a gente não se mexer [para protestar]", diz. "É surreal imaginar que 50 milhões de brasileiros votaram numa figura dessa", afirma a professora.
Nas eleições de 2018 Bolsonaro foi eleito no segundo turno com 57 milhões de votos, o que representou 55% dos votos válidos. Seu adversário, Fernando Haddad (PT), teve 47 milhões de votos (44%).
A manifestação em Brasília foi organizada por partidos e entidades como a CUT, o PT, PCdoB, PSOL, PSB, PDT, Frente Brasil Popular e CMP (Central de Movimentos Populares).
No ato também trouxe cartazes e gritos de "Lula, livre", numa crítica à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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