Governo: modo de usar Como "nova política" de Bolsonaro rejeita articulação entre Poderes e ameaça paralisar reforma da Previdência

Sergio Lima/AFP

Governo: modo de usar

Como "nova política" de Bolsonaro rejeita articulação entre Poderes e ameaça paralisar reforma da Previdência



GUILHERME MAZIEIRO E MIRTHYANI BEZERRADO UOL, EM BRASÍLIA E EM SÃO PAULO
Duelo entre Poderes... 
"Eu já fiz a minha parte." A frase dita pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) em resposta ao presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM), resume a crise política que se instalou na relação entre o Executivo e o Legislativo desde a última quinta-feira. O impasse sobre como deve ser feita a negociação entre os Poderes na "nova política" defendida por Bolsonaro ameaça travar o andamento do principal projeto do governo: a reforma da Previdência.
O estopim para a crise foi uma publicação nas redes sociais feitas pelo filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). Após sofrer cobranças do ministro da Justiça, Sergio Moro, sobre andamento de seu projeto anticrime, Maia foi alvo da ironia de Carlos. A partir dessa fissura, líderes partidários e bolsonaristas inundaram a imprensa e as redes sociais com acusações e indiretas. Os disparos eram sobre a quem compete a responsabilidade e o poder de articular o projeto de maior visibilidade nestes três meses de governo.
No mercado, dólar registrou a maior alta em dois anos e a Bolsa sofreu um revés.

Em viagem ao Chile, o presidente Jair Bolsonaro colaborou para a escalada da crise ao passar os dias seguintes trocando farpas com o deputado. No mais emblemático dos diálogos mediados pela imprensa, Bolsonaro sinalizou que essa é a "nova política", sem "toma-lá-dá-cá", com a qual "alguns não estão acostumados". "A bola está com ele, não está comigo", afirmou, sinalizando que não entraria na articulação política.
Ouviu de Maia a sugestão de que ele foque mais na Previdência e menos no Twitter. "Eu preciso que o presidente assuma de forma definitiva seu papel institucional, que é liderar a reforma da Previdência, chamar partido por partido e mostrar os motivos dessa necessidade", disse o deputado.
Nos diálogos, paira a questão: de quem é a função de negociar o andamento no Congresso de um projeto proposto pelo Executivo e como se dará a articulação política no governo?


Entenda a troca de farpas entre Bolsonaro e Maia


"Nova política" de Bolsonaro é estratégia "perigosíssima", diz cientista político...





Ao sinalizar que não pretende articular com o Congresso, Bolsonaro coloca seu governo em uma situação de risco, afirma o doutor em ciência política e professor Carlos Pereira, da FGV-RJ (Fundação Getulio Vargas).
Segundo ele, o presidente mostra que sua estratégia para ganhar essa queda de braço com Legislativo é falar diretamente à sociedade, fazendo com que seus eleitores promovam a pressão social necessária para o andamento do projeto.
"Ele vai tentar ser vitorioso no Congresso por meio de contatos diretos com a sociedade, esperando que o Congresso se constranja com os interesses da sociedade que, supostamente, seriam alinhados com o do presidente, para que o Congresso não consiga desviar do que o presidente deseja", explica.
Além do desafio de atrair apoio popular para um projeto polêmico, Bolsonaro também viu a aprovação ao seu governo cair 15 pontos percentuais desde o começo do mandato.
Para o professor, essa estratégia é "perigosíssima". "Porque vai criar progressivamente animosidades com o próprio Legislativo, com as lideranças partidárias, que vão se sentir ignoradas e cedo ou tarde vão cobrar um preço muito mais alto do que elas cobrariam se o presidente decidisse negociar com elas desde o início do processo", diz.
Articulando ou não articulando, propostas do governo como a da reforma da Previdência só saem do papel com o aval do Congresso Nacional, pois é assim que funcionam as regras do sistema político brasileiro. "Você não consegue nada a partir do momento em que você despreza e ignora, no caso dele [Bolsonaro], o Legislativo", diz Vera Chaia.
A professora da PUC-SP afirma ainda que a "nova política" evocada por Bolsonaro não passa de retórica. "O que existe é política benfeita e política malfeita", disse.
"O que o Bolsonaro está querendo é 'se suicidar', em última instância", diz Pereira.
Para ele, querer mudar ou se comportar de uma forma inovadora no trato com o Parlamento esbarra na estrutura própria do sistema presidencialista multipartidário brasileiro. "É como se um peixe quisesse contrariar a direção do seu cardume. Cedo ou tarde esse peixe não vai ter energia e vai ceder à pressão do cardume, porque o cardume é muito mais forte do que a força desse peixe isolado", diz.

Existe uma percepção de que coalizão é igual corrupção. Não é. O que está posto agora é ver como formar uma nova coalizão. Isso implica um projeto de governo bem articulado, um presidente que assuma a liderança disso e que queira formar maioria em torno de ideias que unam e não desunam 
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Sérgio Abranches
Sérgio Abranches, cientista político


Avaliação dos líderes... - 
A reforma da Previdência é um tema sensível e a votação pelo aumento do tempo de trabalho dos brasileiros "pega mal" entre os eleitores --por isso, o eventual ônus na aprovação do projeto precisa ser negociado com o governo. Essa avaliação é recorrente entre líderes da Câmara ouvidos pelo UOL.
Apesar de ser um projeto do Executivo, os deputados entendem que vão assumir o ônus político da reforma junto ao próprio eleitorado. Essa mudança trará dinheiro a governadores e prefeitos, que gastam mais do que arrecadam com Previdência, mas desgasta o capital político dos congressistas junto aos eleitores.
"Mas a troco de quê vamos aprovar a PEC [da Previdência] se o governo nem ouve nossos projetos? Não é pedir cargo, é o mínimo. É sentar com os ministros para explicar os projetos de cada deputado, o que é importante para região de cada deputado. Nem isso a gente consegue", disse um quadro do PSL, partido do presidente, ao UOL.
Com o ambiente desgastado antes mesmo de começarem as discussões sobre o texto, parlamentares próximos a Maia procuraram o ministro Paulo Guedes para orientá-lo a não ir à Câmara nesta terça. "Alguns líderes procuram Guedes para evitar que ele vá e seja bombardeado por quadros militares, pela oposição e mesmo quem apoia a reforma, mas está incomodado com essa falta de diálogo", disse uma liderança ao UOL, que pediu para não se identificar.
Para construir uma base, o governo passou a missão a alguns líderes: líder de governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO); líder de governo no Senado, Fernando Bezerra (DEM-PE); líder de governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP). Já no Executivo, os nomes são os ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Santos Cruz (Secretaria de Governo).
Durante o final de semana, Maia deixou claro que estava se retirando do papel de fiador da reforma da Previdência. Ele pontuou que nunca assumiu a função de construir a plataforma do governo dentro da Casa.
As análises de líderes do maior bloco da Casa (que têm partidos como DEM, PP, PR, PSD) são de que essa equipe escolhida a dedo pelo governo não tem habilidade e poder para formar base. Isso dificulta a aprovação de qualquer projeto e pode provocar novas derrotas a Bolsonaro.
No primeiro mês de legislatura, a Câmara deu um sinal claro sobre a necessidade de se formar uma base e ouvir os deputados: derrubaram, com larga maioria, um decreto assinado em janeiro pelo governo. "Ninguém governa sem o Parlamento. A gente precisa de uma base sólida com 340 deputados. Hoje, o único partido que está dentro do governo é o PSL [com 54 deputados]", disse o vice-líder de governo na Câmara, deputado Capitão Augusto (PR-SP).
Ele, que lidera a Bancada da Bala --grupo com potencial para se tornar uma base--, analisa que o governo precisa dividir poder e ajudar os deputados com os projetos pessoais de cada um.
Líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO) afirmou que nem o próprio partido está coeso para votar a PEC. "Ministro Onyx [Casa Civil], general [Santos Cruz da Secretaria de Governo], existem vários líderes indicados. Todos eles têm papel nessa construção, só que me parece que os líderes de todos os partidos estão descontentes. A construção está errada", disse na segunda.
Uma liderança do centrão afirmou que há um grande entendimento em torno da necessidade de aprovar a reforma. "Nós vamos fazer alguma reforma. Nem que seja a enviada pelo Michel Temer. Há uma discussão já em torno da reforma antiga, talvez ela volte a ganhar força, já que o governo atual não colabora", disse.



Não tem velha e nova política. Tem a política boa e a ruim. O governo tem que ceder, dar poder aos deputados. A mudança tem que vir do governo. Eles têm que reconhecer as demandas dos deputados 
Deputado Capitão Augusto (PR-SP)
Deputado Capitão Augusto (PR-SP), vice-líder de governo na Câmara

O que é articulação?


A articulação política é o diálogo entre o Executivo e o Legislativo em busca de um consenso para a análise de projetos de interesse do governo no Congresso.
A cientista política e professora da PUC-SP Vera Chaia explica que articulação não tem necessariamente relação com "corrupção, negociata". "A articulação é própria da democracia. Você só chega a um acordo político se conseguir manter uma negociação", diz ela. "Não é "toma-lá-dá-cá", como Bolsonaro está falando, mas é uma conversa onde os partidos políticos devem ser chamados, não as bancadas. E não é uma coisa, como ele está expressando, que envolva corrupção, negociata."
O país conta com 35 partidos. Diante dessa grande quantidade de legendas, é difícil que o sistema político brasileiro eleja um presidente com maioria no Parlamento para aprovar suas propostas sem precisar dialogar com os demais partidos.
No caso do presidente Jair Bolsonaro, seu partido, o PSL, ocupa hoje 52 das 513 cadeiras na Câmara. Apesar de ser a segunda maior bancada da Casa, o PSL não conseguiria aprovar sozinho a reforma da Previdência, que precisa de dois terços dos deputados para sair do papel.
Por isso, segundo o doutor em ciência política e professor da FGV-RJ Carlos Pereira, o presidente precisaria construir uma coalizão de partidos alinhados com a sua agenda e posições ideológicas. É o chamado "presidencialismo de coalizão".
"O grande desafio não só para o governo Bolsonaro, mas para qualquer presidente eleito no Brasil é como construir e gerenciar essa coalizão, porque essa decisão vai ter reflexos decisivos sobre a chance de o presidente ser bem-sucedido e, em muitas vezes, da própria sobrevivência do governo", explica Carlos Pereira.
Carlos Pereira afirma que uma boa articulação política é aquela que é capaz de formar uma coalizão composta por um menor número possível de partidos, que sejam ideologicamente próximos e recebam do Executivo poderes e recursos proporcionais ao peso político deles dentro do Legislativo.
"Essas escolhas pertencem ao presidente. Ele escolhe isso quando é eleito, ele decide quantos, quem são, quantos poderes e recursos vai compartilhar, de forma proporcional ou não, e se esses partidos espelham ou não o que o Congresso deseja", diz Pereira.



Essa queda de braço é pura consequência da estratégia do presidente de não ter uma coalisão majoritária. No momento em que ele tiver uma coalisão majoritária e coordenar bem essa coalisão, essa queda de braço simplesmente vai desaparecer 
Carlos Pereira
Carlos Pereira, doutor em ciência política e professor da FGV

A expectativa inicial do presidente da CCJ era votar o parecer pela admissibilidade PEC da reforma da Previdência no início de abril. A etapa inicial de tramitação da PEC se dá na CCJ.
O presidente do colegiado, Felipe Francischini (PSL-PR), atrasou para esta semana a escolha do relator da reforma. O adiamento da nomeação se deu pela falta de consenso e receio de que a pauta seja reprovada na própria CCJ.
Em seguida, a proposta é analisada em uma comissão especial criada para debater o tema. O colegiado tem 40 sessões para discutir o mérito da proposta. Por ser tratar de PEC, o texto precisa ser aprovado em dois turnos por 308 deputados antes de seguir para o Senado.

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