PERGUNTAS
Tive de encarar, antes desta escrita, uma reflexão profunda que emoldura qualquer relação de prestação de serviços e confiança. São duas perguntas cruciais que você poderia me fazer:
Tive
de encarar, antes desta escrita, uma reflexão profunda que emoldura
qualquer relação de prestação de serviços e confiança. São duas
perguntas cruciais que você poderia me fazer:
Pergunta 1: Por que escreveu este livro?
Você entende porque está lendo. Por curiosidade, deleite ou por busca de informação. Em última instância, só está lendo porque eu escrevi.
Mas você me pergunta: por que escreveu? Qual é o objetivo deste livro, o significado, o propósito?
Talvez eu pudesse responder que se trata apenas de um livro de memórias. Mas a resposta ainda assim talvez não fosse suficiente. Em outros momentos, você poderia deduzir que estou apenas querendo me explicar. Outras passagens poderiam indicar que é somente mais um profissional vendendo seu peixe. Eu poderia também arriscar outras respostas, mas acho que você se sentiria mais respeitado como leitor ou como leitora se eu investisse numa explicação mais completa.
A grande realidade é que não tinha uma resposta absoluta para abarcar todas as indagações possíveis. O fundamental, para mim, foi tentar explicar o meu próprio e improvável ofício, algo que não constava de nenhum guia de profissões, embora muitos depois a exercessem. Porque, quando fui confrontado pública e oficialmente com esse questionamento, percebi que tinha de explicar o que fazia para que pudessem entender o que não fazia. Este seria o depoimento que faria, se instado fosse.
“Consultor de crise” era um rótulo vago e um tanto enigmático que fui dissecando aqui, para seu entendimento e para o meu próprio. Achei que essas experiências incomuns que tive, por se darem de algum modo na esfera pública, não me pertenciam mais. Precisava compartilhá-las para minha própria defesa, para a defesa de minha própria vida e daquilo em que acreditei. E, ao fazer isso, entendi estar sendo útil para que você entendesse melhor como funcionavam algumas engrenagens de um mundo escondido por trás daquilo que você lê, ouve ou vê. Pensei estar fazendo uma contribuição para o interesse coletivo, embora instado por minhas aflições pessoais mais profundas.
Pergunta 2: Pode o padre revelar o conteúdo da confissão? Pode o psicólogo contar o que conversou no divã? É correto? Se sim -- e obviamente entendi que sim --, acho que deveria falar sobre esse delicado ponto também.
A verdade é que tive minha intimidade profissional exposta à minha revelia. As cláusulas de confidencialidade foram abertas em processo público, por vários de meus clientes que foram aos autos detalhar a natureza do auxílio que lhes prestei. Ou seja, vi-me na situação de ter meus clientes falando de mim. E resolvi falar de mim também. Minha história não ia ser contada só pelos outros. É uma situação extrema porque poucos profissionais passaram, reconheço. Revelo alguns detalhes pontuais de histórias que vivi há décadas e que não estão mais sob o calor do debate público. Não creio que possam, assim, impactar o curso dos acontecimentos. Todos os citados aqui sabiam exatamente o que vivemos juntos, para avaliar o que está escrito aqui.
Se puder ser útil de alguma forma para que forme suas próprias convicções, acho que o infortúnio que atravessou minha vida terá uma justificativa mais louvável e mais ampla do que a mera compilação de impulsos de uma vaidade pessoal.
Procurei obstinadamente não criar melindres nem ferir suscetibilidades -- se é que isso é possível, publicamente -- atendo-me exclusivamente às reminiscências essenciais do que testemunhei e que permaneceram vivas em minha memória.
Imaginei não ter quebrado nenhum código, embora entendesse que caminhava num terreno acidentado. Será uma delação premiada? Não. Porque não tinha o que delatar, nem tinha o que ganhar.
Da mesma forma que meus concorrentes poderiam dizer que quebrei confidencialidades (o que, em última instância, só meus clientes saberiam avaliar), outros diriam que continuei escrevendo releases sobre meus ex-assessorados, que é coisa de spin doctor. Pode ser mesmo? Você sabe quem você é? Sabe totalmente? Nem eu sabia. Há quem pontue: não foi muito condescendente com figuras muito execradas? Condescendente, eu?
Está duvidando da minha imparcialidade?
Quando alguém faz memórias, é um encontro com muitas coisas. Inclusive com a morte. Você diria: uma tentativa de aproximação seria filosoficamente mais adequado. Tudo bem. Mas, em algum sentido, é uma experiência racional e viva do que a morte poderia significar. O ambiente das memorias é de exumação de si. A morte é algo que extrapola este mundo e, sendo assim, acima do bem e do mal. Não estava morto quando escrevia este livro, por suposto. Não estava acima do bem e do mal, portanto. Esta é uma precária aproximação. Como tudo.
Se há algo instigante neste relato, é que foram memórias a quente. O sangue de todos os citados, quase todos, ainda estava pulsando nas carótidas quando isto foi publicado. Este texto passou pelo plebiscito dos contemporâneos aqui mencionados, durante o seu tempo.
Caberá a você tirar suas conclusões. Saiba apenas que fiz um relato visceral, expondo-me mais do que talvez devesse e expondo-me mais do que a qualquer outro. A pulsão de ser compreendido e de fazer compreender falou mais alto. Tentei ser verdadeiro, ao compartilhar com você, para a sua melhor compreensão, o mundo difuso e misterioso que habitei. Como diria me amigo Siron Franco, na dúvida ultrapasse...
(Deixe-me falar uma coisa aqui: você já reparou que frisei muitas vezes a origem de meu dinheiro. Privado. Não haveria nada de errado se tivesse sido público. Muitas empresas e profissionais sérios atendem e recebem de governos. É absolutamente legal. A questão é que me impus uma limitação desde o início: se era para cruzar a fronteira entre imprensa, políticos e empresas, ia receber de um lado só. Não iria, jamais, misturar as seringas. Para não correr o risco de morrer contaminado.
A diferença entre receber dinheiro público e privado é uma só: uma coisa é explicar o que eu fiz com o meu dinheiro, outra coisa é falar o que eu fiz com o seu.
Nunca toquei na sua grana, tenha certeza. Ganhei das corporações e empresas que me contrataram. Ao fazer isso, me impus uma espécie de sacrifício. Sim, sacrifício sim. Porque tinha contatos e “expertise” suficientes para disputar contas públicas. Ao não fazê-lo, limitei espontaneamente meus potenciais ganhos. Tudo por uma norma de consultor de crises mesmo: prevenir, prevenir, prevenir.
(Assim, quando enfrentei o meu barraco, não tinha dinheiro saindo do erário, cruzando minha conta e indo para outro lugar. Tinha apenas dinheiro privado trafegando pela contabilidade oficial e aterrissando suavemente no meu patrimônio declarado. Graças a Deus, controlei minha ganância.)
Por último, fazer livros na era digital permite um intercâmbio único de opiniões e influências. Enviei este texto para o meu pai profissional no jornalismo, Etevaldo Dias. Etevaldo foi jornalista por 40 anos. Quando escrevia este livro, ele comandava uma agência de comunicação havia um quarto de século. Foi porta-voz da Presidência da República. Não em qualquer crise, mas porta-voz na crise do impeachment de Fernando Collor. Pois foi esse olhar calejado por uma vida nada usual que me mandou suas observações. Faço considerações a cada tópico mencionado por ele. Etevaldo foi generoso. Vamos a ele:
"Caríssimo, li seu livro e reli vários capítulos, tentei ser um leitor, não o amigo, nem jornalista ‘coleguinha’. Como vc pediu com insistência para que fosse honesto, decidi fazê-lo honestamente. Veja minhas observações como uma boa conversa de amigo e pai profissional.
"Bom, gosto de escrever por itens, é mais fácil de expor ideias e facilita a leitura.
"O livro é uma boa leitura, tem caso, bastidores, revelações – jamais imaginei que Duda não escreve mais que 15 linhas – e o caso da ‘Cervejaria’ é um tratado de comunicação e relações públicas. Claro, não há como fugir da impressão de que se trata do ‘Livro Branco do Mário Rosa’, um livro de defesa prévia. Creio que é exatamente isto que vc pretendia, contar as coisas a partir da sua visão e interpretação do trabalho de consultor de crises vivendo a própria crise.
"Ressalte-se que vc foi cuidadoso e generoso com os seus clientes – nenhum deles fica mal no livro. Vc é benevolente com todos eles, até aqueles que romperam contrato de modo injusto.”
Calma: as 15 linhas do Duda só mostram o prodígio que ele era, O negócio dele era criar jingles curtos, comerciais arrebatadores, e não discursos palavrosos e vazios.
"Curioso, quem sofre mais críticas no livro é o próprio autor.”
Vamos às minhas observações:
"1 – Não gostei de vc se colocar como “lacaio do poder”. Vc nunca foi lacaio de ninguém. Ganhou prêmio Esso (aliás sob minha chefia no JB) com matéria de denúncia, altiva e independente, não de lacaio.
"Como consultor de crise, foi mais procurado do que procurou os nobres da Corte, foi mais cortejado do que cortejou.”
Concordo com você, em parte. O uso da palavra "lacaio" é um recurso digamos assim literário. Ia falar o quê? Era o bambambã, o tal? O “lacaio”não é apenas para eu baixar a minha bola e mostrar ao leitor que eu não estava me achando, mas é também uma questão sociológica de proporções: as pessoas que atendi, essas sim, eram as protagonistas. Eu era um observador privilegiado. Só isso.
"2- Preste atenção nas críticas que faz aos manuais de crise. Vc desmerece os livros que escreveu. Cuidado com esta abordagem. Seus livros fazem parte da formação de milhares de estudantes de comunicação e vc pode confundi-los: ‘Devo confiar nos livros de Mário Rosa? Ou tudo que li não passa de uma farsa?’. Ocorre que há uma diferença entre viver a própria crise e falar sobre o importante papel do uso de ferramentas de comunicação para superar crises. Contradições assim acontecem em todas as profissões. O grande curandeiro João de Deus teve que abandonar suas crenças, pregações e milagres e correr para o tradicional tratamento do dr. Raul Cutait.
"Ao longo do livro, em passagens esparsas, vc trata do assunto, mas creio que merece uma reflexão mais profunda pontual. Vc deve mostrar que seus livros o ajudam a entender e superar a própria crise.”
Concordo mais uma vez e isso me ajuda a contextualizar melhor. Este livro não é contra os manuais, meninos e meninas. Vocês vão ver que eu segui muitas coisas deles no meu próprio caso. O que este livro tenta mostrar é que os cases são contados sempre do fim para o começo, enquanto a vida acontece do começo para o fim. Qual é o problema? Os manuais cristalizam um certo artificialismo da vida, ao descrevê-la como a sucessão de coisas lógicas e racionais, quando não é só isso. Que bom ter uma base de racionalidade alheia para tocar a vida. Que bom treinar várias vezes como se bate um pênalti. Mas...no pênalti do campeonato, o treino é fundamental, mas ali é a vida que está acontecendo. Foi só isso o que quis dizer: não abram apenas as suas mentes. Abram também os corações.
"3- O pau que levou da ‘Veja’ está confuso, não dá nomes para o leitor, mas qualquer jornalistasabe de que se trata, portanto gera clima de falso acobertamento dos fatos. Melhor seria vc simplificar com algo assim ‘Um fato trivial nas relações com colegas jornalistas motivou uma intriga maldosa que me gerou um tremendo...’. Enfim, o que deveria ser apenas fofoca corriqueira de redações acabou por tornar-se uma ofensa pública, injusta e desnecessária que lhe causou estragos emocionais e profissionais. Mais ou menos isso.”
Registrado.
"4- Creio que vc abusa da figura do ‘Pai Rosa’. Não me parece justo com seu talento se colocar assim tão escrachado e folclórico e, nestes tempos de politicamente correto, ofender devotos de religiões afro brasileiras. A meu ver, não existe isso de ‘Pai Rosa’, conselheiro místico, nada disso; houve trabalho, análise e aconselhamento profissional.”
Não quero ofender ninguém e peço desculpas. Minha mãe foi espírita a vida toda. Frequentei terreiros com ela, acompanhando-a quando criança. Também não quero ofender outras religiões. Aliás, quero pedir desculpas a todos aqueles que se ofendem com pedidos de desculpas também. E àqueles que são contra o politicamente correto. Enfim, acho que médiuns e sacerdotes desempenham também uma função de apoio psicológico, além do espiritual. Achei que, em algumas situações que a vida me colocou, minha contribuição diante de figuras ilustres não era a de enunciar conselhos técnicos, mas, acima de tudo, confortá-los usando a linguagem da técnica como meio, não como fim. Achava que era muito mais um ritual do que um atendimento. Só isso.
"5 – O caso do Roger Abdelmassih não me causou boa impressão. A meu ver, vc passa a ideia de “tirando o lado ruim, ele é bom”. Vc insiste que trabalhou de graça, isto só complica, como alguém pode ouvir, aconselhar, ajudar um criminoso só para aprender como um criminoso reage a sua crise? Afinal, vc diz que virou amigo da família e ao leitor passa a ideia de que provavelmente sabia que ele ia fugir. Não dá para acreditar que fez tudo por amor e pesquisa cientifica da comunicação.”
Não sabia da fuga, nem de longe insinuo isso. Como todo o mundo, soube pela imprensa. Acho que ele jamais me confiaria uma coisa dessas. Lembre-se: para ele, eu era jornalista, de alguma forma. Lidei com muitas pessoas que eram o inimigo público número um da ocasião exatamente do mesmo modo: podendo observar de perto. Registro no livro que o caso de Roger trafegava numa atmosfera emocional que, definitivamente, era única, por todo o enredo de sofrimentos em que se desdobrava. Meu registro de memória não significa defesa. Apenas registro.
"6 – Não acho boa ideia terminar livro com perguntas: ora, o leitor compra um livro para ter respostas e não dúvidas. Além do mais, não se esqueça de que o seu processo levará anos, mas um dia vai terminar – e bem, tenho certeza – e o livro vai ficar para todos os séculos e séculos, amém."
O objetivo do livro é esse mesmo: vamos nos perguntar mais, pessoal. Nossas certezas repetitivas talvez não sejam as melhores respostas que possamos dar. Sobretudo para nós mesmos. Não é para jogar todas as certezas fora. É apenas para questioná-las mais e ver o que sobra.
Obrigado ET (era assim que chamava o Etevaldo).
Ah, sim, só mais uma coisa: não leve tudo isso aqui muito a sério. Lembra-se do bife no prato e do boi no pasto? Você não está vendo o laranjal da minha vida. Está vendo o suco concentrado dentro da embalagem na prateleira. Concentradas, com o sumo de centenas de laranjas, as vidas ficam densas. Mais densas do que foram ou do que pareciam ser, quando vividas.
copiado http://www.uol/noticias/especiais/
Pergunta 1: Por que escreveu este livro?
Você entende porque está lendo. Por curiosidade, deleite ou por busca de informação. Em última instância, só está lendo porque eu escrevi.
Mas você me pergunta: por que escreveu? Qual é o objetivo deste livro, o significado, o propósito?
Talvez eu pudesse responder que se trata apenas de um livro de memórias. Mas a resposta ainda assim talvez não fosse suficiente. Em outros momentos, você poderia deduzir que estou apenas querendo me explicar. Outras passagens poderiam indicar que é somente mais um profissional vendendo seu peixe. Eu poderia também arriscar outras respostas, mas acho que você se sentiria mais respeitado como leitor ou como leitora se eu investisse numa explicação mais completa.
A grande realidade é que não tinha uma resposta absoluta para abarcar todas as indagações possíveis. O fundamental, para mim, foi tentar explicar o meu próprio e improvável ofício, algo que não constava de nenhum guia de profissões, embora muitos depois a exercessem. Porque, quando fui confrontado pública e oficialmente com esse questionamento, percebi que tinha de explicar o que fazia para que pudessem entender o que não fazia. Este seria o depoimento que faria, se instado fosse.
“Consultor de crise” era um rótulo vago e um tanto enigmático que fui dissecando aqui, para seu entendimento e para o meu próprio. Achei que essas experiências incomuns que tive, por se darem de algum modo na esfera pública, não me pertenciam mais. Precisava compartilhá-las para minha própria defesa, para a defesa de minha própria vida e daquilo em que acreditei. E, ao fazer isso, entendi estar sendo útil para que você entendesse melhor como funcionavam algumas engrenagens de um mundo escondido por trás daquilo que você lê, ouve ou vê. Pensei estar fazendo uma contribuição para o interesse coletivo, embora instado por minhas aflições pessoais mais profundas.
Pergunta 2: Pode o padre revelar o conteúdo da confissão? Pode o psicólogo contar o que conversou no divã? É correto? Se sim -- e obviamente entendi que sim --, acho que deveria falar sobre esse delicado ponto também.
A verdade é que tive minha intimidade profissional exposta à minha revelia. As cláusulas de confidencialidade foram abertas em processo público, por vários de meus clientes que foram aos autos detalhar a natureza do auxílio que lhes prestei. Ou seja, vi-me na situação de ter meus clientes falando de mim. E resolvi falar de mim também. Minha história não ia ser contada só pelos outros. É uma situação extrema porque poucos profissionais passaram, reconheço. Revelo alguns detalhes pontuais de histórias que vivi há décadas e que não estão mais sob o calor do debate público. Não creio que possam, assim, impactar o curso dos acontecimentos. Todos os citados aqui sabiam exatamente o que vivemos juntos, para avaliar o que está escrito aqui.
Se puder ser útil de alguma forma para que forme suas próprias convicções, acho que o infortúnio que atravessou minha vida terá uma justificativa mais louvável e mais ampla do que a mera compilação de impulsos de uma vaidade pessoal.
Procurei obstinadamente não criar melindres nem ferir suscetibilidades -- se é que isso é possível, publicamente -- atendo-me exclusivamente às reminiscências essenciais do que testemunhei e que permaneceram vivas em minha memória.
Imaginei não ter quebrado nenhum código, embora entendesse que caminhava num terreno acidentado. Será uma delação premiada? Não. Porque não tinha o que delatar, nem tinha o que ganhar.
Da mesma forma que meus concorrentes poderiam dizer que quebrei confidencialidades (o que, em última instância, só meus clientes saberiam avaliar), outros diriam que continuei escrevendo releases sobre meus ex-assessorados, que é coisa de spin doctor. Pode ser mesmo? Você sabe quem você é? Sabe totalmente? Nem eu sabia. Há quem pontue: não foi muito condescendente com figuras muito execradas? Condescendente, eu?
Está duvidando da minha imparcialidade?
Quando alguém faz memórias, é um encontro com muitas coisas. Inclusive com a morte. Você diria: uma tentativa de aproximação seria filosoficamente mais adequado. Tudo bem. Mas, em algum sentido, é uma experiência racional e viva do que a morte poderia significar. O ambiente das memorias é de exumação de si. A morte é algo que extrapola este mundo e, sendo assim, acima do bem e do mal. Não estava morto quando escrevia este livro, por suposto. Não estava acima do bem e do mal, portanto. Esta é uma precária aproximação. Como tudo.
Se há algo instigante neste relato, é que foram memórias a quente. O sangue de todos os citados, quase todos, ainda estava pulsando nas carótidas quando isto foi publicado. Este texto passou pelo plebiscito dos contemporâneos aqui mencionados, durante o seu tempo.
Caberá a você tirar suas conclusões. Saiba apenas que fiz um relato visceral, expondo-me mais do que talvez devesse e expondo-me mais do que a qualquer outro. A pulsão de ser compreendido e de fazer compreender falou mais alto. Tentei ser verdadeiro, ao compartilhar com você, para a sua melhor compreensão, o mundo difuso e misterioso que habitei. Como diria me amigo Siron Franco, na dúvida ultrapasse...
(Deixe-me falar uma coisa aqui: você já reparou que frisei muitas vezes a origem de meu dinheiro. Privado. Não haveria nada de errado se tivesse sido público. Muitas empresas e profissionais sérios atendem e recebem de governos. É absolutamente legal. A questão é que me impus uma limitação desde o início: se era para cruzar a fronteira entre imprensa, políticos e empresas, ia receber de um lado só. Não iria, jamais, misturar as seringas. Para não correr o risco de morrer contaminado.
A diferença entre receber dinheiro público e privado é uma só: uma coisa é explicar o que eu fiz com o meu dinheiro, outra coisa é falar o que eu fiz com o seu.
Nunca toquei na sua grana, tenha certeza. Ganhei das corporações e empresas que me contrataram. Ao fazer isso, me impus uma espécie de sacrifício. Sim, sacrifício sim. Porque tinha contatos e “expertise” suficientes para disputar contas públicas. Ao não fazê-lo, limitei espontaneamente meus potenciais ganhos. Tudo por uma norma de consultor de crises mesmo: prevenir, prevenir, prevenir.
(Assim, quando enfrentei o meu barraco, não tinha dinheiro saindo do erário, cruzando minha conta e indo para outro lugar. Tinha apenas dinheiro privado trafegando pela contabilidade oficial e aterrissando suavemente no meu patrimônio declarado. Graças a Deus, controlei minha ganância.)
Por último, fazer livros na era digital permite um intercâmbio único de opiniões e influências. Enviei este texto para o meu pai profissional no jornalismo, Etevaldo Dias. Etevaldo foi jornalista por 40 anos. Quando escrevia este livro, ele comandava uma agência de comunicação havia um quarto de século. Foi porta-voz da Presidência da República. Não em qualquer crise, mas porta-voz na crise do impeachment de Fernando Collor. Pois foi esse olhar calejado por uma vida nada usual que me mandou suas observações. Faço considerações a cada tópico mencionado por ele. Etevaldo foi generoso. Vamos a ele:
"Caríssimo, li seu livro e reli vários capítulos, tentei ser um leitor, não o amigo, nem jornalista ‘coleguinha’. Como vc pediu com insistência para que fosse honesto, decidi fazê-lo honestamente. Veja minhas observações como uma boa conversa de amigo e pai profissional.
"Bom, gosto de escrever por itens, é mais fácil de expor ideias e facilita a leitura.
"O livro é uma boa leitura, tem caso, bastidores, revelações – jamais imaginei que Duda não escreve mais que 15 linhas – e o caso da ‘Cervejaria’ é um tratado de comunicação e relações públicas. Claro, não há como fugir da impressão de que se trata do ‘Livro Branco do Mário Rosa’, um livro de defesa prévia. Creio que é exatamente isto que vc pretendia, contar as coisas a partir da sua visão e interpretação do trabalho de consultor de crises vivendo a própria crise.
"Ressalte-se que vc foi cuidadoso e generoso com os seus clientes – nenhum deles fica mal no livro. Vc é benevolente com todos eles, até aqueles que romperam contrato de modo injusto.”
Calma: as 15 linhas do Duda só mostram o prodígio que ele era, O negócio dele era criar jingles curtos, comerciais arrebatadores, e não discursos palavrosos e vazios.
"Curioso, quem sofre mais críticas no livro é o próprio autor.”
Vamos às minhas observações:
"1 – Não gostei de vc se colocar como “lacaio do poder”. Vc nunca foi lacaio de ninguém. Ganhou prêmio Esso (aliás sob minha chefia no JB) com matéria de denúncia, altiva e independente, não de lacaio.
"Como consultor de crise, foi mais procurado do que procurou os nobres da Corte, foi mais cortejado do que cortejou.”
Concordo com você, em parte. O uso da palavra "lacaio" é um recurso digamos assim literário. Ia falar o quê? Era o bambambã, o tal? O “lacaio”não é apenas para eu baixar a minha bola e mostrar ao leitor que eu não estava me achando, mas é também uma questão sociológica de proporções: as pessoas que atendi, essas sim, eram as protagonistas. Eu era um observador privilegiado. Só isso.
"2- Preste atenção nas críticas que faz aos manuais de crise. Vc desmerece os livros que escreveu. Cuidado com esta abordagem. Seus livros fazem parte da formação de milhares de estudantes de comunicação e vc pode confundi-los: ‘Devo confiar nos livros de Mário Rosa? Ou tudo que li não passa de uma farsa?’. Ocorre que há uma diferença entre viver a própria crise e falar sobre o importante papel do uso de ferramentas de comunicação para superar crises. Contradições assim acontecem em todas as profissões. O grande curandeiro João de Deus teve que abandonar suas crenças, pregações e milagres e correr para o tradicional tratamento do dr. Raul Cutait.
"Ao longo do livro, em passagens esparsas, vc trata do assunto, mas creio que merece uma reflexão mais profunda pontual. Vc deve mostrar que seus livros o ajudam a entender e superar a própria crise.”
Concordo mais uma vez e isso me ajuda a contextualizar melhor. Este livro não é contra os manuais, meninos e meninas. Vocês vão ver que eu segui muitas coisas deles no meu próprio caso. O que este livro tenta mostrar é que os cases são contados sempre do fim para o começo, enquanto a vida acontece do começo para o fim. Qual é o problema? Os manuais cristalizam um certo artificialismo da vida, ao descrevê-la como a sucessão de coisas lógicas e racionais, quando não é só isso. Que bom ter uma base de racionalidade alheia para tocar a vida. Que bom treinar várias vezes como se bate um pênalti. Mas...no pênalti do campeonato, o treino é fundamental, mas ali é a vida que está acontecendo. Foi só isso o que quis dizer: não abram apenas as suas mentes. Abram também os corações.
"3- O pau que levou da ‘Veja’ está confuso, não dá nomes para o leitor, mas qualquer jornalistasabe de que se trata, portanto gera clima de falso acobertamento dos fatos. Melhor seria vc simplificar com algo assim ‘Um fato trivial nas relações com colegas jornalistas motivou uma intriga maldosa que me gerou um tremendo...’. Enfim, o que deveria ser apenas fofoca corriqueira de redações acabou por tornar-se uma ofensa pública, injusta e desnecessária que lhe causou estragos emocionais e profissionais. Mais ou menos isso.”
Registrado.
"4- Creio que vc abusa da figura do ‘Pai Rosa’. Não me parece justo com seu talento se colocar assim tão escrachado e folclórico e, nestes tempos de politicamente correto, ofender devotos de religiões afro brasileiras. A meu ver, não existe isso de ‘Pai Rosa’, conselheiro místico, nada disso; houve trabalho, análise e aconselhamento profissional.”
Não quero ofender ninguém e peço desculpas. Minha mãe foi espírita a vida toda. Frequentei terreiros com ela, acompanhando-a quando criança. Também não quero ofender outras religiões. Aliás, quero pedir desculpas a todos aqueles que se ofendem com pedidos de desculpas também. E àqueles que são contra o politicamente correto. Enfim, acho que médiuns e sacerdotes desempenham também uma função de apoio psicológico, além do espiritual. Achei que, em algumas situações que a vida me colocou, minha contribuição diante de figuras ilustres não era a de enunciar conselhos técnicos, mas, acima de tudo, confortá-los usando a linguagem da técnica como meio, não como fim. Achava que era muito mais um ritual do que um atendimento. Só isso.
"5 – O caso do Roger Abdelmassih não me causou boa impressão. A meu ver, vc passa a ideia de “tirando o lado ruim, ele é bom”. Vc insiste que trabalhou de graça, isto só complica, como alguém pode ouvir, aconselhar, ajudar um criminoso só para aprender como um criminoso reage a sua crise? Afinal, vc diz que virou amigo da família e ao leitor passa a ideia de que provavelmente sabia que ele ia fugir. Não dá para acreditar que fez tudo por amor e pesquisa cientifica da comunicação.”
Não sabia da fuga, nem de longe insinuo isso. Como todo o mundo, soube pela imprensa. Acho que ele jamais me confiaria uma coisa dessas. Lembre-se: para ele, eu era jornalista, de alguma forma. Lidei com muitas pessoas que eram o inimigo público número um da ocasião exatamente do mesmo modo: podendo observar de perto. Registro no livro que o caso de Roger trafegava numa atmosfera emocional que, definitivamente, era única, por todo o enredo de sofrimentos em que se desdobrava. Meu registro de memória não significa defesa. Apenas registro.
"6 – Não acho boa ideia terminar livro com perguntas: ora, o leitor compra um livro para ter respostas e não dúvidas. Além do mais, não se esqueça de que o seu processo levará anos, mas um dia vai terminar – e bem, tenho certeza – e o livro vai ficar para todos os séculos e séculos, amém."
O objetivo do livro é esse mesmo: vamos nos perguntar mais, pessoal. Nossas certezas repetitivas talvez não sejam as melhores respostas que possamos dar. Sobretudo para nós mesmos. Não é para jogar todas as certezas fora. É apenas para questioná-las mais e ver o que sobra.
Obrigado ET (era assim que chamava o Etevaldo).
Ah, sim, só mais uma coisa: não leve tudo isso aqui muito a sério. Lembra-se do bife no prato e do boi no pasto? Você não está vendo o laranjal da minha vida. Está vendo o suco concentrado dentro da embalagem na prateleira. Concentradas, com o sumo de centenas de laranjas, as vidas ficam densas. Mais densas do que foram ou do que pareciam ser, quando vividas.
copiado http://www.uol/noticias/especiais/
Nenhum comentário:
Postar um comentário