Porque o “pensamento positivo” de Temer é uma tolice perversa
A angústia de um blogueiro de politica e economia, cuja tarefa é
selecionar e contextualizar os fatos mais relevantes para os que o leem,
toda manhã, é ver se cumpriu esta missão e não...
A angústia de um blogueiro de politica e economia, cuja tarefa é selecionar e contextualizar os fatos mais relevantes para os que o leem, toda manhã, é ver se cumpriu esta missão e não deixou de fora aquilo que está nos jornais e é importante.
É obra de cansaço e risco, até porque, nestes tempos, temos um governante que decide de manhã e recua da decisão à noite – se é que vai tão longe.
Ontem, o ocupante da Presidência pediu “pensamento positivo” e, há uma semana, disse que 2017 será “o ano em que vencemos a crise”.
Admita-se, por generosidade, que Sua Excelência não esteja, como transpira dele, sendo cínico, falso e supérfluo. Que não queira explicar o fracasso presente e use, para isso, um “tudo, tudo vai dar pé”.
Aí você vê a manchete de hoje de O Globo, com previsões ao inverso, mas com a reafirmação da “fé” de que, no segundo semestre, as coisas melhoram.
E você se pergunta: isso é um duelo de desejos, uma confronto de simples expectativas e é neste campo que se decidirá a sorte dos brasileiros. É com “wishful thinking” que se terá sucesso, como nos mais medíocres livros de autoajuda ou, ao reverso, é com pessimismo que a desgraça profetizada se realizará?
Em economia, claro, expectativas são uma das variáveis, porque implicam em tomada de decisões: investir ou não, comprar ou não o que não é o essencial apenas, apostar na melhora e contrair dívidas que uma atividade mais intensa permitirá que sejam pagas ou fugir delas, porque amanhã será pior.
Não é preciso ser economista para sentir isso e agir conforme a percepção.
Mas economia não é apenas futurologia, premonição, “insight”.
Daí em diante, o critério deve ser o do Chico Buarque, nos versos de Fortaleza: A minha tristeza não é feita de angústias/A minha surpresa é só feita de fatos/De sangue nos olhos e lama nos sapatos.
Decisões econômicas, como todas as decisões voluntárias, são decisões baseadas em conveniência, oportunidade e capacidade.
É conveniente investir em atividades que reproduzam o capital? Sim, mas qual? É oportuno fazer isso aqui ou ali, agora o depois? E, finalmente: “sou capaz de fazê-lo, tenho essa disponibilidade financeira, material, de conhecimento e de gestão?”
Porque a resposta a estas perguntas é que decidirá se, como e onde se investirá.
A primeira, em escala nacional, não é como a nossa, de mortais, que a medimos sobre o que termos “guardado”. O conceito de poupança, aqui é diferente, porque as disponibilidades de pessoas e empresas estão, todas elas, aplicadas em alguma atividade, já. E financeira.
É a taxa de remuneração e o prazo em que esta se dará o que definirá se elas ficam onde estão ou para onde devem ir.
A atratividade de um investimento sem risco e que paga inflação mais cinco ou seis por cento ao ano é, óbvio, superior a qualquer outra.
Sair deste campo e ir para o do investimento físico, seja em produção ou infraestrutura depende do horizonte que esteja ao alcance dos olhos ou do pensamento razoável.
As pessoas vão comprar mais sapatos, roupas, cerveja, brinquedos, computadores, celulares, geladeiras do que estão comprando hoje? Vão fazer isso em escala que a capacidade de produção atual não utilizada seja incapaz de atender? Porque é indiscutível que os que já detêm a capacidade e as estruturas para fazê-los têm vantagem competitiva sobre o novo investimento.
Num país com o menor nível de utilização de sua capacidade industrial instalada já registrado na história e com uma retração monstruosa nos níveis de consumo a resposta é óbvia: não.
Na infraestrutura, o mesmo. Será bom negócio investir em estradas, aeroportos, portos se não há perspectivas de deslocamento de pessoas ou mercadorias crescer num horizonte plausível? Pode ser, mas para isso é necessário que a oportunidade tenha força suficiente para impor-se á conveniência e isso implica em adquirir ativos ou concessões neste campo a preço de banana.
Traduzindo para a vida comum. Não está bom o mercado de aluguéis, os preços pararam de subir e até estão caindo, pela baixa procura, como vimos aqui, há poucos dias, no caso dos galpões industriais e comerciais em São Paulo. Mas suponha que você tem recursos e fôlego para aguentar a maré baixa e aquele galpão, muito bem localizado e instalado, está sendo entregue na bacia das almas e você dispõe do dinheiro. Comprar pode ser uma boa, mas isso não quer dizer que o armazém voltará à atividade, empregará vigias, arrumadores de cargas, conferentes, que voltará a fazer parte da cadeia de produção e comércio.
Trata-se, apenas, de transferência de propriedade entre quem está enforcado e aqueles que têm fôlego. Não é difícil saber que são uns e outros no Brasil de hoje.
O movimento declinante da economia brasileira, como qualquer movimento, segue a primeira Lei de Newton, tende a continuar, salvo se uma nova força entrar em cena. Achar que a “mini-injeção” de recursos feita com uma liberação, diluída no tempo, de alguns tostões parados nas contas inativas do FGTS – e que serão em boa parte drenados pelo mercado financeiro, pela quitação de dívidas – vá ser essa força vai além da ingenuidade: é má-fé.
Peço desculpas pela longa reflexão que poderia ser reduzida a um “Temer não está dizendo a verdade”, mas apesar do “sangue nos olhos” que provocam as suas medidas de desmonte do Brasil e de degola dos direitos do trabalhador, é preciso ir além do que ele faz, para que não se incorrer no simples “pensamento negativo” em oposição ao seu desejado “pensamento positivo”.
Não é o caso de estar numa “torcida” contra, mas o de explicar porque o caminho que levou ao desastre, mantido, só leva a mais desastres.
O nosso jornalismo econômico, dominado pela crença neoliberal de que é preciso afundar cada vez mais no túnel para encontrar a luz ao seu final esconde do povo brasileiro que a única luz que haverá ao final do túnel da recessão e da paralisia econômica é a do fogo do inferno social e humano para onde estão nos levando.
A angústia de um blogueiro de politica e economia, cuja tarefa é selecionar e contextualizar os fatos mais relevantes para os que o leem, toda manhã, é ver se cumpriu esta missão e não deixou de fora aquilo que está nos jornais e é importante.
É obra de cansaço e risco, até porque, nestes tempos, temos um governante que decide de manhã e recua da decisão à noite – se é que vai tão longe.
Ontem, o ocupante da Presidência pediu “pensamento positivo” e, há uma semana, disse que 2017 será “o ano em que vencemos a crise”.
Admita-se, por generosidade, que Sua Excelência não esteja, como transpira dele, sendo cínico, falso e supérfluo. Que não queira explicar o fracasso presente e use, para isso, um “tudo, tudo vai dar pé”.
Aí você vê a manchete de hoje de O Globo, com previsões ao inverso, mas com a reafirmação da “fé” de que, no segundo semestre, as coisas melhoram.
E você se pergunta: isso é um duelo de desejos, uma confronto de simples expectativas e é neste campo que se decidirá a sorte dos brasileiros. É com “wishful thinking” que se terá sucesso, como nos mais medíocres livros de autoajuda ou, ao reverso, é com pessimismo que a desgraça profetizada se realizará?
Em economia, claro, expectativas são uma das variáveis, porque implicam em tomada de decisões: investir ou não, comprar ou não o que não é o essencial apenas, apostar na melhora e contrair dívidas que uma atividade mais intensa permitirá que sejam pagas ou fugir delas, porque amanhã será pior.
Não é preciso ser economista para sentir isso e agir conforme a percepção.
Mas economia não é apenas futurologia, premonição, “insight”.
Daí em diante, o critério deve ser o do Chico Buarque, nos versos de Fortaleza: A minha tristeza não é feita de angústias/A minha surpresa é só feita de fatos/De sangue nos olhos e lama nos sapatos.
Decisões econômicas, como todas as decisões voluntárias, são decisões baseadas em conveniência, oportunidade e capacidade.
É conveniente investir em atividades que reproduzam o capital? Sim, mas qual? É oportuno fazer isso aqui ou ali, agora o depois? E, finalmente: “sou capaz de fazê-lo, tenho essa disponibilidade financeira, material, de conhecimento e de gestão?”
Porque a resposta a estas perguntas é que decidirá se, como e onde se investirá.
A primeira, em escala nacional, não é como a nossa, de mortais, que a medimos sobre o que termos “guardado”. O conceito de poupança, aqui é diferente, porque as disponibilidades de pessoas e empresas estão, todas elas, aplicadas em alguma atividade, já. E financeira.
É a taxa de remuneração e o prazo em que esta se dará o que definirá se elas ficam onde estão ou para onde devem ir.
A atratividade de um investimento sem risco e que paga inflação mais cinco ou seis por cento ao ano é, óbvio, superior a qualquer outra.
Sair deste campo e ir para o do investimento físico, seja em produção ou infraestrutura depende do horizonte que esteja ao alcance dos olhos ou do pensamento razoável.
As pessoas vão comprar mais sapatos, roupas, cerveja, brinquedos, computadores, celulares, geladeiras do que estão comprando hoje? Vão fazer isso em escala que a capacidade de produção atual não utilizada seja incapaz de atender? Porque é indiscutível que os que já detêm a capacidade e as estruturas para fazê-los têm vantagem competitiva sobre o novo investimento.
Num país com o menor nível de utilização de sua capacidade industrial instalada já registrado na história e com uma retração monstruosa nos níveis de consumo a resposta é óbvia: não.
Na infraestrutura, o mesmo. Será bom negócio investir em estradas, aeroportos, portos se não há perspectivas de deslocamento de pessoas ou mercadorias crescer num horizonte plausível? Pode ser, mas para isso é necessário que a oportunidade tenha força suficiente para impor-se á conveniência e isso implica em adquirir ativos ou concessões neste campo a preço de banana.
Traduzindo para a vida comum. Não está bom o mercado de aluguéis, os preços pararam de subir e até estão caindo, pela baixa procura, como vimos aqui, há poucos dias, no caso dos galpões industriais e comerciais em São Paulo. Mas suponha que você tem recursos e fôlego para aguentar a maré baixa e aquele galpão, muito bem localizado e instalado, está sendo entregue na bacia das almas e você dispõe do dinheiro. Comprar pode ser uma boa, mas isso não quer dizer que o armazém voltará à atividade, empregará vigias, arrumadores de cargas, conferentes, que voltará a fazer parte da cadeia de produção e comércio.
Trata-se, apenas, de transferência de propriedade entre quem está enforcado e aqueles que têm fôlego. Não é difícil saber que são uns e outros no Brasil de hoje.
O movimento declinante da economia brasileira, como qualquer movimento, segue a primeira Lei de Newton, tende a continuar, salvo se uma nova força entrar em cena. Achar que a “mini-injeção” de recursos feita com uma liberação, diluída no tempo, de alguns tostões parados nas contas inativas do FGTS – e que serão em boa parte drenados pelo mercado financeiro, pela quitação de dívidas – vá ser essa força vai além da ingenuidade: é má-fé.
Peço desculpas pela longa reflexão que poderia ser reduzida a um “Temer não está dizendo a verdade”, mas apesar do “sangue nos olhos” que provocam as suas medidas de desmonte do Brasil e de degola dos direitos do trabalhador, é preciso ir além do que ele faz, para que não se incorrer no simples “pensamento negativo” em oposição ao seu desejado “pensamento positivo”.
Não é o caso de estar numa “torcida” contra, mas o de explicar porque o caminho que levou ao desastre, mantido, só leva a mais desastres.
O nosso jornalismo econômico, dominado pela crença neoliberal de que é preciso afundar cada vez mais no túnel para encontrar a luz ao seu final esconde do povo brasileiro que a única luz que haverá ao final do túnel da recessão e da paralisia econômica é a do fogo do inferno social e humano para onde estão nos levando.
Como tornar desejada a dominação. Por Sylvia Moretzsohn
No clássico A psicologia de massas do fascismo, escrito em 1933 –
portanto, no processo de ascensão do nazismo na Alemanha –, Wilhelm
Reich perguntava-se por que, até então, não se haviam estudado as...
No clássico A psicologia de massas do fascismo, escrito em 1933 – portanto, no processo de ascensão do nazismo na Alemanha –, Wilhelm Reich perguntava-se por que, até então, não se haviam estudado as razões pelas quais, há milênios, as pessoas aceitam a exploração, a humilhação, a escravidão. Não se trata, naturalmente, de indagar por que se submetem contra a vontade a uma força mais poderosa, mas de saber por que aceitam a dominação, a ponto de naturalizá-la. Mais ainda: por que participam ativamente do processo que resultará na própria submissão.
É uma questão que não pode ser respondida apenas com a abordagem tradicional sobre o poder da ideologia. Ou melhor: é uma questão que exige articular essa abordagem a algo mais profundo, que são as estruturas psicológicas das pessoas numa determinada época. Ao estudar o fenômeno do fascismo, Reich observou que ele só poderia prosperar num ambiente social e psicológico receptivo àquele tipo de propaganda, e que expressava a mentalidade do “Zé Ninguém”, um ser subjugado, sedento de autoridade e, ao mesmo tempo, revoltado. Assinalou a habilidade de Hitler em manejar as emoções desse público, através da tática – expressa no Mein Kampf – de evitar ao máximo uma argumentação objetiva: o fundamental era explorar frustrações e ressentimentos e martelar o grande objetivo final como recompensa. Precisamente, aliás, o que fez Donald Trump quase um século depois, ao prometer “make America great again”, e ganhar a Casa Branca.
(…) Perguntar por que acreditamos no que acreditamos, perceber a força do auto-engano é o ponto de partida para tentarmos entender e buscar superar a nossa tendência a viver num mundo feito de sombras. Dependendo da qualidade da nossa formação e da informação que recebemos, estaremos mais ou menos habilitados para o exercício dessa crítica. Pois, como Laerte sintetizou numa de suas notáveis charges, “em terra de cego ninguém se importa se o rei está nu”. A quem interessa produzir essa cegueira?
O Brasil é um país em que a maioria da população tem baixa escolaridade e se informa basicamente pela TV, pelo rádio e pela internet, esse ambiente que não apenas radicaliza a mistura de entretenimento e informação mas promove a circulação ininterrupta de informações falsas e verdadeiras, que chegam a confundir mesmo quem tem formação adequada para distingui-las. As redes sociais poderiam ser um espaço de debate e esclarecimento, mas tendem a reproduzir guetos de autoconvencimento, num contexto social de rejeição ao diálogo. Sobretudo quando são operadas por certos movimentos organizados, interessados em instrumentalizá-las para atingir seus objetivos.
(…) Desde que estourou o caso do Mensalão, em 2005, esta mídia veio identificando a corrupção ao PT, como se “nunca antes na história deste país” tivéssemos vivido situação semelhante. (…) O vínculo “corrupção = PT”, que ganhou força adicional por atingir um partido que surgiu e cresceu com a promessa de inaugurar “outra história” na política brasileira, foi trabalhado ao longo de uma década e produziu o antipetismo cego, componente essencial do discurso de ódio que se espalhou nas manifestações pelo impeachment. (…)
Despolitizar a questão da corrupção, transformá-la numa cruzada moral, instilar o medo e excitar o ódio sempre formaram o roteiro para desestabilizar governos minimamente comprometidos com as causas sociais. O processo que resultou no golpe atual envolve dois elementos novos: o primeiro é o próprio mal-estar causado pela ascensão de um ex-retirante nordestino ao cargo mais alto da República, algo que a elite jamais engoliu. O outro são a ampliação e a melhoria das condições econômicas da “classe C” durante os tempos de prosperidade dos governos petistas: a exploração da frustração da classe média diante da perda de certas distinções – ter de compartilhar espaços antes exclusivos em aeroportos e universidades, por exemplo – fez brotar aquilo que o famoso deputado detonador do Mensalão chamou de “instintos mais primitivos”, extravasados nas maciças manifestações de rua, nas varandas gourmet e nas redes sociais.
(…) Perceber como a mídia, sobretudo os meios eletrônicos, manipula as emoções do público é fundamental para entender o ponto a que chegamos. Mas, se, como afirmava Espinosa, uma paixão – no caso, o ódio – só pode ser vencida por outra paixão mais forte, é preciso trabalhar sobre elas e quebrar resistências para tentar reverter esse quadro.
Como sabemos, os princípios clássicos do jornalismo derivam do ideal iluminista de esclarecimento. Oferecer informações verdadeiras, contextualizá-las, abrir espaço ao confronto de ideias é fundamental para a formação da opinião. Mas essa aposta na razão sempre se frustra se não há a disposição de ouvir.
No clássico A psicologia de massas do fascismo, escrito em 1933 – portanto, no processo de ascensão do nazismo na Alemanha –, Wilhelm Reich perguntava-se por que, até então, não se haviam estudado as razões pelas quais, há milênios, as pessoas aceitam a exploração, a humilhação, a escravidão. Não se trata, naturalmente, de indagar por que se submetem contra a vontade a uma força mais poderosa, mas de saber por que aceitam a dominação, a ponto de naturalizá-la. Mais ainda: por que participam ativamente do processo que resultará na própria submissão.
É uma questão que não pode ser respondida apenas com a abordagem tradicional sobre o poder da ideologia. Ou melhor: é uma questão que exige articular essa abordagem a algo mais profundo, que são as estruturas psicológicas das pessoas numa determinada época. Ao estudar o fenômeno do fascismo, Reich observou que ele só poderia prosperar num ambiente social e psicológico receptivo àquele tipo de propaganda, e que expressava a mentalidade do “Zé Ninguém”, um ser subjugado, sedento de autoridade e, ao mesmo tempo, revoltado. Assinalou a habilidade de Hitler em manejar as emoções desse público, através da tática – expressa no Mein Kampf – de evitar ao máximo uma argumentação objetiva: o fundamental era explorar frustrações e ressentimentos e martelar o grande objetivo final como recompensa. Precisamente, aliás, o que fez Donald Trump quase um século depois, ao prometer “make America great again”, e ganhar a Casa Branca.
(…) Perguntar por que acreditamos no que acreditamos, perceber a força do auto-engano é o ponto de partida para tentarmos entender e buscar superar a nossa tendência a viver num mundo feito de sombras. Dependendo da qualidade da nossa formação e da informação que recebemos, estaremos mais ou menos habilitados para o exercício dessa crítica. Pois, como Laerte sintetizou numa de suas notáveis charges, “em terra de cego ninguém se importa se o rei está nu”. A quem interessa produzir essa cegueira?
O Brasil é um país em que a maioria da população tem baixa escolaridade e se informa basicamente pela TV, pelo rádio e pela internet, esse ambiente que não apenas radicaliza a mistura de entretenimento e informação mas promove a circulação ininterrupta de informações falsas e verdadeiras, que chegam a confundir mesmo quem tem formação adequada para distingui-las. As redes sociais poderiam ser um espaço de debate e esclarecimento, mas tendem a reproduzir guetos de autoconvencimento, num contexto social de rejeição ao diálogo. Sobretudo quando são operadas por certos movimentos organizados, interessados em instrumentalizá-las para atingir seus objetivos.
(…) Desde que estourou o caso do Mensalão, em 2005, esta mídia veio identificando a corrupção ao PT, como se “nunca antes na história deste país” tivéssemos vivido situação semelhante. (…) O vínculo “corrupção = PT”, que ganhou força adicional por atingir um partido que surgiu e cresceu com a promessa de inaugurar “outra história” na política brasileira, foi trabalhado ao longo de uma década e produziu o antipetismo cego, componente essencial do discurso de ódio que se espalhou nas manifestações pelo impeachment. (…)
Despolitizar a questão da corrupção, transformá-la numa cruzada moral, instilar o medo e excitar o ódio sempre formaram o roteiro para desestabilizar governos minimamente comprometidos com as causas sociais. O processo que resultou no golpe atual envolve dois elementos novos: o primeiro é o próprio mal-estar causado pela ascensão de um ex-retirante nordestino ao cargo mais alto da República, algo que a elite jamais engoliu. O outro são a ampliação e a melhoria das condições econômicas da “classe C” durante os tempos de prosperidade dos governos petistas: a exploração da frustração da classe média diante da perda de certas distinções – ter de compartilhar espaços antes exclusivos em aeroportos e universidades, por exemplo – fez brotar aquilo que o famoso deputado detonador do Mensalão chamou de “instintos mais primitivos”, extravasados nas maciças manifestações de rua, nas varandas gourmet e nas redes sociais.
(…) Perceber como a mídia, sobretudo os meios eletrônicos, manipula as emoções do público é fundamental para entender o ponto a que chegamos. Mas, se, como afirmava Espinosa, uma paixão – no caso, o ódio – só pode ser vencida por outra paixão mais forte, é preciso trabalhar sobre elas e quebrar resistências para tentar reverter esse quadro.
Como sabemos, os princípios clássicos do jornalismo derivam do ideal iluminista de esclarecimento. Oferecer informações verdadeiras, contextualizá-las, abrir espaço ao confronto de ideias é fundamental para a formação da opinião. Mas essa aposta na razão sempre se frustra se não há a disposição de ouvir.
- Professora de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense. Artigo publicado originalmente no Suplemento Pernambuco, condensado pela autora para o Tijolaço.
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