O constrangimento do armário Publicitário gay omite orientação sexual para doar sangue à tia doente
O publicitário Bruno Diniz, 25, foi impedido de participar de uma campanha de doação de sangue por sua "aparência"
Publicitário omite homossexualidade para doar sangue a tia com leucemia
Para conseguir doar sangue para a tia internada por causa de uma leucemia, o publicitário Bruno Diniz, 25, se viu obrigado a omitir sua homossexualidade. Isso porque uma portaria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que é alvo de uma ação de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal), impede homens gays de doarem sangue por até 12 meses após terem relações sexuais.
Antes de saber da restrição, Diniz foi impedido de participar de uma campanha de doação de sangue realizada dentro da universidade em que estudou. "Em nenhum momento me perguntaram se eu era homossexual nem mesmo se eu tive ou não relação com outro homem. Apenas me falaram que não tinha o perfil desejado para um doador", lembra ele, que classificou a experiência como "constrangedora". "Me senti humilhado por saber que estava sendo excluído única e exclusivamente por ser gay."
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Na ocasião, o publicitário chegou a prometer a si mesmo que não iria tentar doar sangue nunca mais. Mas acabou quebrando a promessa em prol de sua tia. "Precisava arriscar", disse ele, que conta que inconscientemente acabou mascarando a sua própria personalidade para evitar ser rejeitado mais uma vez. E deu certo. "É algo inadmissível. Até porque há muitos gays que não aparentam ser o que são e há muitos héteros que aparentam ser gays, mas não são."
Eu não precisaria ter que mentir se o Brasil fosse um país mais justo. Doar sangue não é um direito, mas um dever de todo e qualquer cidadão e os gays também são cidadãos"
Como funcionam as doações de sangue no país?
Quem já doou sangue alguma vez na vida sabe que antes da coleta do material é obrigatório passar por uma triagem. Cara a cara com um profissional de saúde, você é submetido a uma enxurrada de perguntas que variam desde os seus costumes alimentares até o histórico de doenças familiares, as suas práticas sexuais e aos seus hábitos (se pratica exercícios, se fuma ou usa drogas).
"Se um homem disser que fez sexo com outro homem em um período de 12 meses, ele é informado que não se encaixa no perfil de um doador", afirma a enfermeira que há 12 anos trabalha em bancos de sangue de São Paulo, que preferiu não revelar o nome. "Já fui acusada de preconceito várias vezes, mas sempre mostro as normas brasileiras para justificar a minha postura."
Atualmente, as regras gerais de doação de sangue no país são definidas pela portaria 158/2016, do Ministério da Saúde, e pela resolução 34/2014, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Mas há algumas práticas comuns em bancos de sangue espalhados pelo Brasil, que não estão descritas nas normas e nem são de conhecimento do grande público.
Segundo a enfermeira paulista, diante da desconfiança de mentiras na triagem, o candidato é classificado como "alto risco". Nesses casos, como ela aponta, a coleta do sangue é realizado normalmente, assim como os exames. Mas a bolsa acaba sendo descartada como uma "medida de segurança aos receptores", mesmo se os testes não apresentarem qualquer irregularidade. "Com o tempo você acaba exercendo uma habilidade para descobrir as mentiras, mas essa não deixa se ser uma avaliação subjetiva."
A triagem clínico-epidemiológica dos doadores, de acordo com a Avisa, é essencial para minimizar o risco de transmissão de doenças infecciosas pelo vírus HIV, hepatites B e C, HTLV I/II, doença de Chagas, sífilis, malária, entre outras.
"A partir de 1988, com a introdução dos testes de triagem laboratorial houve uma drástica redução do risco transfusional por essas doenças infecciosas, embora não o tenha eliminado completamente", alerta a Anvisa, que associa os riscos residuais à chamada janela imunológica --período entre a infecção pelo vírus e a produção de marcadores detectáveis pelos testes laboratoriais.
Com os métodos sorológicos atualmente utilizados no país, a janela imunológica para a infecção pelo HIV é de aproximadamente 14 a 22 dias. Mas, com o intuito de aumentar a segurança transfusional, em 2013, o Ministério da Saúde tornou obrigatória a execução de testes de biologia molecular (NAT, na sigla em inglês) para a detecção de HIV e Hepatite C. "Reduzindo ainda mais a janela diagnóstica, por exemplo, com aproximadamente, 10 dias para HIV", acrescentou a Anvisa.
Preconceito ou segurança?
O STF volta a discutir nesta quarta-feira (24) a constitucionalidade ou não da restrição a homens que fizeram sexo com outros homens no período de 12 meses. A sessão da última semana terminou com o voto do ministro relator Edson Fachin, que afirmou que a medida representa uma forma de discriminação. Algo que, segundo ele, é inconstitucional por contrariar princípios dos direitos humanos.
Orientação sexual não contamina ninguém, o preconceito, sim"
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que os critérios de inaptidão da Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados não se resumem aos chamados HSH (homens que fazem sexo com outros homens). Segundo o órgão, as restrições estão associadas a práticas e situações de risco, que incluem portadores de diabetes, vítimas de estupro, profissionais do sexo, indivíduos com "piercing" ou tatuagens, parceiros sexuais de hemodialisados, aqueles que viajaram para regiões com alta prevalência epidemiológica de malária, entre outros.
"Uma das práticas sexuais vulneráveis aos riscos de transmissão de doenças pelo sangue, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), é a relação sexual entre homens", cita o Ministério da Saúde, que acrescenta:
As probabilidades de infecção pelo HIV são 19,3 vezes superiores para homens que fazem sexo com outros homens, em relação às dos homens na população em geral"
Para Paulo Iotti, presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, a restrição classifica um grupo, mas não uma prática como sendo de risco. "Não interessa o grupo da qual você faz parte, mas sim a prática sexual", afirma o advogado, que aponta uma série de incompatibilidades nas restrições adotadas pelo Ministério da Saúde.
"Por que um homem heterossexual que tenha feito sexo sem camisinha pode doar sangue e um homossexual que usa preservativo é vetado?", questiona ele, que define a restrição como "preconceito".
A presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), Symmy Larrat, ressalta que a Aids não atinge apenas os homossexuais e até reconhece que os riscos de transmissões são maiores no sexo anal. "Mas quem diz que mulheres não fazem sexo anal? Por que elas não são indagadas sobre essa prática sexual assim como os gays?", diz ela, que acrescenta a possibilidade de homens e mulheres contraírem o vírus praticando ou não o sexo anal. "A vulnerabilidade está em fazer sexo sem proteção, portanto, essa deveria ser a restrição."
O Ministério da Saúde, por sua vez, alega que a orientação sexual não é usada como critério para a seleção de doadores de sangue. "Nota-se que não há restrição epidemiológica para doação de sangue por mulheres lésbicas visto que o perfil de risco não difere da população em geral", argumenta o órgão, que afirma que a "questão não envolve preconceito, mas sim a avaliação epidemiológica das populações (...) e as evidências técnico-científicas".
"Ainda que o Ministério alegue que não seja uma proibição a homossexuais, vincular à restrição a prática de sexo em 12 meses é o mesmo que uma proibição", afirma Iotti, que diz não entender o porquê da restrição estendida já que a "janela imunológica" é de 10 dias.
Mas a Anvisa e o Ministério da Saúde alegam adotar a "margem de segurança" recomendada pela OMS e da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde). Período que também é adotado para quem tenha feito sexo casual com um desconhecido, vítimas de estupro e seus parceiros, para quem se prostitui, foi preso, tenha feito uma cirurgia ou uma tatuagem recentemente.
copiado https://noticias.uol.com.br
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