Nove décadas de todos nós

27/03 às 20h37

Nove décadas de todos nós

Jornal do BrasilGilson Caroni Filho
É claro que a discriminação cívica  dos comunistas não foi um fenômeno peculiar. Ela se inseriu como  um dos aspectos particulares daquele que, durante muito tempo, foi um padrão constante da formação social brasileira: a exclusão das massas trabalhadoras do processo político. A negação da vida pública aos partidos de esquerda fez parte da negação maior realizada sistematicamente pelas classes dominantes brasileiras: a tentativa de impedir e ou neutralizar a intervenção do povo na nossa história.
Entretanto, este aspecto  particular da tradicional natureza antidemocrática , antipopular e excludente da ordem política brasileira revestiu-se de um sentido absolutamente decisivo no processo de declínio histórico do regime implantado com o golpe de 1964. E pelo que contém de pedagógico não podemos deixar de passar em branco esse ponto.
A  nossa experiência política revela a que serviu a interdição da legalidade aos comunistas. Todos sabem que o anticomunismo e a repressão a seus quadros foram o pretexto  e o vestíbulo ao cerceamento de todas as correntes do pensamento progressista, uma espada de Dâmocles, que  se manteve suspensa sobre todas as cabeças que exercitaram o dever de dissentir, de discutir e de projetar um futuro diferente a partir do presente transformado. No momento em que o capital financeiro, apoiado pelas grandes corporações midiáticas, dissolve conquistas históricas da classe trabalhadora europeia, a lembrança viva desse passado recente é um imperativo democrático para brasileiros e demais povos sul-americanos.
Sempre é bom recordar que  a luta pela  livre organização e a legalização das mais diversas correntes de opinião concentrou muitas das determinações da questão democrática brasileira. Nestas condições, a luta dos comunistas foi pertinente a todas as forças democráticas. O impedimento de existência legal do PCB significou para elas uma restrição, uma ameaça, um instrumento de chantagem.
O partido que contou com quadros da  estatura de  João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Diógenes Arruda Câmara e Luís Carlos Prestes condensou a consciência possível de uma parcela expressiva das populações trabalhadoras da cidade e do campo e as melhores tradições de nossa intelectualidade. Apesar dos erros cometidos e dos percalços de seu itinerário, instaurou-se como uma constelação política nacional, como uma vontade política genuinamente nacional.
Combateu por uma legislação social justa, pela defesa da industrialização, pelo monopólio estatal do petróleo, pela educação pública fundamental e superior, pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, pela proteção à infância, contra a discriminação racial, religiosa e cultural, contra todas as formas de censura e  obscurantismo, pela democratização  da vida social e por melhores condições sociais para todos os trabalhadores. Estiveram presentes na campanha das  Diretas Já, contribuindo para o avanço da luta democrática. O aporte que ofereceram à cultura  e às ciências históricas e sociais com a difusão pioneira do marxismo é de uma relevância íntima.
Vinculados à solidariedade internacional, lutaram contra o fascismo espanhol e denunciaram sempre o colonialismo. Deram seu sangue nos campos de batalha da Itália e nas câmaras das ditaduras que macularam a dignidade nacional. Se entendemos o socialismo como desejo  e tarefa de homens e mulheres, como obra coletiva dos trabalhadores, devemos reverenciar a trajetória de homens como Mário Alves, Gregório Bezerra, Henrique Cordeiro e Apolônio Carvalho entre tantos outros. Eventuais divergências táticas não justificam o esquecimento de atores que lutaram pela democracia como valor estratégico.
Ao presenciarmos a ação de sistemas despolitizantes que pretendem reduzir questões sociais e políticas públicas a problemas técnicos, que devem ser elucidados mediante a interação entre cúpulas de organismos multilaterais, agências de risco e corporações midiáticas, precisamos resgatar o legado dos que lutaram por uma vida à luz do dia, regida pelas normas de convivência pluralista e democrática.   Viva a paz ! Viva a democracia! Viva o socialismo!
Gilson Caroni Filho, professor, é sociólogo. - Gilson.filhobr@terra.com.br

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