Calendário com transformistas em cenas clássicas gera polêmica no CE
Foto
que remonta o quadro "Santa ceia" de Leonardo Da Vinci, ilustra o mês
de abril no calendário com atores vestidos de mulheres
Foto: Translendário / Divulgação
Leonardo Heffer Do NE10/Ceará
12 páginas, obras de arte universais e travestis. Com apenas esses três ingredientes, estava pronta a nova polêmica gerada nesta quarta-feira (8) no Ceará.
Com o nome de "Translendário" (junção dos nomes travestis e
calendário), a publicação é um calendário de 2012, desses comuns, que se
penduram em paredes. O diferencial está nas fotos.
Representações de obras de arte como "Pietá" e "A criação", de Michelangelo, e "A última ceia", de Leonardo Da Vinci, ganharam versões fotográficas com travestis no lugar dos personagens principais. As imagens iconográficas ligadas à religião foram o estopim para a polêmica gerada na Assembleia Legislativa. Em discurso, o deputado Fernando Hugo, do PSDB, declarou estar contra ao calendário e que era uma falta de respeito. "Eles [grupo LGBTT], que tanto querem respeito, deviam primeiro respeitar”, afirmou.
"Nunca pensamos em embate com a igreja nem com a sociedade. Não era nossa intenção criar polêmica", afirmou Silvero Pereira, o idealizador do projeto. Silvero está à frente de um grupo chamado "As Travestidas", que reúne 16 atores que trabalham em cima da temática e da vida dos travestis. O estudo já existe há dez anos e resultou em peças de teatro como "Cabaret da Dama" e "Engenharia Erótica", esse último premiado em diversas capitais do País. Além desse trabalho, o grupo possui vídeos e até mesmo uma banda de música.
"Mas nunca tínhamos feito nada impresso", afirma Silvero. Foi dessa necessidade do coletivo que surgiu a ideia do translendário. As primeiras fagulhas do projeto surgiram em 2010. "Foram reuniões, conversas com os integrantes do grupo. Queríamos mostrar um lado diferente do marginalizado que todos conhecem. Queríamos criar algo que as pessoas olhassem e não vissem a travesti ou a transformista, mas, sim, a beleza da arte", afirma Silvero.
Confira imagens de Deysianne Piaf nos bastidores do SBT (interpretado por Denis Lacerda, integrante do grupo) e as imagens do calendário:
NASCIMENTO - O projeto nasceu, segundo Silvero, com base no preconceito que ele viu de perto no distrito de Tapuio, localidade onde cresceu, no município de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza. "O distrito tinha muito travesti, e, apesar da gente saber de histórias de relacionamentos com outras pessoas, muitas vezes até casadas, as travestis eram bastante hostilizadas. Pareciam duas realidades diferentes: a da noite, quando aconteciam os fatos, e a do dia, quando havia o preconceito", diz Silvero.
Esse preconceito continuou até mesmo onde ele menos esperava encontrar: nos palcos. "Muito ator faz comédia se vestindo de mulher. Em definição, isso se chama transformismo. A pessoa se veste de um personagem, mas está apenas representando. Mas nem todo mundo é comediante, e muitos amigos atores ganhavam dinheiro na noite, se apresentando como transformistas em boates. Esses meus amigos não eram considerados atores; aquilo que eles faziam não era considerado arte por muitos, inclusive colegas de trabalho".
Foi a partir dessas situações que Silvero resolveu criar um grupo de estudo que levaria às diversas ramificações da arte (teatro, cinema, música) um esclarecimento não só das travestis, mas quem são as transformistas, drag queens e transexuais.
Personagens criadas para o Projeto Engenharia Erótica (Foto: As Travestidas / Divulgação)
RECONHECIMENTO - O grupo não é novo e nem desconhecido. Tem blog na internet, já ganhou prêmios e participou de programas de televisão. Denis Lacerda, ator e integrante do grupo, é a prova disso. No calendário, ele dá vida a Carmem Miranda, estampada no mês de fevereiro em alusão, claro, ao Carnaval. Mas, no dia a dia do grupo, ele interpreta a personagem Deydianne Piaf, que, segundo ele, é a mais divertida e brincalhona.
A personagem já foi destaque inclusive em programas de televisão, onde foi convidado a participar do Programa da Eliana, para falar sobre um vídeo (a parte do grupo "Travestidas") que virou sucesso no YouTube: "Glossário". "Foi um vídeo feito para o curso de publicidade, que falava do dicionário do mundo GLBT, mas que teve mais de 71 mil visualizações", diz Denis.
Veja a participação de Deysianne no Programa da Eliana:
Mesmo com tanto reconhecimento, Denis viu surgir uma polêmica que foi estranha para ele. "Não esperávamos causar tanto burburinho. Não tínhamos intenção nenhuma de ir contra religião ou igreja. Tanto que, do calendário inteiro, apenas três fotos foram vistas com outros olhos", afirma.
De fato, das 12 fotos, três são as causadoras da polêmica. Tanto que não se chegou a ouvir falar das fotos estampadas nos meses de fevereiro ("Carmem Miranda"), março ("Mona"), junho ("A queda do império monocromático), julho ("CrossDress Road"), agosto ("Transvenus"), setembro ("Brazilian Modern"), outubro ("Trava Vitruviana"), novembro ("Trava com brinco de vidrilho") e dezembro ("Merry Trava").
PREFEITURA - Outra polêmica causada foi a logomarca da Prefeitura de Fortaleza no calendário e a informação de que essa tinha dado apoio, inclusive financeiro, ao projeto. Fato que foi negado por Silvero. "A Prefeitura não investiu dinheiro. Tudo veio do nosso bolso; tanto que foram poucos exemplares impressos e todo mundo que participou, desde os atores ao fotógrafo, ninguém recebeu cachê", disse.
Ele atribuiu a possível confusão à história de um cachê que a Prefeitura havia pagado ao grupo. "Somos um grupo de teatro, Se vamos nos apresentar, normalmente recebemos por isso. Fizemos um trabalho para a Prefeitura há um tempo, em uma solenidade voltada para o público GLBT, e recebemos dinheiro pela nossa apresentação. O que decidimos era que esse cachê iria servir para montarmos o calendário, mas em nenhum momento a Prefeitura deu esse dinheiro para fazermos esse trabalho ou participou da decisão".
A Prefeitura também confirmou, por meio de nota, que não repassou verba para o projeto. A participação foi apenas ceder informações sobre datas comemorativas definidas no calendário do Poder Executivo em homenagem ao público GLBT. O trabalho é realizado por meio de políticas públicas pela Coordenadoria da Diversidade Sexual, ligada à Secretaria de Direitos Humanos do município.
POLÊMICA - Depois do pronunciamento na Assembleia Legislativa, o calendário, lançado inclusive três meses antes, ganhou destaque inesperado e de forma negativa para o grupo. "O que queremos é que as pessoas entendam que nada foi pensando para atacar", afirma Denis. "Tudo o que queremos é o fim dessa confusão gerada em cima dessas fotos", diz Silvero. "Queríamos que as pessoas vissem a arte por trás das fotos, não as travestis em detrimento das imagens".
Representações de obras de arte como "Pietá" e "A criação", de Michelangelo, e "A última ceia", de Leonardo Da Vinci, ganharam versões fotográficas com travestis no lugar dos personagens principais. As imagens iconográficas ligadas à religião foram o estopim para a polêmica gerada na Assembleia Legislativa. Em discurso, o deputado Fernando Hugo, do PSDB, declarou estar contra ao calendário e que era uma falta de respeito. "Eles [grupo LGBTT], que tanto querem respeito, deviam primeiro respeitar”, afirmou.
"Nunca pensamos em embate com a igreja nem com a sociedade. Não era nossa intenção criar polêmica", afirmou Silvero Pereira, o idealizador do projeto. Silvero está à frente de um grupo chamado "As Travestidas", que reúne 16 atores que trabalham em cima da temática e da vida dos travestis. O estudo já existe há dez anos e resultou em peças de teatro como "Cabaret da Dama" e "Engenharia Erótica", esse último premiado em diversas capitais do País. Além desse trabalho, o grupo possui vídeos e até mesmo uma banda de música.
"Mas nunca tínhamos feito nada impresso", afirma Silvero. Foi dessa necessidade do coletivo que surgiu a ideia do translendário. As primeiras fagulhas do projeto surgiram em 2010. "Foram reuniões, conversas com os integrantes do grupo. Queríamos mostrar um lado diferente do marginalizado que todos conhecem. Queríamos criar algo que as pessoas olhassem e não vissem a travesti ou a transformista, mas, sim, a beleza da arte", afirma Silvero.
Confira imagens de Deysianne Piaf nos bastidores do SBT (interpretado por Denis Lacerda, integrante do grupo) e as imagens do calendário:
NASCIMENTO - O projeto nasceu, segundo Silvero, com base no preconceito que ele viu de perto no distrito de Tapuio, localidade onde cresceu, no município de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza. "O distrito tinha muito travesti, e, apesar da gente saber de histórias de relacionamentos com outras pessoas, muitas vezes até casadas, as travestis eram bastante hostilizadas. Pareciam duas realidades diferentes: a da noite, quando aconteciam os fatos, e a do dia, quando havia o preconceito", diz Silvero.
Esse preconceito continuou até mesmo onde ele menos esperava encontrar: nos palcos. "Muito ator faz comédia se vestindo de mulher. Em definição, isso se chama transformismo. A pessoa se veste de um personagem, mas está apenas representando. Mas nem todo mundo é comediante, e muitos amigos atores ganhavam dinheiro na noite, se apresentando como transformistas em boates. Esses meus amigos não eram considerados atores; aquilo que eles faziam não era considerado arte por muitos, inclusive colegas de trabalho".
Foi a partir dessas situações que Silvero resolveu criar um grupo de estudo que levaria às diversas ramificações da arte (teatro, cinema, música) um esclarecimento não só das travestis, mas quem são as transformistas, drag queens e transexuais.
Personagens criadas para o Projeto Engenharia Erótica (Foto: As Travestidas / Divulgação)
RECONHECIMENTO - O grupo não é novo e nem desconhecido. Tem blog na internet, já ganhou prêmios e participou de programas de televisão. Denis Lacerda, ator e integrante do grupo, é a prova disso. No calendário, ele dá vida a Carmem Miranda, estampada no mês de fevereiro em alusão, claro, ao Carnaval. Mas, no dia a dia do grupo, ele interpreta a personagem Deydianne Piaf, que, segundo ele, é a mais divertida e brincalhona.
A personagem já foi destaque inclusive em programas de televisão, onde foi convidado a participar do Programa da Eliana, para falar sobre um vídeo (a parte do grupo "Travestidas") que virou sucesso no YouTube: "Glossário". "Foi um vídeo feito para o curso de publicidade, que falava do dicionário do mundo GLBT, mas que teve mais de 71 mil visualizações", diz Denis.
Veja a participação de Deysianne no Programa da Eliana:
Mesmo com tanto reconhecimento, Denis viu surgir uma polêmica que foi estranha para ele. "Não esperávamos causar tanto burburinho. Não tínhamos intenção nenhuma de ir contra religião ou igreja. Tanto que, do calendário inteiro, apenas três fotos foram vistas com outros olhos", afirma.
De fato, das 12 fotos, três são as causadoras da polêmica. Tanto que não se chegou a ouvir falar das fotos estampadas nos meses de fevereiro ("Carmem Miranda"), março ("Mona"), junho ("A queda do império monocromático), julho ("CrossDress Road"), agosto ("Transvenus"), setembro ("Brazilian Modern"), outubro ("Trava Vitruviana"), novembro ("Trava com brinco de vidrilho") e dezembro ("Merry Trava").
PREFEITURA - Outra polêmica causada foi a logomarca da Prefeitura de Fortaleza no calendário e a informação de que essa tinha dado apoio, inclusive financeiro, ao projeto. Fato que foi negado por Silvero. "A Prefeitura não investiu dinheiro. Tudo veio do nosso bolso; tanto que foram poucos exemplares impressos e todo mundo que participou, desde os atores ao fotógrafo, ninguém recebeu cachê", disse.
Ele atribuiu a possível confusão à história de um cachê que a Prefeitura havia pagado ao grupo. "Somos um grupo de teatro, Se vamos nos apresentar, normalmente recebemos por isso. Fizemos um trabalho para a Prefeitura há um tempo, em uma solenidade voltada para o público GLBT, e recebemos dinheiro pela nossa apresentação. O que decidimos era que esse cachê iria servir para montarmos o calendário, mas em nenhum momento a Prefeitura deu esse dinheiro para fazermos esse trabalho ou participou da decisão".
A Prefeitura também confirmou, por meio de nota, que não repassou verba para o projeto. A participação foi apenas ceder informações sobre datas comemorativas definidas no calendário do Poder Executivo em homenagem ao público GLBT. O trabalho é realizado por meio de políticas públicas pela Coordenadoria da Diversidade Sexual, ligada à Secretaria de Direitos Humanos do município.
POLÊMICA - Depois do pronunciamento na Assembleia Legislativa, o calendário, lançado inclusive três meses antes, ganhou destaque inesperado e de forma negativa para o grupo. "O que queremos é que as pessoas entendam que nada foi pensando para atacar", afirma Denis. "Tudo o que queremos é o fim dessa confusão gerada em cima dessas fotos", diz Silvero. "Queríamos que as pessoas vissem a arte por trás das fotos, não as travestis em detrimento das imagens".
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