A Grécia vai sair do euro?

tempo e a memória
MÁRIO SOARES

A Grécia vai sair do euro?

por MÁRIO SOARESHoje
1. Há muitos comentadores portugueses e estrangeiros que o pensam e dizem, abertamente. Krugman, prémio Nobel da Economia, no seu blogue do New York Times, num artigo recente, escreveu: "Não dou mais do que um mês para a Grécia sair do euro." E a Senhora Christine Lagarde, presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), que fala pelos cotovelos, com algumas contradições pelo meio, também disse que não havia outra solução: a Grécia tinha de sair do euro e da própria União.
Contudo, modestamente o digo, penso o contrário. Porquê? Porque a Grécia é um símbolo e se isso acontecesse a União Europeia entraria em grande convulsão. Ninguém, com um mínimo de sensibilidade política, pode querer um tal desfecho.
O novo Presidente da República francês, François Hollande, disse-o claramente, no seu discurso de posse. Cito: "Quero levantar a França na Justiça; abrir uma nova via na Europa; contribuir para a paz no Mundo; e preservar o Planeta." Na visita que fez a Berlim, a convite da chanceler Merkel, no próprio dia da sua tomada de posse - o que alguns comentadores consideraram como um ato de subserviência, mas não foi -, a carregada agenda que os dois têm nas próximas semanas explica-o com muita clareza. Aliás, na escassa hora que tiveram de conversa, ambos disseram: "Que os gregos devem continuar na Zona Euro." A Senhora Merkel até foi mais longe: "Uma dívida comum tem responsabilidades comuns." Não podia ser mais clara depois de tantas tergiversações...É certo que acabara de sofrer uma grande derrota no maior Land alemão, Renânia do Norte-Vestefália. E os seus rivais sociais-democratas alemães, bem como os verdes, começaram a falar forte, tomando posições muito próximas de Hollande, o que a deve ter feito pensar que está cada vez mais isolada... O encontro que Hollande teve com o Presidente Obama foi, como disseram, uma conversa entre aliados e amigos, que temem a austeridade e trabalham para haver menos recessão e baixar o desemprego.
A Grécia tem sete fôlegos e apesar das divisões político-partidárias internas, que complicam a situação, sabe que a Alemanha tem grandes culpas no cartório e, portanto, in extremis não lhe convém nada que venham ao de cima. Por outro lado, a Grécia fora do euro provocaria demasiados contágios e empurrava o euro - e a própria União - em queda direta para o abismo. Quem é que tem a coragem de assumir uma tal responsabilidade? Os gregos sabem o que estão a fazer e, como é conhecido, querem, maioritariamente, continuar no euro.
O próximo mês de junho vai necessariamente trazer-nos algumas surpresas. A política vai mexer muito e talvez, acho eu, comece a dominar os mercados usurários, como é indispensável que ocorra para passarmos a ver a luz ao fundo do túnel. Tenhamos, pois, esperança e façamos por isso!
2. Hollande vira a página
Na sua tomada de posse, como o segundo Presidente Socialista da França, François Hollande confirmou, com meridiana clareza, o que tinha dito durante a campanha eleitoral. O modelo de François Mitterrand, está-lhe no pensamento e sabe que tem de mudar radicalmente a política, não só da França como da Europa. E para tanto tem aliados preciosos, como os sociais-democratas e os verdes alemães, dado que ambos querem mudar a situação política e o problema ambiental que a União, infelizmente, deixou cair, e os socialistas de quase todos os países europeus, mesmo os mais envergonhados, por terem acreditado na "terceira via", os democratas italianos, que deixaram de ser comunistas e socialistas e mesmo os democratas-cristãos, que ainda existem e não se transformaram em populistas e neoliberais, ignorando em absoluto, apesar de se dizerem católicos, a doutrina social da Igreja...
Laurent Joffrin, no seu último artigo no Nouvel Observateur, comparou François Hollande com Franklin Roosevelt - elogiosa e grande comparação! - pondo em relevo o New Deal como uma lição preciosa para hoje vencermos a crise com que a Europa está confrontada e com a necessidade de reinventar a social- -democracia, do que tenho várias vezes falado nestas crónicas. Cito: "Afrontando as resistências da Di-reita e da Direita extrema neonazi, muito agressiva, como se viu em Londres, Paris e na Alemanha, mas também os preconceitos da Esquerda, dita radical e anarco-populista. E conclui: "É preciso manter o sistema capitalista - é o único que funciona - tendo em conta os interesses sociais dos pobres e fazendo pagar os ricos, sem desencorajar os empresários."
O facto de François Hollande - e seus ministros - terem começado por diminuir os seus próprios honorários, é um bom exemplo para as instituições europeias e para a União. Veremos como tudo vai evoluir. Porque o tempo das mudanças progressistas, finalmente, parece ter chegado.
Portugal tem uma enorme tradição africana. Praticamente única. Foi o primeiro Estado europeu a viajar e a conhecer África, como os seus dedos, tratando os africanos, quando lhes fez filhos, de igual para igual. Depois da II Guerra Mundial - e do movimento da descolonização - foi o último país europeu, devido à teimosia cega de Salazar, a abandonar o chamado império (onde o ditador nunca foi) ou, como no final lhes chamou, o Ultramar. Com efeito, o ditador que nos governou por 48 anos e o seu sucessor, Marcelo Caetano, foram os principais responsáveis por treze anos de "guerras coloniais" cruentas, que não tinham solução militar, como se provou, e a abandonar, quase sem resistência, o chamado Estado Português da Índia, quando teria sido possível uma solução negociada.
Deveu-se à "Revolução dos Cravos" - e portanto aos militares de Abril e, depois, aos do 25 de Novembro de 75 - a abertura de negociações conducentes à paz e ao reconhecimento do direito à autodeterminação, como a ONU proclamava. A descolonização impunha-se para se chegar, como rapidamente se conseguiu, à normalização democrática, pluralista e civilista de Portugal, à entrada, de pleno direito, de Portugal na então CEE, hoje União Europeia, e a um período de grande desenvolvimento e de bem-estar social que durou nos últimos vinte e tal anos.
Depois das independências criou-se a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) uma associação que não é só de língua - embora o seja - ou de negócios, como muitos pensam -, sobretudo em tempo de crise, que hoje vivemos, mas, essencialmente, de afeto, de solidariedade, de ligações das diferentes culturas, embora com raízes comuns, de liberdade religiosa, do conhecimento e do modo de ser e de estar.
A CPLP difere da Commonwealth como inicialmente alguns terão pensado, porque representa um modelo muito diferente. Na Com-monwealth, há um Estado mentor, o Reino Unido, que, por isso, nunca quis que a América do Norte lá entrasse, apesar de ser uma antiga colónia inglesa. Enquanto na CPLP o Brasil está - e gostamos muito que esteja - sempre presente, porque ao mesmo tempo foi uma colónia portuguesa e também a capital do extenso império português, enquanto D. João VI esteve no Brasil. Quando regressou a Lisboa, por imposição das Cortes, foi o seu filho D. Pedro IV português e I do Brasil, que declarou: "fico", e com esse grito proclamou a independência do Brasil, sem efusão de sangue.
As relações entre Portugal e Brasil nunca foram por isso conflituosas. Foram e são, em virtude do nosso passado comum, de grande fraternidade. Como as que temos hoje, felizmente, com Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné- -Bissau, Cabo Verde - e também Timor -, porque todos nos batemos, no tempo do colonialismo, contra o mesmo inimigo comum: a ditadura de Salazar e de Caetano. Certamente por isso a amizade entre os Povos da CPLP é hoje tão fraterna, independentemente das diferenças políticas e económicas.
4. Timor - 10 anos de independência
Com a presença do Presidente Cavaco Silva, comemorou-se no sábado passado dez anos de independência de Timor-Leste. Tive a honra de ser convidado pelo Presidente Ramos--Horta e, depois, pelo Presidente Cavaco Silva, para ir a Timor participar nessa comemoração, com tanto significado para Timor-Leste e para Portugal, Estados irmãos. Gostaria de ter ido, tanto mais que Timor é o único Estado ex-colónia de Portugal que não conheço. Mas a verdade é que não me sentia com forças para fazer uma tão longa viagem, para lá e para cá, em tão poucos dias.
Sempre fui um apaixonado pela Causa de Timor. E fui, como alguns timorenses testemunharam, dos portugueses que sempre foram solidários com os que se bateram, corajosamente, por essa justa Causa. Os textos dos dez volumes de Intervenções, que publiquei enquanto Presidente, ao longo de dez anos, aí estão para o testemunhar. No discurso de investidura, de 9 de março de 1986, na Assembleia da República, intitulado "Unir os Portugueses, Servir Portugal", não deixei de exprimir a minha preocupação relativamente a Timor-Leste afirmando a necessidade "de lutar, na medida das nossas possibilidades, pelo direito imprescindível do Povo de Timor-Leste à autodeterminação e à independência". E assim fiz, sempre em todos os momentos em que referi Timor - e muitos foram - em Portugal e no Estrangeiro. Nunca esqueci, nessas ocasiões, o caso de Timor, mesmo quando alguns portugueses e estrangeiros deixaram de acreditar na independência de Timor.
Aliás, os timorenses que se bateram, dentro e fora de Timor, sabem bem disso, como podem testemunhar Xanana Gusmão e Ramos- -Horta, entre outros. Uma vez conseguida a independência, a Fundação Mário Soares tudo fez para conservar e estudar a documentação histórica relativa à resistência, parte da qual veio para Portugal, por vontade expressa de alguns dirigentes que tanto admiro. Agora que se inaugurou o Arquivo & Museu da Resistência Timorense, na capital, em Díli, Alfredo Caldeira, apaixonado por Timor, está a representar a Fundação bem como alguns dos colaboradores que levou consigo. Estão em Timor para ajudar no que podem e para que se recupere a memória da gesta da resistência, que tanto honra o Povo Timorense.
De longe, infelizmente, tenho procurado seguir a jornada histórica que se vive em Timor. Formulo os melhores votos para que tudo corra o melhor possível, como o heroico Povo de Timor merece.
5. Faleceu Carlos Fuentes
Um grande escritor mexicano, émulo de Octávio Paz, diplomata e prémio Nobel que conheci bem, Carlos Fuentes é outra figura cívica e literária universal que ultrapassou em muito a cultura ibero-americana tendo ganho, entre outros, os prémios Cervantes e Príncipe das Astúrias.
Também o conheci há muitos anos, no México, pela mão do meu velho amigo e correligionário, o embaixador Porfírio Muñoz Ledo, professor universitário e conhecido político e reputado ensaísta. Encontrei-o depois - já leitor apaixonado de alguns dos seus livros, como Contra Bush, Aquilo em Que Acredito, um livro essencial para conhecer o seu pensamento, Constância e Outras Novelas para Virgens, El Naranjo, Todas as Famílias Felizes, etc. - na Bélgica, quando Muñoz Ledo era embaixador do México em Bruxelas e nos convidou a ambos para almoçar. Foi toda uma tarde muito divertida.
Em certa altura, Porfírio perguntou a Carlos Fuentes: "Sabes qual o pseudónimo com que o Mário assinava, quando estava exilado, os artigos que publicava na revista Ibérica, dirigida por Victoria Kent e que saía regularmente em Nova Iorque?" Não sabia, claro. Então respondeu: "Imagina, era Carlos Fontes"...
Carlos Fuentes, o verdadeiro, fez uma pausa e afirmou: "Pois bem, como as coisas se estão a azedar no México, se tiver de vir a exilar-me escrevo sob o pseudónimo de Mário Soares"... Todos rimos. Foi a última vez que o vi. Mas segui sempre a sua fabulosa carreira de cidadão, de grande escritor universal e de humanista, que tanto e sempre admirei.
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