Almoço com Manuel Damásio: "Quem fala português não tem de ser pobre e analfabeto"

Almoço com Manuel Damásio

 

"Não há nada decidido, nem no céu nem no inferno, que quem fala a língua portuguesa tenha de ser pobre e analfabeto"

Almoço com Manuel Damásio
Quando chego ao Hotel Radisson Blu, vizinho da Universidade Lusófona, Manuel Damásio, presidente do conselho de administração do Grupo Lusófona, está no bar, sentado numa poltrona, a matar a sede com uma água gelada. A temperatura está quente, muito quente, para um dia de junho. "Então ouvi dizer que vai mudar de vida", diz-me em tom provocatório. "Sabe, eu também sou do Sporting e o meu genro é administrador da SAD", acrescenta.
Depois de alguma conversa de circunstância, dirigimo-nos à mesa. É nessa altura que damos de caras com Jorge Silva Carvalho, ex--agente dos serviços secretos portugueses, que almoça na mesa mesmo atrás de nós. É o suficiente para passarmos o tempo que se segue a olhar por cima do ombro. É que "espião uma vez, espião para sempre". Escolhemos seguir a sugestão do chef e optamos pelo buffet. Sopa, entradas frias, bacalhau e carne assada, fruta e café. É tudo quanto precisamos para temperar a conversa.
A aventura no negócio do ensino superior privado começou logo após o 25 de Abril, mal o regime democrático entrou em processo de estabilização. Depois de um percurso profissional ligado à gestão de empresas, Manuel Damásio esteve na fundação da Universidade Livre em 1977. Interrompo para perguntar se o ensino superior privado é um bom negócio. A resposta é esclarecedora. "Neste momento não. Estamos em crise e portanto há falta de alunos. Porque se estivéssemos em 1980 ou 1990 eu diria que era uma atividade que tinha muita procura. Portanto, quando há muita procura, se a oferta for de qualidade, é evidente que será um bom negócio."
Adepto confesso da chamada "reforma de Bolonha, Manuel Damásio responde aos detratores do processo de equivalências e créditos dizendo que "hoje já existem reflexos no país. Tínhamos uma situação miserável em termos da qualificação dos nossos recursos humanos, que têm melhorado substancialmente nos últimos anos mercê diretamente de Bolonha ou daqueles que, sendo contra Bolonha, sentiram necessidade de fazer qualquer coisa para não serem facilmente atacados".
Foi precisamente com recurso ao que Bolonha passou a permitir que o ex-ministro Miguel Relvas obteve a sua licenciatura pela Universidade Lusófona, entretanto mandada retirar por decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa. "A decisão da Justiça é douta, mas eu não concordo com ela." Manuel Damásio não tem dúvidas de que este processo teve "um alvo político e nós fomos o dano colateral". "Causou-nos danos significativos em termos de épocas de matrículas. Em determinadas épocas de matrículas, os factos coincidiam, propositadamente ou não. A crise nesse caso do ex-ministro Miguel Relvas acontece em julho, isto é a época das matrículas." À pergunta se se arrepende de alguma coisa em todo este processo, Manuel Damásio é categórico e nem hesita na resposta: "Nada. Nada. Nada. Nada. Nada." Mas terá a Lusófona feito tudo bem? "Eh pá, fez o melhor que pôde [risos]. Agora, se foi tudo bem? Do meu ponto de vista, a universidade tudo o que fez foi razoavelmente bem feito. Muito embora, eventualmente, estivéssemos no início do processo e o próprio reitor, logo no Expresso, nessa altura, escreveu um artigo a dizer que estávamos a iniciar um caminho, e a caminhar também se aprende. Isso, certamente, significa que, se calhar, há algumas coisas que podiam ser mais burocratizadas. No fundo isto é tudo papéis e mais papéis." É por isso que Manuel Damásio discorda da decisão judicial de retirar o grau de licenciado a Miguel Relvas. "A licenciatura deve ser mantida, deve ser certificada e o aluno, o antigo aluno, fez aquilo que lhe mandaram fazer, cumpriu aquilo que a própria direção do curso lhe mandou fazer, foi aos exames que lhe mandaram fazer, fez as provas que lhe mandaram fazer, portanto, não pode ser responsabilizado por nada do que aconteceu."
Não resisto à comparação fácil e óbvia entre o caso Miguel Relvas e José Sócrates. Manuel Damásio sorri. E, sem vacilar, dispara: "Eh pá, quer dizer, que eu saiba, não há comparação nenhuma." Do mesmo modo rejeita qualquer tratamento de favor em relação a Relvas, até porque "nem as pessoas envolvidas são pessoas para isso". "Acho que não há ninguém que tenha, de algum modo, contactado, que conheça, no caso concreto, o Miguel Relvas, que ache que aquela pessoa não tem o nível de um licenciado. Aquilo em que participou, a legislação que ajudou a elaborar, lá dos programas do partido dele que ajudou a fazer, todas estas coisas então esta pessoa não tem o nível de um licenciado? Tem o primeiro ciclo? Acho que é incontestável. Agora, não sou eu que tenho de responder a isso. Quem tem de responder são os professores que o examinaram e que o ensinaram e que lhe deram os créditos. E isso não foi posto em causa por ninguém."
Em dezembro de 2013, a Universidade Lusófona foi também ensombrada pela morte de seis alunos na praia do Meco. Com a voz embargada pela emoção, Manuel Damásio não esconde que ficou "muito abalado" pela tragédia. "Eu conhecia todos aqueles nossos alunos, pá! Eram excelentes alunos. Só tinha boas recordações. Não tinha nenhuma recordação negativa daquele grupo que, aliás, veio despedir-se de mim antes de ir para férias de Natal e até me deu umas prendinhas de Natal. Para mim foi uma tragédia em termos pessoais. Temos o relato da Polícia Marítima, que é aquele em que acreditamos, e o do que ficou vivo [o dux]. O resto foram tudo especulações. Algumas, especulações mórbidas, de falta de respeito pelos vivos ou por quem ficou vivo, e pelos mortos. Mas é evidente que nós compreendemos que estas coisas, às vezes, são emoções. Depois as emoções tornam-se irracionais e provocam nas pessoas reações... eh pá, que é uma tristeza existirem. Mas elas existem. E como toda a gente reconhece, e sociologicamente está bem demonstrado, nunca se aceita a morte. E quando alguém morre, mesmo na nossa família, nós procuramos sempre dizer assim: "Mas porque é que ele morreu?" Bem, se morre aos cento e tal anos, talvez ninguém pergunte. Mas se morre aos 17 ou aos 20, as pessoas perguntam mesmo: "Mas não há um culpado disto?" E têm de procurar um culpado. Portanto, eu percebo isto perfeitamente. É claro que houve um caso que adquiriu a mediatização que adquiriu. As pessoas utilizaram o espaço mediático para expandir as suas emoções, pá. Mas creio que, no final, a opinião pública reagiu muito favoravelmente à universidade. Percebeu-se perfeitamente que aquela tragédia era uma tragédia das famílias, mas também era nossa."
Hoje, vários anos passados sobre a tragédia e as polémicas, Manuel Damásio está empenhado na reabilitação da imagem da Lusófona. Os objetivos da universidade são "dar resposta aos desafios que a globalização coloca" e aproveitar o mais possível o espaço da CPLP. "Temos um objetivo mobilizador que é tentarmos contribuir, com tudo o que estiver ao nosso alcance, para melhorar o nível qualitativo daqueles que falam a língua portuguesa. O objetivo permanece o mesmo de quando começámos em 1990-91. E está muito longe de ser alcançado e nem sei bem quando é que poderá ser. Mas há uma coisa que eu sei: quando for, nós seremos todos tão ricos como quaisquer outros. Não há nada decidido, nem no céu nem no inferno, que quem fala a língua portuguesa tenha de ser pobre e analfabeto."
Foi por isso que, aproveitando a estabilização e a pacificação dos países africanos de língua oficial portuguesa, a Lusófona se foi organizando em parcerias com outras universidades de Angola, Moçambique, Brasil ou Cabo Verde, sendo hoje um dos maiores grupos privados de ensino superior com maior expressão.
Os dias de Manuel Damásio são longos. Pica o ponto na universidade às 09.00 e só volta a sair 12 ou 13 horas depois. Ao fim de semana dedica-se à leitura, aos passeios no campo e ao ar livre e não prescinde de dar umas braçadas dentro de água.
Volto a Miguel Relvas por causa das insinuações feitas à época do caso da licenciatura sobre o facto de o ex-ministro e o líder da Lusófona serem, alegadamente, "irmãos maçónicos". Manuel Damásio recusa-se a responder argumentando que "em organizações que não têm os seus membros publicados não é possível constatar ou verificar". Por isso mesmo, diz que "não se deve responder. Não sou só eu, acho que são todas as pessoas. Não devem responder a perguntas que não se podem confirmar. Portanto, se eu lhe dissesse que sou era igual a se eu dissesse que não sou."
Já de saída, pergunto-lhe se o que aconteceu à Universidade Lusófona é apenas fruto de uma teoria da conspiração. A resposta de Damásio não deixa de ser desconcertante: "A minha explicação para os fenómenos é sempre científica. Nós somos mamíferos. E basta fazermos aquele exercício, que esteve muito na moda aqui há uns anos, da etnologia e ver o comportamento dos animais que são mamíferos como nós e ver como é que eles reagem quando, na manada, no rebanho, há, por exemplo, uma vaca ou uma cabra ou uma ovelha que fica coxa e o que é que as outras fazem? Penso que sabe o que é. Todas vão marrar."

  copiado  http://www.dn.pt/

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