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Crise na Venezuela faz donos abandonarem seus animais
SAMY ADGHIRNI
DE CARACAS
A comerciante Yeni Rodríguez, 39, se mudará para a Europa nos próximos dias, seguindo os passos de multidões de venezuelanos que fogem da crise e da violência no país. Mas ela até agora não sabe o que fazer com a cadela de estimação, Sofia, que cria há três anos.
"Ela é parte da nossa família, deixá-la me dói até a alma, mas a passagem e os trâmites são caríssimos. Além disso, irei para uma casa onde já moram quatro pessoas", diz Rodríguez, que divulga na internet e em petshops fotos da cadela para doação.
E como a crise também inibe adoções, muitos donos simplesmente abandonam seus cães e gatos. Essa possibilidade assombra Rodríguez, que evita o assunto.
Não há levantamentos que comprovem a explosão do número de animais abandonados na Venezuela, mas todas as organizações de amparo aos bichos confirmam a tendência.
A Rede de Apoio Canino, que atua como plataforma de ONGs em todo o país, diz tratar de pelo menos 20 casos por dia de abandono, contra uma média de três ao dia no início deste ano.
Na outra ponta, o número de adoções despenca. Em 2015, a ONG conseguiu achar um lar para 600 animais. Até a metade deste ano, apenas seis tiveram a mesma sorte.
"Os animais são os seres mais afetados pela crise no país, pois não podem falar nem unir forças para se defender", disse à Folha Mariant Lameda, porta-voz da Rede de Apoio Canino.
Outras organizações locais, como a Cãozinho de Rua, também registram um avanço exponencial nos casos de abandono.
Famílias pobres culpam a explosão do preço das rações no país com a inflação mais alta do mundo (720% ao ano, na estimativa do Fundo Monetário Internacional).
Um quilo de alimento nacional para cachorro, quando disponível nas prateleiras, custa pelo menos 3.500 bolívares (US$ 3,5, ou R$ 11,40, no câmbio paralelo usado por indivíduos particulares).
Isso equivale a 10% do salário mínimo local.
Na classe média, a principal razão para o abandono é a emigração em massa de profissionais.
ESTRADAS E LOJAS
Alguns cães são abandonados em parques ou mesmo na beira da estrada. Suas chances de sobrevivência são mínimas porque não conseguem alimentos ou acabam atropelados.
Outros cachorros são amarrados em frente a lojas de animais, como a Aproa, uma das mais tradicionais de Caracas.
A gerência da loja relutou em admitir que cuidava de animais deixados em sua porta, com medo de que isso pudesse incentivar novos abandonos. Mas o cuidador José Rafael Castillo levou a reportagem ao terraço onde ficam os cães recém-recolhidos.
Um pequeno poodle branco tremia sem parar. Um schnauzer preto latia assustado. Ambos estavam no local havia duas semanas.
Um velho vira-lata recolhido um mês antes perambulava em silêncio pelo terraço, indiferente a tudo.
"Esses animais são frágeis como crianças sem pais. Eles não são nada fora do ambiente onde viviam. Me afeta muito vê-los assim tão tristes", disse Castillo, com a voz embargada.
Muitos bichos também são deixados em canis públicos, onde acabam sendo mortos dias depois. "Na escassez generalizada em que vivemos, faltam também anestesias, e a eutanasia é feita de forma pavorosa. Os animais recebem venenos cruéis e ficam conscientes enquanto sufocam", diz Lameda, da Rede de Apoio Canino.
Nos canis privados, chamados de refúgios, os animais não são mortos, mas vivem em condições precárias.
No refúgio Frampoa, nas cercanias de Caracas, a professora aposentada Maria Arteaga alimenta cerca de 150 cachorros num ambiente de caos, sujeira e machos que atacam uns aos outros.
"Se eu, que não tenho recursos, consigo manter tantos animais, então as pessoas podem muito bem manter um ou dois", afirma, em tom de revolta.
copiado http://.uol.com.br/n
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