A trágica morte da líder política Marielle Franco e de seu condutor
Eduardo Aires *
Toda vida humana é valiosa. Nesta semana, como já tem ocorrido comumente, acompanhamos mais um caso de homicídio, desta vez praticado contra uma defensora de direitos humanos, membro do Parlamento municipal da cidade do Rio de Janeiro, e seu condutor.
As vítimas do crime, uma mulher, negra, lésbica e favelada, e seu condutor, um trabalhador brasileiro, e o fato criminoso, como é assustadoramente rotineiro no Brasil, entrariam para as estatísticas como mais um caso, não fosse a comoção social, especialmente ocorrida nas redes sociais.
O crime não foi um simples ato de violência circunstancial, mas algo planejado, direcionado, com objetivo específico de suprimir do cenário político uma voz destoante, que ao ocupar um “lugar de fala” tradicionalmente reservado às elites, passou a incomodar, seja por trazer luz a uma realidade que não interessa aos “donos do poder”, seja pelo fato de as críticas partirem de alguém que ocupava um espaço social historicamente silenciado e invisibilizado.
O crime atingiu a pluralidade e a diversidade discursivas, tão necessárias numa sociedade democrática, especialmente a brasileira, que já experimentou diversos episódios de silenciamento das vozes dissonantes.
A nossa jovem e combalida democracia, porém, em sua historicidade, não pode recuar em seus avanços conquistados a duras penas.
Contra tais atos de violência e barbárie é preciso resistir. A resistência, porém, deve ser promovida sem que jamais nos deixemos igualar aos agressores e opressores. A resistência tática e estratégica deve ser promovida com amor, bondade e sabedoria política, para que sempre haja coerência entre o dito e o feito.
Resistiremos…
* É presidente da Federação Nacional de Carreiras de Gestão de Políticas Públicas (Fenagesp) e do Sindicato dos Gestores Governamentais (SindGestor) de Goiás, e secretário-executivo da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) de Goiás.
Marielle, pobre, negra, LGBT e comprometida com os direitos humanos, foi a escolha perfeita do sistema
"'#Marielle, presente' deve ser o mote para que não sejam produzidas mais Marielles como vítimas fatais, para que suas vozes não sejam caladas, o que só será possível com ações de proteção efetiva em todos os estados, a todos que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade por sua atuação em defesa dos direitos humanos"
Marielle Franco é a escolha perfeita do sistema. Sua execução interrompe de forma brutal a vida de uma mulher que lutava para tornar o mundo um lugar mais digno para se viver; uma guerreira extraordinária na luta pela igualdade de gênero, de raça e contra o sistema que impõe aos moradores das favelas uma forma de vida atrelada à violência.
Menina pobre boa parte da sua vida, mãe adolescente, Marielle falava a partir de seu lugar, de sua realidade. Sua ascensão política desafiava todas as probabilidades. Sua prática, absolutamente fiel aos seus princípios e aos quase 50 mil votos que a colocaram na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, era obviamente um estorvo aos poderosos. Um estorvo que lhe custou a vida.
Pessoa pública que se colocava frontalmente em oposição à guerra de terror de Estado contra um povo que vive todos os dias na berlinda, Marielle era um símbolo da mulher negra na política e, nesse sentido, silenciar sua voz é ação diretamente ligada ao genocídio do povo negro. Usada para dar exemplo, e para tentar calar todos que compactuam com seus ideais do direito à vida e à ocupação do espaço das cidades de forma digna, sua morte nos coloca, como sociedade, não apenas diante de um ato abjeto, mas da busca de resposta sobre quem somos e o que queremos para o nosso país, qual nossa ideia de nação, de direito civis, de dignidade, de liberdade de expressão e de ação.
Marielle integra a fria e cruel estatística dos que são ameaçados e mortos por se encontrarem na resistência contra os esquemas de poder, os privilégios e toda discriminação, retroalimentada para bancar a ganância de poucos. Atrai, por isso mesmo, um debate que não pode se limitar a fazer justiça no caso concreto dela apenas, mas uma ação de política pública efetiva.
Em 2004 o governo Lula criou o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos da Presidência da República, que representa o compromisso do Estado brasileiro de proteger aquelas e aqueles que lutam pela efetivação dos direitos humanos em nosso país, com o objetivo de adotar medidas e articulações que possibilitem garantir a proteção de pessoas que estejam em situação de risco ou ameaça em decorrência de sua atuação na promoção ou defesa dos direitos humanos.
A política nacional de proteção aos defensores dos direitos humanos foi instituída pelo Decreto Presidencial nº 6.044, de 12 de fevereiro de 2007. A atuação do programa não está voltada apenas à proteção da vida e da integridade física dos defensores, mas também e, principalmente, à articulação de medidas e ações que incidam na superação das causas que geram as ameaças e as situações de risco.
O golpe parlamentar de 2016 interrompeu as políticas de direitos humanos em curso no país e jogou uma grande interrogação nas articulações com órgãos públicos e sociedade civil organizada, no caminho para a consolidação de alicerces dessa política de proteção e para a implementação de ações de investigação, de prevenção e de combate às violações para que os defensores dos direitos humanos possam exercer suas atividades no local de atuação.
Junto com nossa correta indignação, ao lado de nossa cobrança para que a morte de Marielle seja investigada, esclarecida e punida, a dor pelos quatro tiros que tiraram sua breve e intensa vida deve ser motor para muito mais que revolta. Deve servir para intensificar a campanha pela volta e consolidação de uma política que evite que se produzam mais vítimas fatais da violência de gênero, de raça, da xenofobia, da misoginia e de toda discriminação que recai sobre o povo pobre.
‘#Marielle, presente’ deve ser o mote para que não sejam produzidas mais Marielles como vítimas fatais, para que suas vozes não sejam caladas, o que só será possível com ações de proteção efetiva em todos os estados, a todos que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade por sua atuação em defesa dos direitos humanos.
PRF isenta policial que causou tumulto em homenagem a Marielle; dono de bar é conduzido a DP no Rio
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) se pronunciou nesta segunda-feira (19) após uma confusão causada pelo policial rodoviário federal Haroldo Ramos de Souza, de 57 anos, durante uma homenagem para a vereadora assassinada Marielle Franco (Psol-RJ) na noite deste domingo (18) no tradicional bar Bip Bip, em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro. No tumulto, revelado em reportagem do jornal O Globo, o dono do bar, o comerciante Alfredinho, de 74 anos, acabou detido e levado para a 14ª Delegacia Policial, no Leblon.
Em nota, a instituição eximiu o policial de responsabilidade, dizendo que “não houve nenhum registro de comportamento que configure desvio de conduta funcional” do servidor, mas destacou que a opinião e atitudes da vida privada dele “não representam o posicionamento da instituição”. A PRF reiterou ainda que “solidariza-se com os familiares da vereadora assassinada, assim como de todas as vítimas da violência, e não medirá esforços para auxiliar na prisão dos envolvidos no caso”.
A confusão, segundo depoimentos, começou quando, durante uma roda de samba, o dono do bar pediu um minuto de silêncio em homenagem à vereadora Marielle, executada na última quarta-feira (14) ao lado do motorista Anderson Gomes. Nesse momento, o policial Haroldo Ramos, que estava de folga, interrompeu a homenagem, questionando por que não havia um tributo para os policiais mortos no ano passado. “Depois de ter tomado algumas cervejas, o policial, gritando, disse que todos deveriam pedir silêncio pela morte dos policiais”, contou o comerciante Alfredinho, em depoimento.
Os relatos atestam que os frequentadores do estabelecimento teriam começado a vaiar Haroldo Ramos, iniciando uma discussão que levou um dos presentes a dar um empurrão no policial rodoviário. Nesse momento ele se retirou do bar, mas voltou meia hora depois, armado.
Em uma postagem no Facebook, o executivo Jean Marc Schwartzenberg, que estava no bar na noite deste domingo, relatou a confusão. Segundo ele, Haroldo chegou ao local “exibindo uma pistola na cintura e ameaçando Alfredinho e todos os presentes”. Um carro da própria PRF teria se deslocado ao local para acompanhar o tumulto, apesar do policial estar de folga na ocasião.
“O sujeito se disse policial e que estava ‘disposto a dar uns tiros e o cacete’. Armou a confusão, obrigou a parar a roda de samba, até que a polícia chegou. Nós, que numa sociedade normal deveríamos ficar aliviados pela chegada da polícia, vimos logo que estes dariam ‘preferência’ ao colega. Corporativismo flagrante”, escreveu. “O sujeito virou toda a história ao avesso e se colocou no papel de vítima de ameaças”.
Lesão corporal
A Polícia Militar acabou chamada, e conduziu Haroldo Ramos e Alfredinho, que prestou depoimento como testemunha, para a delegacia do Leblon, onde o caso foi registrado pela Polícia Civil apenas como lesão corporal contra o policial rodoviário federal. Vale destacar que nenhum exame de corpo de delito, que poderia atestar a agressão, foi pedido ao Instituto Médico Legal (IML), nem pelo policial, nem pelo delegado responsável, o adjunto Edézio Ramos.
“A PM foi chamada, uma tenente tentou mediar a situação com o policial rodoviário, que foi intransigente e aos gritos disse que queria ‘conduzir’ o Alfredinho para a delegacia”, afirmou o advogado do dono do bar, Rodrigo Mondego, também em post no Facebook. “Foi chamado um carro da Polícia Rodoviária Federal com 4 policiais da PRF armados com fuzis, para acompanhar uma briga de bar de um colega deles de folga, fugindo totalmente da sua função institucional”, criticou ele.
De acordo com o advogado, o delegado da 14ª DP não quis recebê-lo, registrando o agente da PRF como vítima de lesão corporal e Alfredinho como testemunha “de algo que ele não viu”.
“O Alfredinho foi arbitrariamente conduzido para a delegacia para ser testemunha de algo que ele não viu. Esse, a priori, é o entendimento dos órgãos de Estado do Rio de Janeiro. Se a gente vivesse em um Estado de Direitos, o dono do BipBip teria sido vítima de crime de ameaça e abuso de autoridade”, acrescentou Mondego.
Leia a íntegra da nota da PRF sobre o tumulto no bar Bip Bip:
“Em atenção aos questionamentos referentes à ocorrência envolvendo um servidor da instituição num bar em Copacabana, em 18/03/2018, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) esclarece que:
- Por volta das 22h40, fomos informados sobre uma possível confusão envolvendo um policial rodoviário federal num bar em Copacabana, após supostamente ter se expressado numa discussão no local em relação a fatos ocorridos na cidade;
- Uma equipe da PRF foi acionada para verificar a informação e avaliar a conduta do policial, sendo comunicada que a ocorrência já havia sido encaminhada para a 12ª DP (Copacabana);
- Na 12ª DP (Copacabana), foram informados que a ocorrência estava na 13ª DP (Ipanema);
- Ao chegarem na 13ª DP (Ipanema), os plantonistas disseram que a ocorrência seria registrada na 14ª DP (Leblon);
- Então, o servidor envolvido no caso foi levado na viatura PRF da 13ª DP para a delegacia de registro;
- Os envolvidos foram ouvidos na delegacia e a investigação ficará sob responsabilidade da Polícia Civil;
- Inicialmente, não houve nenhum registro de comportamento que configure desvio de conduta funcional, representando tão somente atitudes e opiniões pessoais do servidor;
- Não houve nenhum registro de utilização de arma de fogo ou quaisquer outros acessórios policiais;
- Ressaltamos que opiniões e atitudes da vida privada dos servidores não representam o posicionamento da instituição;
- A Polícia Rodoviária Federal solidariza-se com os familiares da vereadora assassinada, assim como de todas as vítimas da violência, e não medirá esforços para auxiliar na prisão dos envolvidos no caso”.
copiado http://congressoemfoco.uol.com.br/
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