Hino da Independência do Brasil 1968: a classe média e a crise da ditadura militar



1968: a classe média e a crise da ditadura militar


Augusto C. Buonicore *
O ano de 1968 foi um ano emblemático. Nele, aflorou uma série de contradições que se encontravam latente na sociedade brasileira. Mais do que aflorar, diríamos que muitas delas explodiram naquele período. Este artigo procurará ajudar no desvendamento das origens da crise política que atravessou a ditadura militar naquele memorável ano. E isso não é possível sem nos determos no complexo problema da luta de classes, entendida não como simples expressão da polarização entre proletários e burgueses.
Nas formações sociais e conjunturas concretas se articulam, de maneira dinâmica, classes, frações de classes e categorias sociais. É o desenvolvimento dessas múltiplas contradições, antagônicas ou não, e que têm por base interesses históricos e/ou imediatos, que explica e dá sentido aos confrontos que ocorrem na chamada cena política. Nesse sentido, este artigo procurará também focar particularmente as mudanças ocorridas nas camadas médias urbanas e os seus reflexos no campo da luta social e política após o golpe militar.
No início de 1964 formou-se uma aliança de todos os setores das classes dominantes contra o governo de João Goulart. O movimento oposicionista, dirigido pela grande burguesia em aliança carnal com o imperialismo estadunidense, conseguiu galvanizar amplos setores das camadas médias urbanas. Foram estas últimas que deram a base social que faltava ao golpe de Estado, lotando as ruas das grandes cidades brasileiras nas chamadas “marchas da família, com Deus, pela liberdade.”.
Aqui definimos camadas médias como um amálgama de diversas classes, frações de classe e categorias sociais. Elas se compõem de pequeno-burgueses, profissionais liberais e assalariados médios (trabalhadores assalariados não manuais de status social acima dos operários). Mesmo elas se dividem em estratos inferiores e superiores. Por isso, não formam um bloco monolítico em todas as conjunturas. Elas podem perfeitamente se dividir e subdividir em várias posições políticas e ideológicas, sem romper com os limites do seu pertencimento de classe.
Às vésperas do golpe, elas estavam temerosas diante da ascensão do movimento operário e popular, que, através de sua luta e da pressão política, foi arrancando do governo e dos patrões o aumento gradual de direitos sociais e de salários – minimizando assim o efeito da inflação que crescia. As camadas médias, por sua vez, não tinham condições de recompor no mesmo ritmo o seu padrão de vida e culpavam os operários por essa situação. O fantasma da proletarização passava a atormentá-las. Esse medo foi habilmente utilizado pelas classes dominantes.
A passeata dos 100 mil, um marco na luta contra a ditadura militar
Apenas nos estratos mais baixos das camadas médias, representados pelos assalariados urbanos, o espírito golpista teve menor incidência. Grosso modo, podemos dizer que o governo Jango contava com o apoio de bancários, comerciários, setores do magistério e mesmo do funcionalismo público. Estes chegaram a participar de inúmeras greves e estiveram representados no grande comício pelas reformas de base, ocorrido na Central do Brasil em 13 de março.
No entanto, se existe consenso quanto ao apoio dado pelos estratos superiores (e médios) das camadas médias ao golpe militar, o mesmo não acontece em relação a um dos seus setores historicamente mais dinâmicos: os estudantes universitários. Fica a pergunta: Qual teria sido o papel desempenhado por esta categoria social, composta majoritariamente por pessoas pertencentes às camadas médias? Para responder a esta pergunta utilizaremos, livremente, a análise pioneira do professor Décio Saes.
No início da década de 1960, apenas 0,5% da população brasileira cursava universidades. A quase totalidade desses estudantes provinha da burguesia ou dos estratos superiores (e médios) das camadas médias. Como não poderia deixar de ser, esses universitários também foram impactados pela opção conservadora (e golpista) feita pelas camadas e frações de classes às quais pertenciam.
Esclarecemos que não se pode confundir a propensão político-ideológica de uma categoria social, como a estudantil, com a de sua direção imediata. Muitas vezes ocorre o que alguns autores marxistas chamam de “crise de representação”. Isso, acreditamos, aconteceu no movimento estudantil entre 1963 e 1964. Neste período houve uma clara crise de representação das entidades estudantis – dirigidas pela esquerda socialista e nacionalista – em relação à sua base social. A vanguarda foi para a esquerda e a massa estudantil não a acompanhou no mesmo ritmo. Pior, uma parte significativa se deslocou para o centro e mesmo para posições mais à direita, ligando-se ao lacerdismo.
Esse fenômeno explica a dificuldade de mobilização sentida pelas entidades estudantis mais comprometidas com o projeto democrático e popular, especialmente a União Nacional dos Estudantes (UNE), e os resultados das eleições para importantes – e tradicionais – entidades acadêmicas. A esquerda universitária, em curto espaço de tempo, perdeu a disputa em várias UEEs (União Estadual dos Estudantes) importantes. A maior derrota ocorreu na União Metropolitana dos Estudantes (UME) da Guanabara. Vários líderes estudantis de 1968 haviam sido lacerdistas e simpáticos ao golpe militar de 1964.
Em pouco tempo, a ditadura decepcionaria muitos de seus apoiadores, especialmente entre as camadas médias. Os estudantes, por sua situação particular, seriam os primeiros a anunciar esta ruptura de expectativa e tornaram-se uma espécie de vanguarda social da oposição à ditadura.
As camadas médias rompem com o regime
Num primeiro momento existiu toda uma preocupação dos golpistas em dar uma aparência “liberal-democrática” ao novo regime. As grandes manifestações que antecederam o golpe militar tinham como eixo a defesa da Constituição de 1946, das liberdades ameaçadas pelo avanço do comunismo e contra a corrupção comuno-petebista. Isso, em parte, explica por que o parlamento não foi fechado, e mesmo por que os partidos políticos tradicionais puderam funcionar pelo menos até 1966.
Mas o golpe militar não representou apenas uma mudança de governo ou mesmo, como desejavam alguns, um interregno passageiro entre um governo populista – contaminado pelo comunismo –, e um governo democrático-liberal expurgado dos vícios anteriores. O golpe trouxe uma mudança em profundidade no regime político brasileiro — de uma democracia burguesa (ainda que limitada) para uma ditadura de caráter militar e semifascista. A Intentona de 1964 também representou uma alteração na correlação de forças entre as classes sociais no próprio bloco no poder.
No período imediatamente após o golpe, as forças sociais nacional-industrialistas foram deslocadas do centro do poder político, e ocorreu um fortalecimento das frações burguesas anti-industrialistas, ligadas mais diretamente ao imperialismo estadunidense. Liberais ortodoxos, como Otávio de Bulhões e Roberto Campos, assumiram os ministérios da fazenda e do planejamento. Entre suas primeiras medidas estavam: a revogação da lei de controle de remessa de lucros e a aplicação de uma política econômica anti-inflacionária abertamente monetarista — assentada na compressão salarial, cortes nos gastos públicos, enxugamento de créditos, aumento de impostos etc.
Essas medidas neoliberais agravaram sobremaneira o quadro recessivo do país. Cerca de cinco mil empresas fecharam suas portas, somente no estado de São Paulo. Entre 1964 e 1967, o Brasil viveu um momento de estagnação econômica, crescendo apenas 1,4% ao ano. Até mesmo a burguesia industrial paulista, ativa participante do complô antiJango, protestou. A reclamação empresarial foi geral. Apenas os grandes grupos monopolistas pareciam estar contentes com a nova política econômica da ditadura.
O descontentamento no campo econômico tendia, naturalmente, a transbordar para a esfera política. O exclusivismo militar sobre o poder de Estado – que sistematicamente excluía os interesses das camadas médias, inclusive da média burguesia industrial e comercial – passava a causar mal-estar em amplos setores da população, que perdiam a capacidade de intervir nos rumos do país. Vencido o comunismo e diante de uma ditadura militar a serviço dos monopólios, renovam-se nas camadas médias urbanas as antigas propensões liberal-democráticas, ainda que com fortes marcas oligárquicas. Alguns deslizavam para posições mais avançadas: democrático-populares.
Ficara claro que o projeto político da cúpula militar ia muito além da simples rejeição ao chamado populismo. Ela desconfiava da própria democracia liberal e de seus políticos profissionais. Acreditava que eles não seriam capazes de deter o avanço da “demagogia” trabalhista e comunista. Isso explica o seu desprezo pelo parlamento e os políticos em geral, inclusive aos que apoiaram o golpe militar. Era preciso destruir o mal pela raiz. Neste caso, a raiz era a própria democracia política, ainda que burguesa.
A política monetarista trouxe crescente desprestígio ao regime, que acabou sentindo o golpe na eleição para os governos estaduais, ocorrida no final de 1965. Apesar das manobras, a oposição burguesa, encabeçada pelo Partido Social Democrático (PSD), venceu em dois importantes estados: Minas Gerais e Guanabara. Logo após, prevenindo-se contra novas surpresas, o governo editou o AI-2. Este estabeleceu a eleição indireta para a presidência da República, governos de estado, capitais e áreas de segurança nacional. Também foram extintos todos os partidos políticos, inclusive a União Democrática Nacional (UDN), e estabelecido o bi-partidarismo. Nasciam a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Essas medidas não estavam nos planos iniciais das camadas médias liberais que viam, assim, o seu poder de intervenção política ser reduzido ainda mais. Aquele que tinha sido o principal porta-voz desse setor social, Carlos Lacerda, foi um dos primeiros a protestar e o fez de maneira bastante dura. Os sucessivos atos promulgados pelo governo militar haviam fechado a porta para sua candidatura à presidência da República.
O monopólio militar do poder representou a exclusão política das camadas médias. Sentindo-se traídas quanto aos rumos da economia e em relação às promessas democráticas de Castelo Branco, elas se afastaram do regime que haviam ajudado a implantar. As suas organizações corporativas típicas, como a dos advogados, jornalistas, professores e engenheiros, engrossaram o coro em defesa da democracia usurpada. Pelo contrário, a grande burguesia monopolista ligada ao imperialismo parecia, finalmente, ter encontrado, na ditadura militar, sua república ideal.
Ao ajudarem a derrubar o populismo, as camadas médias viram-se isoladas diante da grande burguesia monopolista, aliada ao capital estrangeiro. Repetia-se no país um fenômeno muito comum nas contrarrevoluções. Ao destruir a esquerda, o centro vê-se à mercê da direita. Em outras palavras, ao derrotarem o proletariado, as camadas médias urbanas se veem esmagadas pela grande burguesia e o imperialismo. Marx tratou amplamente desse fenômeno nas suas obras históricas, como Lutas de Classes na França e Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte.
O movimento estudantil retoma a cena
Uma das principais lutas travadas pelos estudantes pós-golpe foi contra a lei Suplicy de Lacerda que buscava atrelar suas entidades ao Estado ditatorial. O regime pretendia transplantar para as entidades estudantis o mesmo modelo da estrutura sindical criada por Vargas na década de 1930. Elas perderiam sua liberdade e estariam sujeitas ao controle direto do Ministério da Educação militarizado.
No plebiscito organizado pelo movimento estudantil, a maioria absoluta repudiou a lei. Neste movimento participaram, lado a lado, os liberais, que ainda detinham a direção de várias entidades, e a esquerda. Era um claro sinal que os estudantes brasileiros – filhos das camadas médias – caminhavam no sentido da radicalização das posições anti-regime.
No segundo semestre de 1966 o movimento estudantil fez sua reaparição pública e tomou as ruas das principais cidades brasileiras. Diante da ameaça de realização do Congresso da UNE, a polícia ocupou o centro de Belo Horizonte. Isso não impediu que os delegados se reunissem secretamente num convento. Dias depois, o Congresso da UEE de São Paulo foi dissolvido e 178 estudantes presos. Em resposta às sucessivas agressões policiais, foi decretada, no mês de setembro, uma jornada nacional de luta contra a ditadura que ficaria conhecida como “setembrada”.
A esquerda começou rapidamente a recuperar a influência política junto à juventude universitária, que se radicalizava, e a ganhar a direção de várias entidades, inclusive a UME da Guanabara. Os liberais viram reduzir sua ascendência sobre os estudantes e vários aderiram à esquerda ascendente.
Em meio à retomada do movimento estudantil surgiu a Frente Ampla. Ela era, fundamentalmente, uma articulação entre três renomados políticos brasileiros: Lacerda, Juscelino e Jango. A união dessas personalidades tão contrastantes era algo inimaginável antes da eclosão da primeira crise política da ditadura. Representou uma espécie de válvula de escape para a camisa de força do bipartidarismo. A própria imprensa conservadora, como o jornal O Estado de S. Paulo, passou a aumentar o tom da crítica ao autoritarismo militar.
O governo do general Costa e Silva, empossado em março de 1967, acenava com a democratização e o diálogo com a oposição, inclusive os estudantes. Mas a crise econômica e a divisão no interior do governo e das classes dominantes criariam as condições para a emergência dos setores populares na conjuntura de 1968.
A oposição estudantil foi a primeira a se aproveitar das brechas abertas no regime. Ela começou o ano timidamente travando uma luta contra os chamados excedentes. Naqueles anos, a demanda pelo acesso às universidades públicas havia crescido mais rapidamente do que as vagas oferecidas, levando a um número cada vez maior de jovens a não poderem ingressar no ensino superior. Os estudantes lutavam também contra a cobrança de taxas nas universidades. Este havia sido um meio encontrado pelo regime militar para compensar a redução das dotações orçamentárias e abrir caminho para implantação do ensino pago. Ao longo dos meses, as lutas foram se unificando em torno de bandeiras políticas como “mais verbas para educação” e “liberdade nas escolas”, além da reivindicação geral pelo fim da ditadura militar. Abaixo a ditadura! Passou a ser um dos gritos favoritos da juventude estudantil.
A crise da universidade pública era um dos reflexos da gradual exclusão das camadas médias, que pagava pela política econômica liberal ortodoxa assentada no enxugamento do Estado e na privatização. Os estratos inferiores das camadas médias foram os primeiros a sentir o efeito da falta de verbas e da não ampliação de vagas. Eles viam ser-lhes vedado o ensino universitário – sua principal via de ascensão social.
O clima já era explosivo quando um acontecimento trágico fez o paiol ir pelos ares. Em 28 de março uma manifestação estudantil, que pleiteava a melhoria na alimentação no restaurante Calabouço, foi reprimida à bala na Guanabara. O saldo daquele ato bárbaro foi um estudante morto e vários feridos. Estava dada a largada para o que seria o maior movimento de contestação popular ao regime desde o golpe militar. O ano de 1968 estava apenas começando.
O cortejo fúnebre de Edson Luís contou com a participação de cerca de 50 mil pessoas. A missa de sétimo dia foi marcada pela violência das forças policiais, que perseguiram e agrediram os participantes que saíam pacificamente da Igreja da Candelária. A alta hierarquia católica, que apoiara o golpe, começava a mudar sua posição e se colocava mais abertamente no campo da oposição ao regime.
A repressão desmedida ao movimento estudantil provocou cisão nas próprias fileiras golpistas. O general Mourão Filho – presidente do Superior Tribunal Militar e o principal expoente do golpe de 1964 – declarou: “É incrível que a polícia atire contra estudantes, em uma democracia. Estou indignado, fora de mim, com tais acontecimentos (…) quando se permite que policiais atirem contra estudantes, não podemos ficar tranquilos em casa.”. Lacerda, rompido com o regime desde 1966, elevou o tom de suas críticas. “É inaceitável que o Exército trate os estudantes como uma horda de inimigos.”. Continuou, “O Brasil está ultrajado pela orgia da violência (…). É tempo de fazer a revolução pela qual a mocidade anseia, a revolução pela educação e o voto.”.
A Frente Ampla – rechaçada pelos estudantes no enterro de Edson Luís – pagaria a conta pelos acontecimentos daqueles dias. Ainda em abril o governo proibiu sua existência e estabeleceu a prisão de quem, estando banido ou cassado, fizesse qualquer pronunciamento político. A imprensa foi proibida de tratar do tema.  Este era o diálogo de Costa e Silva.
No início de abril, os estudantes retornaram às salas de aula e se voltaram para as lutas específicas. O abandono das ruas seria temporário. Em 20 de junho mais de 500 estudantes cariocas foram presos após uma assembleia e conduzidos presos ao campo do Botafogo, onde foram agredidos e seviciados. As fotos das agressões, fartamente divulgadas pela imprensa, indignaram a “opinião pública”.
No dia seguinte, uma manifestação de protesto se transformou num grande conflito de rua. Ocorreram enfrentamentos sangrentos entre o povo e as forças de repressão. A batalha campal se estendeu por horas a fio. Centenas de pessoas foram feridas e quatro morreram, inclusive um policial. Isso na contagem oficial. Era a chamada “sexta feira sangrenta”. Neste dia os estudantes não lutaram sozinhos como antes. A eles se uniram os bancários, comerciários, trabalhadores de escritório etc. Aquele foi mais que um simples protesto, foi uma verdadeira rebelião urbana.
A resposta das personalidades e organizações das camadas médias e populares veio no dia 26 de junho através de uma passeata com mais de 100 mil pessoas. A maior já ocorrida até então contra a ditadura militar. Estudantes, artistas, intelectuais, religiosos e assalariados urbanos em geral tomaram as ruas da Guanabara. Como afirmou Décio Saes, o movimento estudantil – em certa medida – cumpriu naquela conjuntura o papel que o tenentismo havia assumido na década de 1920: vanguarda política das camadas médias urbanas.
O golpe no golpe
No segundo semestre a maré contestatória começou a refluir. Em setembro a polícia invadiu a Universidade de Brasília (UnB) e agrediu indiscriminadamente estudantes, professores e até parlamentares. Isso teve impacto imediato no Congresso Nacional. Setenta deputados da ARENA protestaram contra a repressão. No mês seguinte, o congresso clandestino da UNE, realizado em Ibiúna, foi descoberto e todos os delegados presos. Isto representou um duro golpe no movimento estudantil que, numa só tacada, perdeu suas principais lideranças. Ainda ocorreram protestos por todo o país, mas o ano de 1968 estava chegando ao fim. Aves agourentas sobrevoavam os céus. Muitos não as notaram.
O pretexto para o recrudescimento do regime foi dado por um acontecimento aparentemente sem importância, ocorrido na Câmara dos Deputados. Num discurso corriqueiro Márcio Moreira Alves do MDB defendeu o boicote às comemorações de Sete de Setembro e uma “greve de sexo” das namoradas dos cadetes e oficiais em protesto contra as agressões que vinham se dando contra os estudantes.
O discurso não teve a menor repercussão na imprensa. No entanto, os altos oficiais, insuflados pela linha dura, exigiram que governo tomasse providências enérgicas contra o deputado insolente. O general-presidente Costa e Silva solicitou ao Congresso licença para poder processá-lo. O descontentamento existente dentro dos partidos políticos pode ser medido pelo resultado da votação daquele pedido presidencial. Em 12 de dezembro ele foi derrotado por 216 votos contra 141. Parte importante dos deputados da ARENA ajudou a derrotar o governo que deveria defender
Não só o poder Legislativo havia imposto uma derrota ao regime. Um dia antes o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou a libertação de 81 estudantes presos, inclusive as principais lideranças do movimento. Poucos, por manobras do regime, continuariam presos. Até mesmo no Superior Tribunal Militar (STM) podiam se ouvir vozes discordantes.
O futuro da ditadura e do seu projeto socioeconômico pareciam estar em perigo. Contudo, em 13 de dezembro, foi decretado o Ato Institucional número 5 (AI-5). Nos dias que se seguiram, trinta e sete deputados da Arena perderam seus mandatos. Lacerda foi cassado e passou alguns dias na prisão ao lado de milhares de brasileiros. A ditadura militar entrava numa nova etapa.
Iniciou-se então um dos períodos mais sombrios da história brasileira. Todos os caminhos para a contestação legal ao regime estavam fechados. Até a oposição liberal-conservadora foi atingida pelas novas medidas repressivas. Diante desse quadro político reforçavam-se as teses que propunham a luta armada, como única alternativa para derrotar a ditadura.
Como dissemos, o ritmo da vanguarda não é sempre o mesmo da massa da classe que ela deveria representar. É a crise de representação. No primeiro semestre de 1968 houve uma adequação entre os interesses da vanguarda estudantil e a massa por ela representada – o que não havia ocorrido nas vésperas do golpe militar. Podemos dizer que uma nova inadequação começava a ser sentida no final de 1968. A vanguarda foi mais à esquerda que o conjunto da categoria estudantil – com muitos de seus líderes optando pela luta armada.
Em 1968 o regime militar conheceu a sua primeira grande crise política. Mas ele conseguiu, inicialmente através do recrudescimento da violência do Estado (AI-5), se equilibrar e, em seguida, graças ao chamado milagre econômico – ainda que excludente e assentado nos grandes monopólios privados e estatais –, neutralizar, provisoriamente, setores importantes das camadas médias. Situação que se manteve até o início da crise daquele modelo de desenvolvimento em 1974 e o crescimento das lutas oposicionistas pela volta das liberdades democráticas, na qual as camadas médias voltaram a jogar importante papel ao lado da classe operária.
* Este artigo foi publicado na revista Princípios nº 97. Apenas acrescentei um parágrafo no qual detalho melhor a participação das camadas médias no golpe militar. Nele afirmo que pelo menos um setor, os assalariados urbanos, não se incorporou à onda golpista dirigida pela grande burguesia, pelo latifúndio e pelo imperialismo. As camadas médias não formam um bloco monolítico. Este não é um detalhe sem importância. Também foi publicado no site da Fundação Maurício Grabois.
** Augusto C. Buonicore é historiador, diretor de publicações da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros; Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução. Todos publicados pela Editora Anita Garibaldi.
copiado http://congressoemfoco.uol.com.br/

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