Um espetáculo de péssimo gosto! Constrangedor! Prefeitos transformados em turba ignara, uma maré esdrúxula de paletós gritando bordões e depois vaiando a Presidente do Brasil.
Será que não se deram conta que o cargo exige uma compostura diferente da de platéia de festival? — Felizmente, houve uma maioria que aplaudiu por cima, mas o vexame prevaleceu.
O fato de estarem em grupo, às centenas, não muda em nada as exigências do ritual do cargo — o ritual da civilidade da representação. Embora organizado com ares um tanto informais, trata-se de um encontro simbólico entre as instâncias municipais de poder e o poder federal.
Imagine se o Presidente dos Estados Unidos fosse vaiado pelos oponentes a cada vez que visita o Congresso? Nada disso: há nesses momentos a consciência de que a pessoa do Presidente ali representa algo maior, a União. Nada a ver com partidos e facções.
Será que não se deram conta que a relação simbólica entre os poderes é um dos sinais mais confiáveis para qualquer avaliação (externa e interna) sobre a força e a unidade do País? E que tal tipo de comportamento veicula uma imagem de acinte à própria democracia como idéia matriz do empoderamento de todos os presentes?
Isso não significa banir as diferenças de opinião. Significa que é perfeitamente possível discordar, organizar movimento em prol de suas convicções em todas as instâncias, ser oposição, ser base aliada consonante ou dissonante, sem perder o prumo.
E é óbvio que a questão em tela é das mais relevantes. Mexe com o próprio pacto republicano que sustenta a idéia de Brasil. Trata-se também de uma discussão mais do que necessária sobre a desigualdade regional, focalizada na divisão dos royalties do petróleo.
Mas, mesmo assim, nada justifica comportamento do tipo ‘vocês querem bacalhau?’; não justifica transformar uma solenidade republicana em manifestação desviante.
Nós queremos outra coisa: uma atitude diferenciada das autoridades eleitas. Queremos compostura republicana, mesmo para divergir, debater, e transformar — e não esses arremedos de divergência que só fazem enfraquecer a imagem de todos.
Também imagino equivocada a assessoria da Presidente, por não ter sentido o clima e previsto essa possibilidade. Deveria haver discurso pronto e apropriado para um tema como esse. Mais ainda: discordâncias e conflitos políticos deveriam ter sido abordados e negociados em outro ambiente.
A presidente não esteve em seus melhores momentos — mas conseguiu preservar a postura franca e aberta de quem enfrenta os obstáculos de frente, com a consciência tranqüila. Se os que vaiaram pensaram em corroer sua imagem, creio que fizeram uma péssima avaliação.
Os prefeitos que vaiaram acabaram atraindo para si não a imagem gloriosa dos que defendem municípios menos favorecidos — e sim a imagem de autoridades que não tiveram noção de reverência aos ritos da democracia.
Embora a cena tenha sido deplorável — Dilma acabou passando incólume, e talvez até mais forte, ao mostrar a todo o País que não irá misturar questões políticas sérias e inflamáveis com ambientes de pressão indevida, mesmo em ano eleitoral. E que não pauta suas aparições por algum tipo de jogo fácil de comunicação.copiado : http://noticias.terra.com.br/