Manifesto de advogados dribla todas as questões honestas sobre a Lava Jato O documento de título oitocentista contra a operação, publicado nesta sexta-feira, ensina uma lição: aprenda como juntar 1016 palavras para produzir um silêncio estrondoso
Manifesto de advogados dribla todas as questões honestas sobre a Lava Jato
O
documento de título oitocentista contra a operação, publicado nesta
sexta-feira, ensina uma lição: aprenda como juntar 1016 palavras para
produzir um silêncio estrondoso
Por: André Petry - Atualizado em
Manifesto
acusa o juiz Moro de uma longa lista de barbaridades, mas não diz quase
nada sobre os magistrados dos tribunais superiores que têm mantido suas
decisões de pé(Laílson Santos/VEJA)
Quem
nunca teve a oportunidade de ler uma peça de defesa escrita por um
advogado não pode perder o manifesto que noventa causídicos publicaram
na imprensa na sexta-feira. O manifesto tem oito parágrafos e um título
oitocentista: "Carta aberta em repúdio ao regime de supressão episódica
de direitos e garantias verificado na operação Lava Jato". É uma lição
sobre como driblar certas inconveniências factuais e juntar 1016
palavras para produzir um silêncio estrondoso.
O manifesto denuncia "violações de regras mínimas para um justo
processo" e lista o que estaria sendo desrespeitado: presunção de
inocência, direito de defesa, garantia da imparcialidade, abuso de
prisão provisória, vazamento seletivo de informações sigilosas,
sonegação de documentos aos acusados, execração pública dos réus e
violação de prerrogativas da advocacia "dentre outros graves vícios".
Resumindo, Lava Jato é "uma espécie de inquisição".
Exemplificando, acusa a imprensa - VEJA em especial, embora não
nomeia a revista - de participar de uma "estratégia" para desmoralizar
os acusados e pressionar os magistrados a jogar duro contra eles,
negando-lhes habeas-corpus e mantendo-os sob prisão provisória. Acusa o
juiz Sergio Moro - igualmente sem nomeá-lo - de atuar com parcialidade, e
termina declarando que, diante de tamanhas violações legais e
constitucionais, "o Estado de Direito está sob ameaça".
Publicidade
A Lava Jato tem provocado controvérsias reais no meio jurídico e fora
dele. Serão justas as longas e numerosas prisões provisórias de meros
suspeitos? Serão válidos acordos de delação feitos por acusados
devastados pela ameaça de prisão? Será papel da imprensa divulgar
informações sigilosas previamente peneiradas por policiais,
procuradores, juízes? Caberá a um juiz o protagonismo de presidir uma
investigação e depois ele mesmo julgá-la? São questões complexas que,
num debate honesto, fazem todo o sentido.
O manifesto, porém, dribla todas. Acusa a imprensa de publicar
fotografias e informações sigilosas, mas nada diz sobre as autoridades
públicas que as vazam. A imprensa tem o dever de publicar o que julga de
interesse público. Pode-se questionar seus critérios editoriais, mas é
indiscutível que seu papel é trazer informações à luz do sol, e não o
contrário. Cabe às autoridades públicas - policiais, servidores da
Justiça, delegados, procuradores - garantir sigilo ao que é sigiloso. O
que o manifesto diz sobre isso? Silêncio.
Mais: acusa a imprensa de pressionar os magistrados publicamente, mas
nada diz sobre os magistrados que supostamente se curvam à pressão. Na
democracia, a pressão pública não é apenas livre; sendo dentro da lei, é
bem-vinda. A imprensa pressiona. Os bancos pressionam. Os agricultores
pressionam. Os estudantes pressionam. Os atores, os padres, os advogados
pressionam. Até os magistrados pressionam, alguns, inclusive, com a
verve dos glossolálicos. A questão é: as autoridades que são alvo das
pressões estão descumprindo seu dever, violando suas consciências ou a
lei? O que o manifesto diz sobre juízes que se acovardam diante das
pressões? Silêncio.
Mais ainda: acusa o juiz Moro de uma longa lista de barbaridades, mas
não diz quase nada sobre os magistrados dos tribunais superiores que
têm mantido suas decisões de pé. Moro é um juiz de primeira instância.
Suas decisões são escrutinadas pelos tribunais superiores, que podem
mantê-las, se entenderem que estão em conformidade com a lei, ou
derrubá-las, caso julguem que estão em desacordo com a lei. O que diz o
manifesto sobre os magistrados do TRF, do STJ e do STF que vêm,
sistematicamente, referendando quase tudo que Moro decide? Silêncio.
Com tanto drible, fica parecendo que os advogados nada falam das
autoridades públicas que vazam fotos, de juízes que sucumbem a pressões
ou de magistrados que concordam com Moro porque não lhes interessa, como
se estivessem apenas defendendo a si mesmos e a seus clientes presos.
Quando os juízes decidem contra os acusados da Lava Jato, o manifesto
denuncia que são vítimas da pressão pública, a que chama de "prática
absurda". Quando os juízes decidem a favor dos acusados, o manifesto diz
que agem "de acordo com seus convencimentos e consciências".
Entre os signatários, estão Antônio Carlos de Almeida Castro, o
Kakay, que defende onze acusados na Lava Jato, e Nabor Bulhões, advogado
do empreiteiro Marcelo Odebrecht, há meses preso em Curitiba. Há outros
menos estrelados, mas igualmente pagos para defender acusados da Lava
Jato. Mesmo que o manifesto tenha sido concebido em causa própria, nada
haveria de ilegítimo. Advogados têm todo o direito de vir a público
defender seus clientes e sua profissão. Só seria bom que dissessem isso.
Ou que ao menos informassem o público, num aposto qualquer, que entre
os signatários há defensores de acusados da Lava Jato. Seria mais
transparente.
Ou que evitassem cobrir-se do manto solene da defesa da democracia e
do império da lei. Ou que, pelo menos, falassem de uma ameaça real ao
Estado de Direito. Ela se materializa nos 230 000 brasileiros presos sem
julgamento. Eles representam 32% da massa carcerária no país. Estão em
prisão provisória, são na maioria pretos e pobres. Só na Bahia de
Marcelo Odebrecht, eles respondem por 68% do total de presos. É um
escândalo de proporções mundiais, mas não mereceu ainda uma carta aberta
de advogados preocupados com o Estado de Direito.
Leia a íntegra do manifesto: Carta aberta em repúdio ao regime de superação episódica de direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato No plano do desrespeito a direitos e garantias fundamentais dos
acusados, a Lava Jato já ocupa um lugar de destaque na história do país.
Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um
justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de
réus e de forma tão sistemática. O menoscabo à presunção de inocência,
ao direito de defesa, à garantia da imparcialidade da jurisdição e ao
princípio do juiz natural, o desvirtuamento do uso da prisão provisória,
o vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação
de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e a
violação às prerrogativas da advocacia, dentre outros graves vícios,
estão se consolidando como marca da Lava Jato, com consequências
nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira. O
que se tem visto nos últimos tempos é uma espécie de inquisição (ou
neoinquisição), em que já se sabe, antes mesmo de começarem os
processos, qual será o seu resultado, servindo as etapas processuais que
se seguem entre a denúncia e a sentença apenas para cumprir
'indesejáveis' formalidades. Nesta última semana, a reportagem de capa de uma das revistas
semanais brasileiras não deixa dúvida quanto à gravidade do que aqui se
passa. Numa atitude inconstitucional, ignominiosa e tipicamente
sensacionalista, fotografias de alguns dos réus (extraídas indevidamente
de seus prontuários na Unidade Prisional em que aguardam julgamento)
foram estampadas de forma vil e espetaculosa, com o claro intento de
promover-lhes o enxovalhamento e instigar a execração pública. Trata-se,
sem dúvida, de mais uma manifestação da estratégia de uso irresponsável
e inconsequente da mídia, não para informar, como deveria ser, mas para
prejudicar o direito de defesa, criando uma imagem desfavorável dos
acusados em prejuízo da presunção da inocência e da imparcialidade que
haveria de imperar em seus julgamentos. Ainda que parcela significativa da população não se dê conta
disso, esta estratégia de massacre midiático passou a fazer parte de um
verdadeiro plano de comunicação, desenvolvido em conjunto e em paralelo
às acusações formais, e que tem por espúrios objetivos incutir na
coletividade a crença de que os acusados são culpados (mesmo antes deles
serem julgados) e pressionar instâncias do Poder Judiciário a manter
injustas e desnecessárias medidas restritivas de direitos e prisões
provisórias, engrenagem fundamental do programa de coerção estatal à
celebração de acordos de delação premiada. Esta é uma prática absurda e que não pode ser tolerada numa
sociedade que se pretenda democrática, sendo preciso reagir e denunciar
tudo isso, dando vazão ao sentimento de indignação que toma conta de
quem tem testemunhado esse conjunto de acontecimentos. A operação Lava
Jato se transformou numa Justiça à parte. Uma especiosa Justiça que se
orienta pela tônica de que os fins justificam os meios, o que representa
um retrocesso histórico de vários séculos, com a supressão de garantias
e direitos duramente conquistados, sem os quais o que sobra é um
simulacro de processo; enfim, uma tentativa de justiçamento, como não se
via nem mesmo na época da ditadura. Magistrados das altas Cortes do país estão sendo atacados ou
colocados sob suspeita para não decidirem favoravelmente aos acusados em
recursos e habeas corpus ou porque decidiram ou votaram (de acordo com
seus convencimentos e consciências) pelo restabelecimento da liberdade
de acusados no âmbito da Opera- ção Lava Jato, a ponto de se ter
suscitado, em desagravo, a manifestação de apoio e solidariedade de
entidades associativas de juízes contra esses abusos, preocupadas em
garantir a higidez da jurisdi- ção. Isto é gravíssimo e, além de
representar uma tentativa de supressão da independência judicial, revela
que aos acusados não está sendo assegurado o direito a um justo
processo. É de todo inaceitável, numa Justiça que se pretenda democrática,
que a prisão provisória (ou a ameaça de sua implementação) seja
indisfarçavelmente utilizada para forçar a celebração de acordos de
delação premiada, como, aliás, já defenderam publicamente alguns
Procuradores que atuam no caso. Num dia os réus estão encarcerados por
força de decisões que afirmam a imprescindibilidade de suas prisões,
dado que suas liberdades representariam gravíssimo risco à ordem
pública; no dia seguinte, fazem acordo de delação premiada e são postos
em liberdade, como se num passe de mágica toda essa imprescindibilidade
da prisão desaparecesse. No mínimo, a prática evidencia o quão
artificiais e puramente retóricos são os fundamentos utilizados nos
decretos de prisão. É grave o atentado à Constituição e ao Estado de
Direito e é inadmissível que o Poder Judiciário não se oponha a esse
artifício. É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado
que atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do
que a própria acusação. Não há processo justo quando o juiz da causa já
externa seu convencimento acerca da culpabilidade dos réus em decretos
de prisão expedidos antes ainda do início das ações penais. Ademais, a
sobreposição de decretos de prisão (para embaraçar o exame de legalidade
pelas Cortes Superiores e, consequentemente, para dificultar a soltura
dos réus) e mesmo a resistência ou insurgência de um magistrado quanto
ao cumprimento de decisões de outras instâncias, igualmente revelam uma
atuação judicial arbitrária e absolutista, de todo incompatível com o
papel que se espera ver desempenhado por um juiz, na vigência de um
Estado de Direito. Por tudo isso, os advogados, professores, juristas e integrantes
da comunidade jurídica que subscrevem esta carta vêm manifestar
publicamente indignação e repúdio ao regime de supressão episódica de
direitos e garantias que está contaminando o sistema de justiça do país.
Não podemos nos calar diante do que vem acontecendo neste caso. É
fundamental que nos insurjamos contra estes abusos. O Estado de Direito
está sob ameaça e a atuação do Poder Judiciário não pode ser
influenciada pela publicidade opressiva que tem sido lançada em desfavor
dos acusados e que lhes retira, como consequência, o direito a um
julgamento justo e imparcial - direito inalienável de todo e qualquer
cidadão e base fundamental da democracia. Urge uma postura rigorosa de
respeito e observância às leis e à Constituição brasileira, remanescendo
a esperança de que o Poder Judiciário não coadunará com a reiteração
dessas violações. Alexandre Aroeira Salles Alexandre Lopes Alexandre Wunderlich Alvaro Roberto Antanavicius Fernandes André de Luizi Correia André Karam Trindade André Machado Maya Antonio Carlos de Almeida Castro Antonio Claudio Mariz de Oliveira Antonio Pedro Melchior Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo Antonio Tovo Antonio Vieira Ary Bergher Augusto de Arruda Botelho Augusto Jobim do Amaral Aury Lopes Jr. Bartira Macedo de Miranda Santos Bruno Aurélio Camila Vargas do Amaral Camile Eltz de Lima Celso Antônio Bandeira de Mello Cezar Roberto Bitencourt Cleber Lopes de Oliveira Daniela Portugal David Rechuslki Denis Sampaio Djefferson Amadeus Dora Cavalcanti Eduardo Carnelós Eduardo de Moraes Eduardo Sanz Edward de Carvalho Felipe Martins Pinto Fernando da Costa Tourinho Neto Fernando Santana Flavia Rahal Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto Francisco Ortigão Gabriela Zancaner Gilson Dipp Guilherme Henrique Magaldi Netto Guilherme San Juan Guilherme Ziliani Carnelós Gustavo Alberine Pereira Gustavo Badaró Hortênsia M. V. Medina Ilídio Moura Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Jader Marques João Geraldo Piquet Carneiro João Porto Silvério Júnior José Carlos Porciúncula Julia Sandroni Kleber Luiz Zanchim Lenio Luiz Streck Leonardo Avelar Guimarães Leonardo Canabrava Turra Leonardo Vilela Leticia Lins e Silva Liliane de Carvalho Gabriel Lourival Vieira Luiz Carlos Bettiol Luiz Guilherme Arcaro Conci Luiz Herique Merlin Luiz Tarcisio T. Ferreira Maira Salomi Marcelo Turbay Freiria Marco Aurélio Nunes da Silveira Marcos Ebehardt Marcos Paulo Veríssimo Mariana Madera Marina Cerqueira Maurício Dieter Maurício Portugal Ribeiro Mauricio Zockun Miguel TedescoWedy Nabor Bulhões Nélio Machado Nestor Eduardo Araruna Santiago Nilson Naves Paulo Emílio Catta Preta Pedro Estevam Serrano Pedro Ivo Velloso Pedro Machado de Almeida Castro Rafael Nunes da Silveira Rafael Tucherman Rafael Valim Raphael Mattos Renato de Moraes Roberta Cristina Ribeiro de Castro Queiroz Roberto Garcia Roberto Podval Roberto Telhada Rogerio Maia Garcia Salah H. Khaled Jr. Sergio Ferraz Técio Lins e Silva Thiago M. Minagé Thiago Neuwert Tiago Lins e Silva Ticiano Figueiredo Tito Amaral de Andrade Victoria de Sulocki Weida Zancaner
Nenhum comentário:
Postar um comentário