Para autor da ‘espinha dorsal’ do programa do PMDB na área social, política pública precisa focar mais nos pobres 'O bolsa família está inchado' Qual a proposta para o Pronatec? A questão do Pronatec é a seguinte: qualifica o desempregado de uma maneira cega. Pelo que o sr. diz, tem gente que vai sair dos programas sociais? Evidentemente, tem gente que vai sofrer. Na hora que a gente fizer isso no Bolsa Família, tem gente que está recebendo o benefício, e talvez não fosse para receber tanto assim. Vai perder.



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    Entrevista. Ricardo Paes de Barros

    Para autor da ‘espinha dorsal’ do programa do PMDB na área social, política pública precisa focar mais nos pobres

    'O bolsa família está inchado'




    Alexa Salomão
    O economista Ricardo Paes de Barros, que ajudou a formular as propostas de política social do PMDB, considera “ridícula” a discussão de que o Brasil teria de cortar benefícios sociais na atual crise. Referência no estudo sobre desigualdade e educação e um dos criadores do Bolsa Família, ele afirma que a política pública foi expandida de maneira “generosa” e está carregada de “ineficiências”. “Ao corrigir as ineficiências, podemos alcançar os mesmos resultados ou até mais, gastando menos”, diz PB, como é chamado.
    Para ele, o Pronatec não pode dar cursos “às cegas” para os desempregados e os critérios de concessão do Bolsa Família precisam ser ampliados, para que seja possível identificar quem usa mal o benefício, e abrir espaço para quem precisa. A seguir, os principais trechos da entrevista que o economista concedeu ao Estado. Outros trechos estão na internet.


    Para Ricardo Paes de Barros, política pública está carregada de ‘ineficiências’
    Para Ricardo Paes de Barros, política pública está carregada de ‘ineficiências’
    Qual foi a sua participação no plano do PMDB para a área social?
    O Moreira Franco, do Instituto Ulysses Guimarães, com quem trabalhei quando estava na SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República), ligou dizendo que estava escrevendo um documento e queria me ouvir. Tivemos um par de reuniões e ele perguntou se eu podia escrever algo naquela linha. Então, existe um documento básico, que a gente fez, e tem a espinha dorsal do que a gente pensa sobre política social e que foi repassado ao Moreira. Foi no fim do ano passado.
    Foi um pouco depois da redação do Ponte para o Futuro, do PMDB?
    Sim. Moreira usou como um insumo. A gente deu toda a liberdade para ele adaptar. Ele disse que fez mudanças. Provavelmente, porque considera algumas coisas politicamente impossíveis. Mas lá tem um raciocínio para a questão social. Se o vice-presidente quiser usar isso, vou ficar orgulhoso, contente e querendo ajudar.
    Qual é o raciocínio?
    A gente ainda é muito desigual. É assim: 100 milhões de pessoas têm menos de 10% da renda nacional. A outra metade, 90%. Isso dá uma aritmética muito gozada: se a renda da metade mais rica cair 4,4% e a renda da metade mais pobre não cair, a renda do País cai 4%. Porque a metade mais rica tem peso 9 e a outra metade, peso 1. É a coisa do primo pobre. Numa família desigual, na crise, fica fácil ajudar o primo pobre. Numa família muito igual, você não consegue porque todo mundo é meio pobre igual. Aritmeticamente, é ridículo o Brasil não ser solidário com os pobres, seja na crise ou no crescimento. Na crise, eles não podem perder; no crescimento, precisam crescer mais rápido. E é fácil fazer isso: eles só têm 10% da renda nacional. Um Estado organizado protege com facilidade uma quantidade grande de pessoas. Foi essa aritmética boba que levou a programas como o Bolsa Família.
    Moreira disse que o PMDB quer focar nos 40% mais pobres. Quem são eles?
    É isso. Mas deixa eu falar outro ponto. Se eu tivesse uma política pública super eficiente, só haveria um jeito de proteger mais o pobre: aumentar o gasto. Mas, como essa política é muito ineficiente, posso até dar mais proteção se conseguir ser eficiente. Para corrigir a ineficiência, precisa mudar a política para alcançar os mesmos resultados ou até mais, porém gastando menos.
    O sr. pode dar um exemplo?
    O cadastro único do Bolsa Família é um livrinho com páginas que não acabam mais. Tem mais de 100 perguntas. E o que você usa para dar o benefício? A renda declarada. Você descarta todas as outras informações. A gente tem um estudo, junto com o pessoal da secretaria de Desenvolvimento Humano, do Rio de Janeiro, mostrando que se eu usar todas as informações do cadastro, em vez de só a renda declarada, consigo, com 15% de dinheiro a menos, ter o mesmo 100% de impacto na redução da pobreza.
    Por quê?
    Com todas as informações do cadastro, eu tenho uma melhor avaliação da renda real das famílias. Portanto, eu consigo identificar melhor quem é pobre e precisa realmente do Bolsa Família e também identificar quem diz que é pobre, mas não é tão pobre assim. Hoje, a renda que você declarar faz uma enorme diferença. Numa família de cinco pessoas, se você declarar que ganha R$ 10 a menos do que de fato ganha, você recebe no Bolsa Família, todo mês, R$ 50 reais a mais. Ou seja: R$ 600 a mais por ano. É claro que eu posso ver melhor ainda se eu refinar o cadastro ou criar outro sistema, mas já é evidente que o Brasil não tem tantos pobres assim quanto tenho hoje no Bolsa Família. É claro que o Bolsa Família está inchado. Isso quer dizer que quero reduzir os gastos com o Bolsa Família? Não. Eu quero manter ou até aumentar.
    A ideia é que chegue a quem precisa?
    Isso. Eu quero que o dinheiro chegue a quem realmente precisa. O curioso é que o cadastro único mostra que aqueles que são realmente pobres, orgulhosamente e, em certo sentido, timidamente, declaram de forma fidedigna a renda deles. Mas tem um monte de gente que não é tão pobre e, na maior cara de pau, declara ter renda zero. Mas eu tenho as informações no cadastro: vejo lá que o cara tem um certo nível educacional, mora numa casa boa, num lugar com qualidade de vida. Espera aí: acho que ele não tem essa renda, não. Para chegar a essa conclusão, a gente foi entrevistar 8 mil famílias e bater com os dados do cadastro. Dá para melhorar várias outras coisas da política social apenas focando.
    Tem outro exemplo?
    Creches. A gente expandiu o número de vagas para ninguém botar defeito. Dobrou a cobertura. Mas as vagas não foram para mães pobres que precisam trabalhar.
    Por que não?
    Porque a gente inventou essa ideia de que creche é um direito de todos e o Judiciário entra contra as prefeituras. Uma mãe que não trabalha e não é pobre tem tanto direito quanto uma mãe que é pobre e trabalha. A maioria da cobertura de creche hoje não está entre os mais pobres. Atende a classe média. Ou seja, a gente expandiu a política pública, alcançamos resultados fantásticos, mas fizemos isso sem nos preocupar com restrição orçamentária, com a eficiência. Expandir de uma maneira generosa, mas sem preocupação com a eficiência, até traz resultados, mas a um custo acima do necessário.
    Pelo que o sr. diz, tem gente que vai sair dos programas sociais?
    Evidentemente, tem gente que vai sofrer. Na hora que a gente fizer isso no Bolsa Família, tem gente que está recebendo o benefício, e talvez não fosse para receber tanto assim. Vai perder. Nesse trabalho de arrumar a política pública, e política social em particular, o pobre vai sair ileso, ganhando. Mas aquele que já não é tão pobre – não pertence aos 40%, até 50% mais pobres – vai ter de ouvir a verdade: cara, não adianta reclamar, você já não pertence mais a esse grupo, segue em frente, toca a tua vida aí. Obviamente que vai ter um monte de gente reclamando. Mas você não vai arrumar as coisas, se não mudar a ótica.
    Qual a proposta para o Pronatec?
    A questão do Pronatec é a seguinte: qualifica o desempregado de uma maneira cega. É mais inteligente se você chegar para cada trabalhador e der para ele um cartão qualificação. Com o cartão, ele procura emprego. Aí ele se dá bem na entrevista: tem postura, agrada, mas não tem a qualificação esperada. Mas ele tem um cartão do governo dizendo que ele tem direito a uma formação. Primeiro você acha um empregador que queira se relacionar com o desempregado – e ele e o empregador, juntos, vão buscar uma qualificação que aquele empregador precisa. O que acontece hoje: o cara está no meio do Pronatec, fazendo o curso, e desiste porque conseguiu emprego em outra coisa. É muito grande o risco de perder dinheiro com a coisa maluca de formar desempregados, em grande escala, sem saber que emprego vão ter.
    Precisa inverter a ponta: do empregado para o empregador?
    Do jeito que está hoje é como comprar os móveis e depois a casa. Primeiro você precisa comprar a casa, medir a sala e só aí comprar o sofá. Com essa simples mudança na lógica, eu evito a evasão do curso, elevo a produtividade da empresa e reduzo a rotatividade no trabalho, porque as relações vão se tornar mais duráveis.
    E os 40% mais pobres? Quem são?
    Vou dizer quem não está entre eles. O aposentado não está. Quem ganha aposentadoria de salário mínimo já está acima desses caras. Mas na hora em que você define em que grupos essa gente pode estar, fica bom para os lobistas. A gente precisa é de um conjunto de critérios, para seguir à risca, não da definição de um perfil. Não dá para dizer que o cara é agricultor, da indústria, branco ou preto. Bom, foi mais ou menos isso que eu dei para o Moreira.
    Vocês conversaram recentemente?
    Eu tendo a ter níveis de comunicação baixos. Não estou muito conectado com o mundo.
    O sr. recebeu convite para ser ministro da área social?
    Quem diz isso está meio fora de rota. Não sei de onde tiraram. Talvez faça parte de uma estratégia qualquer, que eu desconheça.
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