Educação
Crianças e professores abandonam a escola numa Venezuela em crise
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Segundo
os cálculos sindicais, entre 30% e 40% dos professores venezuelanos não
aparecem na escola todos os dias, principalmente porque ficam em filas
para conseguirem obter alimentos ou medicamentos.
A
educação deixou de ser uma prioridade para muitos venezuelanos pobres e
de classe média que vivem em função da busca por alimentos, que os
absorve por inteiro, no meio de uma maré de saques e tumultos.
Segundo
os cálculos do seu maior sindicato, entre 30% e 40% dos professores
venezuelanos não aparecem na escola todos os dias, principalmente porque
ficam em filas para conseguirem alimentos ou medicamentos.
Os
professores de Mariangel Caceres, cujos salários não dão para comprar
comida suficiente para viver, deixaram de aparecer para dar aulas no
início deste ano.
A escola pública no
verdejante estado andino de Tachira, na Venezuela, também teve de cortar
o fornecimento de refeições devido à escassez de alimentos em todo o
país.
Assim, quando, em abril, o
governo de esquerda decretou o fecho das escolas à sexta-feira para
economizar eletricidade, foi a gota de água.
"Saí
da escola uma semana depois da Páscoa", disse Caceres, uma menina de 13
anos amante de desporto, que agora passa os seus dias em idas à vizinha
Colômbia com a mãe, para comprar farinha, arroz ou açúcar que já não
conseguem encontrar ou comprar no seu país.
Apesar
de Caceres manter a esperança de se matricular novamente no próximo ano
letivo, é possível que a crise económica do país rico em petróleo torne
isso difícil.
Segundo o sindicato, a
presença dos alunos também está em queda porque as crianças não comeram
em casa, sabem que não haverá comida na escola, ou têm de ir para as
filas ajudar os pais nas compras.
Os
cortes de energia e de água frequentes estão a interromper as aulas e as
escolas têm estado fechadas às sextas-feiras durante os últimos dois
meses.
"Um ano assim interrompido não
pode ser recuperado", disse Tulio Ramirez, especialista em educação da
Universidade Central da Venezuela. "Estas crianças estão a crescer com
um défice educacional." O próprio Ramirez não pode comprar sapatos novos
com um salário que vale cerca de 50 dólares por mês à taxa de câmbio do
mercado negro.
Os partidários do
governo acusam os adversários de exagerar os problemas sociais como
parte de uma campanha para minar o socialismo na Venezuela.
Eles
apontam para um incremento de 16% na taxa de matrículas, um aumento da
alfabetização e do financiamento entre 1999 e 2013, durante o governo do
antigo presidente Hugo Chávez, que declarou que a educação era uma
prioridade para a sua autointitulada "revolução bonita".
No
entanto, sob o seu sucessor Nicolás Maduro, os ganhos sociais
evaporaram-se rapidamente durante uma recessão brutal agravada pela
queda dos preços do petróleo, dizem os críticos.
Eles
falam de um financiamento insuficiente para as escolas e da falta de
professores qualificados, devido aos baixos salários ou à emigração.
A
Venezuela tem divulgado poucos dados nos últimos tempos e não participa
nos testes do PISA (Programme for International Student Assessment)
reconhecido mundialmente, por isso é difícil avaliar o estado da
educação com precisão estatística.
Os ministérios da Educação e da Informação do país não responderam aos pedidos de comentários.
O
declínio da Venezuela, que tem as maiores reservas de petróleo do
mundo, está refletido no destino da escola pública Monsenhor Marco Tulio
Ramirez Roa em La Fria, perto da fronteira com a Colômbia.
O
edifício envelhecido foi destruído em 2013 para dar lugar a um novo,
mas a inflação galopante, os atrasos burocráticos e a escassez de
materiais suspendeu a construção, de acordo com a administração da
escola.
As autoridades não ofereceram
qualquer espaço alternativo para os cerca de 300 alunos, disse a
administração, assim, as turmas foram espalhadas por casas municipais
próximas, uma sala por cima uma loja de produtos alimentares estatal
agora vazia e, até mesmo, uma apertada e quente garagem pertencente a um
empregado.
Agora, as salas de aula
debatem-se com falhas de energia e cortes de água frequentes. A escola
não consegue fornecer duas refeições por dia.
"A
situação é muito grave", disse Josefina Molina, mãe de cinco, depois de
os seus filhos terem recebido ordem de saída ao meio-dia porque não
havia almoço. "Isto está a dar connosco em loucos."
Como
Molina também não tinha comida, Yasir, o seu filho de cinco anos estava
a apanhar fruta de uma árvore no exterior da casa da família.
Os
tempos difíceis ameaçam ampliar a desigualdade educacional. Algumas
escolas privadas têm permanecido discretamente abertas às sextas-feiras e
mantiveram os professores aumentando-lhes os salários, mas as escolas
públicas não têm essas opções.
Sharon
Roa de 27 anos, e também encarregada de educação em La Fria, disse que
deixa muitas vezes os filhos ficarem em casa porque a escassez de sabão e
os cortes de água fazem com que lhe seja impossível lavar os uniformes
deles.
No ano passado, Ever Mejias, de
14 anos, abandonou a escola, onde a arte era a sua matéria favorita,
para embalar gelo numa fábrica e ajudar a família.
Os educadores também estão a abandonar o barco.
O
professor de matemática Douglas Mena, de 32 anos, deixou de dar aulas
de manhã em março porque faz o dobro do dinheiro a pescar no grande lago
venezuelano de Maracaibo.
"Eu não sou o
único", disse ele após um turno recente. "Há muitos de nós que
começaram a revender produtos no mercado paralelo, a fazer bolos, limpar
casas, qualquer coisa."
São muitos os
profissionais em toda a Venezuela que se voltaram para trabalhos desse
género para se protegerem contra a inflação e ser mais fácil comprar
comida.
Mas as filas nos supermercados
chegam a ter milhares de pessoas, e os preços de revenda dispararam, por
isso há muita gente a sobreviver comendo mangas e fécula ou,
simplesmente, a saltar refeições por inteiro.
"Eu
abri os olhos", disse Edgar Barrios, de 38 anos, um ex-chavista de La
Fria, que durante três anos permitiu que uma turma da escola Monsenhor
Marco Tulio Ramirez Roa tivesse aulas na sua garagem.
"Estou dececionado com a vida que temos agora."
Jornalista da Reuters
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