FHC, agora, quer o fim da Operação Lava Jato
"Sou defensor das ações da Lava-Jato e sei que sem elas seria mais difícil melhorar as coisas. Mas não nos iludamos: sem alguma forma de instituição política e sem políticos que a manejem, não será suficiente botar corruptos na cadeia para purgar erros de condução da economia e da política", diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, justamente no momento em que novas delações ameaçam seu partido; "Que se ponha na cadeia quem for responsável, mas que não se confunda tudo: nem todos os políticos basearam sua trajetória na transgressão, e nem todos que financiaram a política, bem como os que receberam ajuda financeira, foram doadores ou receptores de 'propinas'"; em delação recente, Nestor Cerveró apontou propina de US$ 100 milhões em seu governo
247 – O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia que a Operação Lava Jato
já cumpriu seu papel, ao contribuir para o afastamento da presidente
Dilma Rouseff e para o desgaste do PT.
Agora, no momento em que
novas delações se aproximam se deu partido, ele pede um basta. "Não é
hora só para acusações, é hora também para a busca de convergências",
diz ele.
Leia, abaixo, seu artigo deste domingo:
Um pouco de bom senso
Descartes, em frase
famosa, escreveu que o bom senso é a faculdade melhor distribuída no
mundo. Na época, bom senso se referia à razão. Traduzindo para hoje: a
inteligência das pessoas se distribui entre elas seguindo uma curva
normal. Pode ser. Mas o common sense dos americanos é outra coisa: a
sabedoria. Seja no sentido francês, seja no inglês, parece que o mundo
de hoje perdeu o senso. De hoje?
Muito comumente os que
tomam decisões pouco se preocupam com os dias futuros. O tempo passa, e
quem paga a conta são as gerações futuras. A falta de senso vem de
longe. Basta olhar para o que vimos ainda esta semana. Seja o Isis, seja
quem for o responsável pelos ataques terroristas na Turquia, eles são
respostas irracionais a atos também irracionais do passado.
Não foi o colonialismo
inglês que partiu o Oriente Médio em Estados-nação que controlam etnias,
religiões e culturas distintas? E, na África, os ingleses não contaram
com a ativa cooperação dos franceses e demais potências ocidentais para
criar países artificiais? Mais recentemente, não foram os americanos no
Iraque, os europeus na Líbia, e todos juntos na Sí- ria, que fizeram
intervenções para restabelecer o “bom governo” e deixaram os países
divididos e ingovernáveis?
E não foram outras
pessoas que pagaram com a vida, décadas depois, o ardor missionário dos
terroristas de vários tipos? Mais recentemente, a maioria dos britânicos
votou por separar o Reino Unido da Comunidade Europeia. Só depois se
assustaram. Amanhã, acaso os americanos não podem pregar uma peça neles
próprios (e em todo o mundo) e eleger o Trump?
Espero que não. Mas, em
qualquer dos casos (e ainda que os ingleses tenham lá seus argumentos
contra a “burocracia de Bruxelas”), as consequências, como a sabedoria
de Eça fazia o conselheiro Acácio dizer, vêm sempre depois. Escrevo isso
não para justificar, mas para tentar explicar algo do que ocorre entre
nós.
Assim como no passado
outras visões do mundo puderam levar alguns povos, momentaneamente, à
insensatez, e esta cobrou seu preço no transcorrer do tempo, no mundo
atual há um sentimento antiordem estabelecida, que poderá cobrar preço
alto no futuro. Está na moda, por motivos compreensíveis, colocar no
pelourinho a política e os políticos.
Não é só aqui e vem de
longe. O mesmo movimento que levou à ampliação da interação social,
saltando grupos, Estados e nações, baseado no acesso à informação e às
novas tecnologias, pôs em xeque as instituições tradicionais, tanto das
ditaduras como das democracias representativas. Foi assim na “primavera
árabe”, do mesmo modo que nos movimentos dos “indignados” da Espanha,
agora no anti-Bruxelas da Grã-Bretanha.
E não é de outra índole o
tipo estranho de protesto que permitiu Trump derrotar os “donos” do
Partido Republicano, ou o susto que o senador Bernie pregou em Hillary.
Por todos os lados há um mal-estar, um inconformismo: todos vêm e sabem
que a vida pode ser melhor, sentem que o progresso material cria
oportunidades, mas delas se apoderam alguns, não todos.
Deriva daí, como do
desemprego, que é outra faceta da desigualdade básica de apropriação de
oportunidades, uma insatisfação generalizada que se volta contra “los de
arriba”. O horizonte parece toldado, mas não ao ponto de impedir que
“los de abajo” vislumbrem bom tempo para alguns, o que irrita. Irrita
mais ainda quando há um sentimento de impotência, porque os que sabem e
possuem têm vantagens desproporcionais diante da maioria que vê o bonde
da História passar.
Essa constatação só
aumenta a angústia e a responsabilidade dos que dela têm noção. Tivemos
no Brasil, à nossa moda, algo disso. Há responsáveis, mas não vem ao
caso acusar. Provavelmente alguns deles, se forem intelectualmente
honestos, estão se perguntando: por que não vi antes que endividar
irresponsavelmente o país, mesmo que a pretexto de aumentar
momentaneamente o bem-estar do povo e criar ilusões de crescimento
econômico, é algo ruinoso, que as gerações futuras pagarão?
Exemplo simples: quando
foi derrotada a emenda na Previdência Social de meu governo, que definia
uma idade mínima para as aposentadorias, não faltou quem gritasse
vitória. Alguns dos mesmos que década depois se deram conta de que não
se tratava de “neoliberalismo”, mas de projetar no futuro próximo as
consequências financeiras de tendências demográficas inelutáveis. Diante
do estrago, não adianta chorar: é darmo-nos as mãos e ver se
encontramos caminhos.
Digo há tempos que o
sistema político atual (eleitoral e partidário) está “bichado”. Sou
defensor das ações da Lava-Jato e sei que sem elas seria mais difícil
melhorar as coisas. Mas não nos iludamos: sem alguma forma de
instituição política e sem políticos que a manejem, não será suficiente
botar corruptos na cadeia para purgar erros de condução da economia e da
política.
Que se ponha na cadeia
quem for responsável, mas que não se confunda tudo: nem todos os
políticos basearam sua trajetória na transgressão, e nem todos que
financiaram a política, bem como os que receberam ajuda financeira,
foram doadores ou receptores de “propinas”. Se não se distinguir o que
foi doação eleitoral dentro da lei do que foi “caixa dois”, e esta do
que foi arranjo criminoso entre governo, partidos, funcionários e
empresários, faremos o jogo de que “todos são iguais”. Se fossem, que
saída haveria?
Está na hora de juntar as
forças descomprometidas com o crime, e elas existem nos vários setores
do espectro político, para que o bom senso volte a imperar e para que
possamos recriar as instituições, entendendo que no mundo contemporâneo a
transparência não é uma virtude, mas um imperativo, e, por outro lado,
que se não houver meios institucionais para decidir e legitimar o que
queremos não sairemos da desilusão e da perplexidade.
Não é hora só para acusações, é hora também para a busca de convergências.
copiado http://www.brasil247.com/pt/
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