'E agora, Brasil?': Independência do Judiciário em risco


'E agora, Brasil?': Independência do Judiciário em risco

Em evento do GLOBO e da CNC, antes de polêmica votação na Câmara, juiz da Lava-Jato disse temer que magistratura fique acuada por ação do Congresso



O juiz Sérgio Moro participa de evento promovido pelo GLOBO Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo

'E agora, Brasil?': Independência do Judiciário em risco

Em evento do GLOBO e da CNC, juiz da Lava-Jato diz temer que magistratura fique acuada por ação do Congresso

por O Globo
01/12/2016 4:30 / Atualizado 01/12/2016 11:03
RIO - “As prisões seriam pequenas para prender tantos juízes”. A frase foi transportada do fim do século XIX para o Brasil de 2016 pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos na 1ª instância da operação Lava-Jato, para ilustrar os desafios hoje enfrentados pelo Poder Judiciário. O magistrado de Curitiba, reconhecido pelas decisões que puseram atrás das grandes nomes da política e da economia, foi o convidado do quarto e último encontro “E agora, Brasil?”, promovido pelo GLOBO com apoio da Confederação Nacional do Comércio (CNC), e ocorrido na Maison de France, no Rio, na última terça-feira.



Moro ainda não estava impactado pela recente decisão da Câmara, que desfigurou o pacote de combate à corrupção, quando participou da conversa com empresários e jornalistas. Mas previa dias difíceis pela frente. Ao abrir sua apresentação, o juiz da Lava-Jato tratou do risco que a independência do Judiciário sofre, caso um magistrado possa ser acusado e preso por abuso de autoridade pelo simples fato de uma decisão sua ser modificada por colega de instância superior. Na sua visão, essa possibilidade está prevista no projeto de lei de abuso de autoridade aprovado na Câmara e no texto apresentado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Em sua leitura, a proposta poderia ser usada para intimidar e restringir a atuação de juízes, promotores e procuradores, em casos como os apurados na Lava-Jato.
Foi este o tema que fez Moro voltar ao século XIX. Ele se referia a um trecho de fala de Rui Barbosa, quando o histórico jurista defendeu um juiz acusado de abuso de autoridade pela interpretação de uma decisão. O mesmo risco que a Câmara, nos últimos dois dias, fez crescer, quando modificou o pacote anticorrupção, criando o crime de abuso de juízes e integrantes do Ministério Público, que também poderia ser usado para limitar a atuação da magistratura.
— Esse episódio (a defesa do juiz por Rui Barbosa) é fundante da independência da magistratura, consagrada de uma maneira muito robusta na nossa Constituição de 1988 — afirmou Moro, sendo aplaudido por empresários e demais convidados presentes ao evento, mediado pelos colunistas Míriam Leitão e Jorge Bastos Moreno, antes de completar: — Hoje, no entanto, assistimos com preocupação a certas movimentações que terão o efeito prático de restringir a independência do Judiciário.
Moro se referia ao projeto de abuso de autoridade no Senado e à ofensiva contra juízes e procuradores no pacote anticorrupção na Câmara. No caso do MP, disse Moro, “é ainda mais absurdo, porque tem que se oferecer uma denúncia e se precisa dos elementos condenatórios desde o início; e, se (o denunciado) não for condenado, é crime de responsabilidade do MP”.

Vacina contra as armadilhas retóricas







No encontro, Moro sublinhou que apresentará hoje a Renan Calheiros, no Senado, sugestão de artigo para ser incluído no projeto de abuso de autoridade. Para evitar que a divergência entre decisões de juízes seja criminalizada, o artigo explicitaria: “Não configura crime previsto nesta lei a mera divergência na interpretação da lei penal e por si só penal, ou na avaliação de fatos e provas”. O magistrado disse ter sido convidado por Renan para participar de audiência sobre o assunto na Casa.
— Nenhum juiz é conivente com a prática do crime. O juiz que comete um crime, seja de corrupção, de abuso de autoridade, certamente deve ser punido. O problema é eventualmente, a pretexto de se coibir abuso de juízes venais, promover um ataque contra a independência do Judiciário — disse o magistrado de Curitiba, ressaltando que, no caso do crime de responsabilidade, juízes e promotores estariam “submetidos a julgamento político no Senado”. — O Direito não é matemática. Pessoas razoáveis divergem razoavelmente sobre a interpretação do Direito, sobre a avaliação de fatos e provas.
O sistema de recursos no Judiciário foi citado por Moro como exemplo de proteção já existente da população contra eventuais abusos de autoridades. Além disso, segundo o magistrado, juízes, agentes do MP e autoridades policiais não estão “imunes” à lei penal.
— Tem algumas normas (presentes na proposta de crime de responsabilidade) que são claras e não oferecem risco: o juiz não pode acumular mais de um cargo, salvo magistério; embora ache exagero, é conduta descrita. Mas outras... Manifestar opinião sobre processos pendentes. É norma ética da magistratura com a qual concordo, mas transformar em crime? Crime de opinião, então? Condenar pessoa física ou jurídica sem os elementos necessários à condenação, assim reconhecidos por decisão colegiada de 2ª instância. Então dá para se colocar parágrafo dizendo: “Fica revogada a independência judicial”. Porque, se é para criminalizar decisões tomadas... — disse, voltando a lembrar Rui Barbosa: — Vai faltar cadeia para tantos juízes divergentes. E aí é o fim da independência judicial, no momento em que Judiciário e MP se destacam não por serem venais, mas, ao contrário, por estarem cumprindo seu dever.

Figura do foro privilegiado

Moro também deu exemplos de crimes trazidos pelo projeto de abuso de autoridade e que não estariam bem definidos:
— Tem alguns crimes em que não há qualquer dúvida: constranger preso a conceder benefício sexual. Não há dúvida de abuso de autoridade. Mas oferecer denúncia sem justa causa está lá. Promover persecução penal sem justa causa está lá. Pessoas razoáveis vão divergir razoavelmente se há justa causa ou não. Quem vai querer oferecer denúncia e correr o risco de ser processado criminalmente, especialmente quando a denúncia envolver interesses poderosos da parte dos acusados? Muitas vezes tenta se pintar essa preocupação dos juízes (contra essas propostas) como se fosse movimento corporativo. Não se trata disso. Os juízes já são responsabilizados na forma da lei penal como qualquer outro agente público. Há um questionamento que compreendo sobre um juiz punido ficar sujeito apenas à sanção de aposentadoria compulsória; então vamos debater essa questão. Tem que se discutir esses assuntos com objetividade, pragmatismo, sem entrar nessas armadilhas retóricas, utilizadas para caracterizar os juízes como privilegiados irresponsáveis.
Em uma das questões a Moro, Jorge Bastos Moreno lembrou que, durante a ditadura militar, o governo chegou a apresentar ao Congresso projeto de reforma da magistratura, e o então MDB rechaçou o texto. Questionado sobre como vê a reação atual dos parlamentares à proposta de abuso de autoridade, Moro afirmou ter esperança nos “homens e mulheres de bem” do Congresso.
A comparação entre o andamento mais rápido da Lava-Jato na 1ª instância e uma movimentação mais demorada dos casos da operação no Supremo Tribunal Federal (STF) também foi debatida. Para Moro, esse ritmo mais lento no STF — devido ao excesso de processos na mais alta Corte do país, segundo ele — leva à necessidade de se discutir se o foro privilegiado, que faz com que os casos da operação envolvendo autoridades sejam levados ao STF, estaria sendo usado como estratégia dos acusados para atrasar seu julgamento.
— Quando, no exterior, se fala na quantidade de casos do Supremo, a plateia pensa que é erro de tradução: a Suprema Corte (dos Estados Unidos) com cem casos no ano, e nosso Supremo com 40 mil. O relator da Lava-Jato no STF (Teori Zavascki) tem feito trabalho digno de nota. Mas é inegável, com essa estrutura assoberbada, dar vazão a esses casos em período razoável. Diante dessa constatação, abre-se a questão do foro privilegiado. Funcionaria se fossem poucos casos de autoridades detentoras desse foro submetidas a investigação. Mas, considerando a quantidade atual de casos, trata-se de debater se o foro não tem servido como instrumento que impacta a efetividade da apuração desses casos.
Moro não teme que falte visão de conjunto para o STF, por julgar apenas parte das ações da Lava-Jato, diferentemente do caso do mensalão, onde o tribunal concentrou o julgamento de todos os réus. Por uma razão, todos os casos estão nas mãos de um mesmo relator: o ministro Teori Zavaski.
copiado  http://oglobo.globo.com/brasil/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

Ao Planalto, deputados criticam proposta de Guedes e veem drible no teto com mudança no Fundeb Governo quer que parte do aumento na participação da União no Fundeb seja destinada à transferência direta de renda para famílias pobres

Para ajudar a educação, Políticos e quem recebe salários altos irão doar 30% do soldo que recebem mensalmente, até o Governo Federal ter f...