"François Fillon não é um candidato fácil para Marine Le Pen"
Uma direita reforçada, uma esquerda falhada e uma Frente Nacional isolada. É assim que Pascal Perrineau, professor de Ciência Política e Sociologia Eleitoral na Sciences Po, em Paris, olha para a política francesa
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DR
Uma
direita reforçada, uma esquerda falhada e uma Frente Nacional isolada. É
assim que Pascal Perrineau, professor de Ciência Política e Sociologia
Eleitoral na Sciences Po, em Paris, olha para a política francesa
Assistimos
a um terramoto político à direita com a eleição de François Fillon como
candidato d"Os Republicanos. Como é que isto vai influenciar as
presidenciais em abril?
Ninguém
conseguiria prever a vitória de François Fillon há algumas semanas.
Mais de quatro milhões de pessoas votaram em cada volta. Isto vem provar
que a direita se está a mobilizar em França. Ao mesmo tempo, a direita
está a enviar um sinal claro de renovação. Rejeitou um antigo presidente
da República, Nicolas Sarkozy, e rejeitou Alain Juppé, alguém muito
associado ao passado do chiraquismo. Assim, com Fillon, a direita deixou
claros os seus dois valores essenciais: a autoridade e a liberdade. A
autoridade no domínio dos valores culturais e a liberdade em matéria de
economia. Aliás, se olharmos hoje para as sondagens, François Fillon é o
candidato que aparece à frente. Mesmo à frente de Marine Le Pen.
Como afirmou, ninguém diria que seria Fillon o candidato da direita. Porquê esta mudança?
Antes
das primárias, Nicolas Sarkozy fez uma campanha que apelava à direita
mais à direita, mesmo colado à Frente Nacional. Juppé fez uma campanha
que se dirigia ao centro e à esquerda. Fillon percebeu que a melhor
maneira de vencer era apelar diretamente ao coração da direita e do
centro-direita. No início, a sua campanha passou despercebida, mas, aos
poucos, fez que esta maioria silenciosa tenha tomado a palavra e tenha
tido um papel determinante na eleição.
As duas voltas das primárias tiveram muita participação. Isso surpreendeu-o?
Sim.
Em França insistimos que é a esquerda que se mobiliza e que é
militante. Aqui percebemos que a direita votou mais do que a esquerda em
termos de primárias. Isso significa que os militantes da direita, mas
especialmente as pessoas que vivem fora dos grandes centros urbanos, se
mobilizaram muito. Muitos porque se reveem na personalidade de Fillon.
Há
agora uma expectativa ainda maior para perceber o que é que se vai
passar à esquerda. As primárias estão marcadas para janeiro. O que é que
pode significar uma participação maior nas primárias à direita do que à
esquerda?
Significa que a
esquerda está dividida. Nem haverá verdadeiras primárias à esquerda. Há
primárias só para o Partido Socialista. A esquerda francesa não tem
nenhum líder neste momento. Agora até temos o presidente da República
contra o primeiro-ministro para saber quem será candidato às eleições em
abril. O Partido Socialista não parece ter estratégia.
Mas considera que há algum potencial candidato socialista que possa mudar isso, como aconteceu com Fillon?
Talvez,
mas só vejo Arnaud Montebourg. Talvez consiga aparecer. E ainda não
sabemos se vamos ter ou não François Hollande a concorrer nas primárias.
Será que ele vai querer jogar esse jogo? Mesmo estas candidaturas
surgem e desenvolvem os seus projetos no meio de uma cacofonia completa.
É um período de conflito entre a esquerda e a esquerda do governo. E,
mesmo dentro da esquerda do governo, há muitos conflitos.
Há ainda Emmanuel Macron...
A
esquerda está prestes a implodir. Para adicionar a todos os seus
problemas, Emmanuel Macron, ex-ministro da Economia que esteve no centro
das políticas de Hollande, não só está a tentar apelar à esquerda, mas
também ao centro e também à direita. É o caos.
Mas ainda há um verdadeiro centro em França?
O
centro vai estar muito dividido, mas será uma escolha entre Fillon e
Macron. Talvez François Bayrou ainda tenha uma palavra a dizer. Ele é
tradicionalmente o candidato do centro.
Essa divisão é uma vantagem para Marine Le Pen?
O eleitorado centrista está muito longe de Marine Le Pen, portanto não a toca diretamente.
Mas, se está dividido, dará menos votos a cada um dos restantes candidatos...
Claro.
Mas há uma novidade muito negativa para Marine Le Pen: Fillon não é um
candidato fácil. Com o valor da autoridade, ele retém uma parte do
eleitorado à direita que mais facilmente poderia passar o seu voto para a
Frente Nacional e que já não o fará.
Acontecimentos de 2016 como a eleição de Donald Trump para presidente dos EUA dão esperanças à Frente Nacional?
Sim,
são eventos favoráveis à Frente Nacional. Mostram que há, não só na
Europa, mas no mundo, o que muitos começam a designar como "revoluções
populistas" devido a problemas suscitados pela globalização. Há uma
espécie de insurreição populista nas urnas com múltiplos sintomas:
Trump, Le Pen, a possível eleição de Norbert Hofer como presidente da
Áustria, o brexit e até a possível rejeição do referendo italiano.
Nesse
sentido, pensa que o que se passa na esquerda francesa, nomeadamente no
Partido Socialista, é sintomático de tudo o que se passa na esquerda
europeia? Portugal é um dos únicos países onde a esquerda reforçou o seu
apoio popular.
A esquerda
está em crise em todo o lado. Desde logo, está dividida sobre o que se
pode fazer para combater os efeitos da globalização. O modelo de um
governo de esquerda, que é o de um Estado providência altamente
redistributivo, entrou em crise com o aumento das dívidas públicas - em
França estamos a falar da quase totalidade do produto interno bruto.
Acompanha
muitos partidos por toda a Europa. Acha que algum partido socialista
encontrou uma solução viável para as questões que acabou de colocar?
Há
talvez alguns partidos no Norte da Europa, olhando para a esquerda na
Suécia, na Dinamarca. Há também alguns sinais na esquerda alemã. Até no
Partido Trabalhista inglês já houve esse movimento com Tony Blair,
quando falou na questão da terceira via. Mas no PS francês não há uma
verdadeira reflexão. No Sul, Zapatero tentou avisar que o combate da
esquerda devia ser mais cultural do que económico, mas falhou e agora o
PSOE enfrenta uma crise profunda em Espanha. Já a situação em Portugal, é
atípica dentro da Europa.
Durante
a crise económica houve muitos investigadores que se questionaram por
que é que não havia mais manifestações, e, ao mesmo tempo, por que é que
não surgiram forças políticas expressivas em reação à crise. Consegue
avançar alguma explicação para isto?
Portugal
é um país que foi muito tocado pela crise, mas parece haver uma
verdadeira resistência. A sociedade portuguesa é muito coesa e muito
homogénea. Há um sentido muito grande de comunidade. É por isso que
Portugal no estrangeiro continua muito ligado à pátria-mãe e isto tem um
significado profundo. É uma sociedade com uma identidade muito forte e
essas sociedades, numa altura de plena globalização, resistem mais do
que outras aos seus impactos.
Essa coesão já não existe em países como a Alemanha ou em França?
Muito
menos. A individualização arruinou o sentido de comunidade e os fluxos
migratórios introduziram grupos que ferem a identidade nacional. Uma
parte destes grupos não partilha uma forte identidade nacional, aliás,
há muitos jovens com origens em países árabes cuja identidade francesa é
frágil, apesar de terem o bilhete de identidade francês. Perdemos a
noção do bem comum.
Considera que a identidade vai ser um dos maiores temas da campanha eleitoral?
Será um dos temas, mas não o único nem o mais relevante. Os franceses insistem que o tema mais importante é a economia.
E há algum candidato mais bem posicionado para dar resposta à questão económica?
Neste
momento, as pessoas estão interessadas no que diz Fillon. Ele sugere
que façamos o que nunca foi feito. Ele está a assumir um risco. A
escolha é entre a Frente Nacional com uma política protecionista e
antieuropeia ou um choque com Fillon. Fazer as reformas que a França
nunca teve coragem para fazer até agora. E este, a meu ver, vai ser o
combate da segunda ronda eleitoral, entre a Frente Nacional e a direita.
E, nessa segunda volta, Marine Le Pen tem verdadeiras possibilidades de ganhar?
É
uma possibilidade remota, mas ela existe. Ao mesmo tempo, quem quer
apoiar a Frente Nacional, quando olha para o panorama político, vê que
Marine Le Pen está sozinha, não tem aliados políticos nem gente
competente à sua volta. O que seria uma maioria de deputados da Frente
Nacional na Assembleia? A maioria dos franceses não quer estes riscos.
Em Paris
COPIADO http://www.dn.pt
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