O
SEF não sabe a quantos imigrantes ilegais concedeu autorização de
residência sem cumprirem a principal exigência da lei: terem entrado
legalmente no espaço Schengen
A
ministra da Administração Interna defende uma "orientação" da anterior
direção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), durante o governo
PSD-CDS, que permitiu legalizar, em 2015, milhares de imigrantes à
margem da lei. A maioria eram de países considerados de risco, como a
Índia, o Bangladesh e o Paquistão, e estavam noutros países da União
Europeia (UE) em situação irregular.
Conforme
o DN tinha noticiado em julho passado, a atual direção do SEF tentou
revogar a "orientação" da direção do juiz desembargador Beça Pereira
(que negou ter autorizado tal medida), mandando "cumprir a lei". Mas
acabou por recuar, depois de protestos das associações de imigrantes e
pressões políticas, prometendo analisar "caso a caso". Nessa altura,
Constança Urbano de Sousa disse estar a "analisar a situação", mas vem
agora mostrar que não apoiava a revogação do SEF, ao concluir que a
medida é uma "diferente interpretação do requisito legal de entrada
regular". Para a ministra, "a aplicação das leis pressupõe a sua
interpretação, podendo haver interpretações divergentes, como é próprio
da aplicação do direito, não consubstanciando a atividade interpretativa
uma ilegalidade no sentido estrito".
Em
causa está o artigo 88 da lei de estrangeiros, que define as condições
excecionais de legalização aos imigrantes integrados no mercado de
trabalho, mas limitado aos que entraram legalmente no país, para evitar
as redes criminosas que criam contratos de trabalho fictícios.
Questionada
pelo DN sobre quantos estrangeiros terão sido legalizados desta forma -
uma primeira estimativa não oficial apontava para cerca de 5000 -, a
titular da pasta da Segurança admite não ter capacidade para fazer esse
controlo. "Atendendo ao facto de que a dispensa do requisito de entrada
regular não era assinalada, não existem estatísticas que permitam
determinar com exatidão o número de emissões de autorizações de
residência emitidas dessa forma."
A
ministra, numa resposta ao grupo parlamentar d"Os Verdes, reconhece, no
entanto, que essa "diferente interpretação" teve como resultado "o
consequente efeito de chamada de imigrantes em situação irregular
noutros Estados membros, bem evidente em 2015, com a inversão da
evolução decrescente de cerca de 25% ao ano em que se registava, de
forma consistente, desde 2008". Oficialmente, através deste mecanismo
excecional, foram registadas pelo SEF nesse ano cerca de 4000
autorizações, embora, como já foi referido, não saibam quantas foram sem
o requisito de entrada legal. A manter-se o mesmo nível de tendência
decrescente dos anos anteriores, em 2015 não deviam ter sido
ultrapassadas as 2000 autorizações excecionais. Mas deram entrada,
segundo o SEF, mais de 12 000 pedidos, muitos deles ainda com a
expectativa da legalização e a pressionar o governo com manifestações,
como a de novembro (na foto).
Alerta de segurança
A
posição de Constança Urbano de Sousa deixa alarmados, do ponto de vista
jurídico, o catedrático de Direito e constitucionalista Jorge Bacelar
Gouveia, e numa perspetiva de segurança interna e da UE, o presidente do
Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo
(OSCOT) António Nunes. "A interpretação da lei não é subjetiva, é
objetiva, e quando a mesma é violada, há ilegalidade", explica Bacelar
Gouveia, que admite poder haver matéria para um "crime de abuso de
poder".
O professor de Direito da
Universidade Nova assinala que "nenhum órgão administrativo pode
interpretar leis - ainda menos uma polícia. Não deixa de ser irónico que
se tenha criado uma exceção para uma lei que já foi feita para casos
excecionais. A ser verdade o raciocínio da sra. ministra, não haveria
nenhum criminoso na prisão porque, na sua interpretação da lei, não
teria cometido nenhum crime". No limite, acrescenta, "se a direção do
SEF tivesse alguma dúvida sobre a aplicação da lei, teria de ter pedido
uma clarificação à tutela, afiança o professor de Direito. O
ex-secretário de Estado da Administração Interna e atual porta-voz da
direção do CDS, João Almeida, garantiu nunca o ter feito.
O
presidente do OSCOT lembra a ameaça terrorista na Europa e a
necessidade de "todos os países serem rigorosos na concessão de
autorizações de residência a imigrantes, que depois podem circular
livremente em todo o espaço Schengen". António Nunes não compreende a
atitude da governante, que, no seu entender, "pode fragilizar a
confiança em Portugal". "Pode ter consequências muito graves. Deixa-se
de ter controlo na entrada de imigrantes e corre-se o risco de entrarem
alguns que já cometeram crimes comuns ou estão ligados a grupos
terroristas."
Desde julho que a IGAI e a PGR estão a avaliar se há matéria de infração disciplinar ou criminal.
copiado http://www.dn.pt/portugal/interior/
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