Numa versão em miniatura, à moda de Vargas, Dilma tenta lustrar o seu retrato
A deposição de Vargas é um subproduto do fim da Segunda Guerra Mundial. Como sua ascensão já fora um subproduto do início da Grande Guerra. Vargas é um dos vários ditadores que surgiram pelo mundo naquele período, de esquerda e de direita. Gente como Stálin, na União Soviética; Franco, na Espanha; Salazar, em Portugal. E, acima de todos eles, Adolf Hitler, na Alemanha. A derrota de Hitler pelos aliados significou uma vitória das nações ditas democráticas contra esse modelo de governo. Ainda que alguns ditadores tenham resistido por muito mais tempo – como Franco e Salazar –, a derrota do ditador entre os ditadores enfraqueceu todos os outros. E ajudou a derrubar Vargas.
Mas Getúlio Vargas era também o governante que, nos seus 15 anos de ditadura, criou e consolidou as regras e os direitos dos trabalhadores brasileiros. Um importante legado social que ninguém lhe tira. Quando sua ditadura foi derrubada, Vargas optou por uma postura de início discreta. Da sua estância Santos Reis, em São Borja, procurava acompanhar de perto o desenrolar dos acontecimentos políticos, mas mantinha-se o mais reservado possível ao público.
De vez em quando, porém, dava um jeito de enviar recados públicos. Numa “Mensagem ao Povo”, apoiou a candidatura de Eurico Gaspar Dutra. E levou, assim, o adversário de Dutra, Eduardo Gomes, a uma armadilha preconceituosa. “Não preciso dos votos dessa malta de desocupados que apoia um ditador”, disse Eduardo Gomes. Espalharam uma versão preconceituosa da frase: “Não preciso do voto dos marmiteiros”, como se fosse essa sua classificação para os trabalhadores mais humildes que ganharam direitos na Era Vargas.
Devagar, foi reduzindo a postura reservada. Elegeu-se senador. Recolheu-se de novo. E depois concedeu a famosa entrevista ao jornalista Samuel Wainer, considerada um marco inicial da sua campanha para voltar a ser presidente da República, desta vez pelo voto popular, em 1950. E a foto de Getúlio, em um cavalo, com a frase: “Se passar encilhado, ele monta!” O final da história está na marchinha de carnaval: “Bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar”.
Como a gente disse lá em cima, é claro que a situação de Dilma, pelo que ela representa, não é a de Getúlio. Ela não se prepara para voltar à Presidência. Mas pensa em um dia retornar à política. E, se não pensa em ver seu retrato de volta, pensa, certamente, em dar uma lustrada na moldura.
A entrevista de Dilma para o jornal Valor Econômico, publicada nesta sexta-feira (17), foi o segundo grande recado de Dilma enviado do “exílio”. Antes, ela dera uma entrevista para a Folha de S. Paulo. Nas duas vezes, esmerou-se em fazer os repórteres perceberem sua atual rotina de vida. Seu apartamento. Seus livros. Seus netos. O que faz nas ruas. Onde vai fazer compras, etc. Tudo parece ter o propósito de mostrar uma pessoa normal, vivendo a sua vida, sem maiores luxos. Nestes momentos de Lava-Jato, claramente busca passar uma ideia de alguém que não enriqueceu na política (registre-se que estamos falando aqui da impressão passada; se é verdade ou não, depende de outra apuração).
Os recados passados parecem vir em cima do desgaste político dos seus adversários, ex-aliados que a sucederam no poder. Não importa aqui qual a narrativa correta: por um processo de impeachment previsto na Constituição ou se por um golpe parlamentar. A tônica da nova entrevista ao Valor é a frase de Dilma sobre Moreira Franco, o “gato angorá”, como chama. Dilma diz que ela não deixava que o “gato angorá” roubasse na Agência Nacional de Aviação Civil, cargo que Moreira Franco ocupou durante seu governo.
Moreira Franco é um dos ministros de Michel Temer que figuram na nova lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. É alguém que teria se tornado ministro somente para obter foro privilegiado, diante da suspeita de que estaria na lista. Dilma está na lista também, mas sem o foro privilegiado, remetida para a Primeira Instância, como acontece também com seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao falar de Moreira, e dos cuidados que ela como presidente tinha para evitar seus, digamos, “excessos”, Dilma tenta dar um lustro no seu próprio retrato. É um passo arriscado, na miniatura da estratégia de Getúlio. Porque ela sempre terá de explicar por que, então, mantinha no poder alguém sobre quem tinha tão má impressão. Mas, aí, é tema para outra discussão: sobre as mazelas do nosso presidencialismo de coalizão. Por enquanto, o que temos é Dilma em Porto Alegre. Fingindo estar em São Borja…
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