EBC: ganhou-se uma batalha, mas ameaças continuam
Marcelo Auler(*)
Mais um contratempo para o governo interino que assumiu a presidência da República pelo golpe do impeachment. Michel Temer será obrigado a conviver com uma televisão pública cuja diretoria ele tinha demitido ao ocupar o gabinete presidencial, em 17 de maio. Como é uma questão que ainda pode sofrer mudanças, não é possível falar em derrota, por isso, prefiro o termo contratempo.Em decisão monocrática, divulgada nesta quinta feria (02/06), o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), garantiu o retorno do jornalista Ricardo Pereira de Melo ao cargo de diretor-presidente da Empresa Brasileira de Comunicação S/A – EBC. A decisão foi proferida no Mandado de Segurança (MS) 34205, em que o jornalista questiona a sua exoneração pelo presidente interino.
Toffoli deu a decisão por considerar aquilo que todos do mundo da comunicação defendem, menos políticos mais arcaicos, como estes que ocuparam o Planalto: a autonomia de gestão deve ser garantida à EBC, empresa pública, que tem por finalidade a prestação de serviços de radiodifusão pública, sob determinados princípios. Entre estes princípios, destacou o ministro, a autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão.
Muitos acusam o PT de ter criado cabide de
emprego nestes 14 anos de mandato. Até concordo. Foram muitas
“boquinhas” não apenas para petistas, como demais partidos aliados. Mas
no meio disso tudo, ao criarem a EBC garantiram a autonomia da
diretoria, com mandatos não coincidentes com o da presidência da
República.
Certamente aparecerá quem diga que o PT
fez isso pensando em deixar para um possível governo opositor o controle
da TV Pública por dois anos. É uma conjectura.
Não se pode desconhecer que esta é a prática acertada. Garante-se uma
diretoria dois anos antes de mudar o governo, com um mandato de quatro
anos. Assim, seus diretores, terão autonomia de ação.Como explicou Arnaldo César, aqui no blog, no artigo EBC: Nada com o que se espantar, na época em que se criou a Empresa Brasileira de Comunicação, uma das discussões mais demoradas foi justamente de como torná-la uma empresa pública, não governamental., apesar de ser estatal:
“Na época, prevaleceu a ideia de que ela deveria ser protegida dos humores dos mandachuvas de plantão. Exatamente, daqueles que nunca nutriram maiores amores por quem não se submete incondicionalmente às suas vontades.TV Pública não é TV governamental, para bajular quem está no poder. Até reconheço que a TV Brasil não conseguiu se firmar ainda como uma emissora que deve ser voltada para o interesse público. Deveria ousar mais, investir mais em reportagens do interesse geral. Ou mesmo nas questões políticas, ampliar o debate. Democratizar a discussão e as informações. Mas a decisão de dar ao seu presidente um mandato de quatro anos, não coincidente com o de quem o nomeia, copiou o exemplo existente em outros países e deve ser preservado.
Além disso, havia outro elemento de preocupação da Comissão montada pelo ministro Franklin. A entidade que estava sendo criada também nascia com o compromisso de dar espaço e voz a todas as minorias existentes no País. O que nunca foi – e dificilmente será – admitido pelas elites“.
Ameaças que permanecem – Quem sabe agora, quando pelo menos no próximo mês ou, no máximo meses, a TV Brasil, tendo à frente Ricardo Melo, não invista no bom jornalismo, apartidário, que dê voz ao governo mas também a quem lhe faz oposição? Com o descrédito das televisões abertas, que por serem consideradas “golpistas” estão perdendo audiência, o momento é adequado para marcar posição com o bom jornalismo, por exemplo.
Ele, porém, tem que ter suas cautelas, pois o governo, que ainda imaginou ser possível interferir na decisão de Toffoli mandando ao Supremo o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, tentar reverter a situação, como expôs o Valor Econômico, ainda possui algumas armas para combater a liberdade que a EBC deveria ter.
A primeira e principal delas é o controle financeiro da empresa. Por um erro de quem esteve à frente dela, a EBC não deveria ser estatal, dependente financeiramente do orçamento do governo.
“Infelizmente, a TV Brasil é dependente do orçamento da União. Pouco foi feito, ao longo desses anos todos, para que essa dependência fosse menor. Portanto o que se vê pela frente são dias ruins“, lembra Bia Toledo, jornalista e publicitária, que foi diretora da Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto (ACERP), que durante anos atendeu a TV Brasil.Ela poderia ter sido criada como empresa públicas, com participação governamental, mas também com direito a receita própria, por serviços prestados a terceiros. Como ela é hoje, ainda corre risco de ser boicotada pelo Palácio do Planalto, na hora do repasse da verba.
Outra ameaça que paira no ar vem do já anunciado propósito de Temer de modificar a Lei 11.652/2008, que criou a EBC. Quer, por meio de Medida Provisória, principalmente derrubar este princípio de diretoria com mandato. Fazendo-a voltar ao que era antes, suscetível aos “humores dos mandachuvas de plantão”, como destacou Arnaldo César. Contra isso, a bancada dos deputados que foram contra o impeachment por verem nele um golpe, deveria se armar desde já. Buscar, por exemplo, o auxílio de juristas que ajudem a ingressar no Supremo Tribunal Federal, como nos sugeriu, em mensagem, o sempre atento e participativo leitor do blog, João de Paiva. É dele a explicação:
“A fundamentação dessa ação é que NÃO existe o caráter emergencial que justifique a edição de uma MP para essa finalidade. Fechando essa porta, a única saída para alterar a lei, de modo a destituir a direção da EBC e no lugar dos que lá estão colocar os apaniguados de Eduardo Cunha/Temer, será o encaminhamento de um projeto de lei às casas legislativas. Um PL tem tramitação bem mais lenta, pois passará por comissões, será discutido, debatido no parlamento e a sociedade brasileira terá conhecimento da alteração na Lei que rege a comunicação pública no Brasil“.
Como, cada vez mais, acreditamos que a interinidade deste governo não será perpetuada e a presidente Dilma Rousseff, até mesmo pela incapacidade que Temer está demonstrado nestes poucos dias de usurpação do Poder, retornará ao posto para o qual foi eleita, barrando-se uma possível Medida Provisória, salva-se a EBC da gatunagem que os golpistas que hoje ocupam o Palácio do Planalto estão acostumados a fazer.
(*) Matéria reeditada às 11hH00 com acréscimo de informações.
copiado http://www.marceloauler.com.br
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