O
jornalista carioca Marcelo Auler está lutando na Justiça contra uma
medida autoritária imposta pelos próprios tribunais: a censura prévia.
Ele está impedido de publicar críticas à atuação da Polícia Federal,
além de informações sobre supostas irregularidades ocorridas durante as
investigações policiais relacionadas à operação Lava Jato. As decisões
judiciais foram proferidas em caráter liminar, sem que tenha sido
concedido direito de defesa ao jornalista.
Para Marcelo Auler, trata-se de uma ameaça não só ao seu trabalho jornalístico, mas à imprensa brasileira como um todo.
“É o jornalismo que está em jogo.
As pessoas têm todo o direito de entrar na justiça e reclamar do que eu
escrevi, e eu tenho a obrigação de provar que o que eu escrevi é
verdade. Isso eu faço, isso eu não me incomodo de fazer. Eu tenho provas
de tudo o que escrevi. Pode até se discutir se tem questão de
interpretação ou não, o que não pode é censurar.”
Por determinação de dois Juizados Especiais de Curitiba, dez
reportagens tiveram que ser retiradas de seu blog e futuras publicações
sofrem censura prévia. A primeira decisão, proferida em 30 de março
pelo juiz Nei Roberto de Barros Guimarães, atendeu ao pedido da delegada
federal Erika Mialik Marena e determinou a suspensão de duas matérias
publicadas em março deste ano, na qual Auler menciona o envolvimento da
delegada no vazamento de informações sobre a Operação Lava Jato.
A segunda decisão, proferida pela juíza Vanessa Bassani, determina a
retirada do ar de oito matérias publicadas entre novembro de 2015 e
abril deste ano, que mencionam a atuação do delegado Maurício Moscardi
Grillo (
Trecho que o blog está impedido de transcrever).
A decisão judicial ainda proíbe a publicação de futuras reportagens,
determinando que o jornalista “se abstenha de divulgar novas matérias em
seu blog com conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo ao
reclamante” (neste caso, o delegado Moscardi).
Marcelo Auler afirma que está recorrendo das decisões, e que o
próximo passo será ingressar com uma reclamação junto ao Supremo
Tribunal Federal, já que as decisões judiciais colidem com
posicionamento anteriormente emitido pelo STF.
Celso de Mello já deixou claro que a Constituição de 1988 não admite censura. Foto: Ascom/STF
De acordo com o ministro aposentado do STF, Carlos Velloso, a decisão
da juíza Bassani é uma violação ao que está previsto na Constituição.
“A censura prévia deixou de ter vigência no país e passou a ser
inadmitida constitucionalmente com a Constituição Federal de 1988,
porque antes havia brechas legais que a autorizavam. Portanto, faz quase
28 anos que a prática é vedada no Brasil”, afirmou Velloso ao site
Consultor Jurídico (lei
aqui e
aqui)
A advogada Márcia Mialik Marena, representante dos delegados
federais, não atendeu aos contatos feitos por este blog. Em nota enviada
ao jornal
Folha de S. Paulo, ela afirmou que os delegados
respeitam o jornalismo investigativo, independentemente se positivos ou
negativos em relação à Operação Lava Jato.
Ela afirmou ainda que Auler, “mais do que criticar, passou a,
reiteradamente, acusá-los de crimes, sem que tenham, em momento algum de
sua trajetória profissional, respondido procedimento disciplinar ou
criminal.”
Entidades jornalísticas emitiram notas de repúdio às decisões
judiciais. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo afirmou
que a proibição de publicar futuras reportagens é uma medida grave, “que
configura censura prévia – medida inconstitucional e incompatível com
uma democracia plena”.
Segundo a Associação Brasileira de Imprensa, as medidas judiciais
representam um “perigoso precedente”, já que recorrem a mecanismos de
controle da expressão do pensamento característicos da ditadura militar.
“Na visão da ABI, as autoridades que se sentiram ofendidas pelo blog
dispõem de outros instrumentos legais para se socorrerem das acusações a
elas endereçadas, sem a necessidade de vivificar procedimentos de
caráter autoritário que se acreditavam sepultados para sempre com o fim
do regime de 1964”, diz o comunicado da entidade
Apesar de expressamente proibida pela
Constituição Federal, a censura tem sido prática recorrente nas decisões
de juízes de tribunais de primeira e segunda instância, que determinam
não só a retirada de textos já publicados, mas também a divulgação de
futuras reportagens.
No ano passado, a ONG Repórter Brasil foi impedida de divulgar
informações sobre um resgate de trabalhadores em condições análogas às
de escravo. Levantamento feito pelo Centro Knight para o Jornalismo nas
Américas mostra que, somente entre 2012 e 2013, o país registrou 25
casos em que os tribunais foram utilizados como instrumentos de censura.
Um dos casos emblemáticos é o do jornal
O Estado de S.Paulo,
que está sob censura há quase sete anos. Em 31 de julho de 2009, o
periódico foi proibido de divulgar informações sobre uma operação da
Polícia Federal na qual era investigado o empresário Fernando Sarney,
filho do senador José Sarney. A censura prévia determinada em 2009 pelo
desembargador Darcio Vieira foi mantida em 2013, e processo aguarda
decisão do Supremo Tribunal Federal.
O Brasil ocupa a 104ª posição no ranking mundial de liberdade de
imprensa, de acordo com a organização Repórteres sem Fronteiras.
copiado http://www.marceloauler.com.br
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