Caso Datafolha: é possível chamar de erro o que foi uma fraude? Por Sylvia Moretzsohn Do Observatório da Ética Jornalística, o Objethos, o artigo de Sylvia Moretzsohn: “Essa questão surgiu da discussão provocada pela coluna da ombudsman daFolha de S.Paulo publicada em 24/7 e diz respeito a um tema fundamental:...


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Caso Datafolha: é possível chamar de erro o que foi uma fraude? Por Sylvia Moretzsohn

Do Observatório da Ética Jornalística, o Objethos, o artigo de Sylvia  Moretzsohn: “Essa questão surgiu da discussão provocada pela coluna da ombudsman daFolha de S.Paulo publicada em 24/7 e diz respeito a um tema fundamental:...

Caso Datafolha: é possível chamar de erro o que foi uma fraude? Por Sylvia Moretzsohn

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Do Observatório da Ética Jornalística, o Objethos, o artigo de Sylvia  Moretzsohn:
“Essa questão surgiu da discussão provocada pela coluna da ombudsman daFolha de S.Paulo publicada em 24/7 e diz respeito a um tema fundamental: o da objetividade na crítica do jornalismo.
Desde a descoberta do escândalo da manipulação da última pesquisa do Datafolha, detalhadamente relatado aqui, Paula Cesarino Costa recebeu uma enxurrada de mensagens condenando o jornal. Foi, como ela disse, o assunto que mais mobilizou os leitores, desde que assumiu o mandato, em 1º de maio deste ano: “do total de mensagens recebidas desde quarta-feira, 62% foram críticas e acusações ao jornal”.
Paula contestou os argumentos através dos quais o editor executivo, Sérgio Dávila, tentava justificar os motivos que o levaram a desconsiderar uma das respostas do questionário – aquela que anotava o percentual de 62% favoráveis a eleições antecipadas – e que, por óbvio, derrubaria a afirmação de apoio majoritário à permanência de Temer como presidente interino, destacada na edição do domingo anterior. Concluiu que “a Folha errou e persistiu no erro” – e puxou essa conclusão para o título de sua coluna.
Foi uma crítica frontal ao jornal, o que mereceu elogios de muitos nas redes sociais, inclusive pelo avanço em relação à ocupante anterior da função. O problema é que é preciso chamar as coisas pelo seu nome, e um erro é bem diferente de uma fraude.
Seria pedir demais que a ombudsman pusesse o dedo na ferida? Talvez. Com certeza o cargo é espinhoso e não oferece total autonomia, apesar da garantia de estabilidade por um ano além do exercício do mandato: basta pensar que essa estabilidade um dia acaba. Fora isso, há outros constrangimentos, de ordem pessoal e hierárquica. Paula talvez tenha ido até onde foi possível. Nesse caso, terá evidenciado os limites institucionais da coluna. Ainda assim, cometeu omissões, imprecisões e equívocos que exigem reparo. E não fez perguntas essenciais, que precisariam ser respondidas para esclarecer o que pode estar por trás de uma decisão editorial injustificável.
Entre opiniões e constatações
Comecemos pelo mais elementar: um erro é algo involuntário, decorrente de descuido, desatenção, acidente ou mesmo incompetência. Pode significar também má escolha, o que seria mais aplicável ao caso. Foi, aliás, como Paula se referiu à situação: “A meu ver, o jornal cometeu grave erro de avaliação. Não se preocupou em explorar os diversos pontos de vista que o material permitia, de modo a manter postura jornalística equidistante das paixões políticas”.
Não. Evidentemente, não se tratava de “explorar os diversos pontos de vista”: a Folha omitiu uma informação inconveniente e, além disso, distorceu, no infográfico da primeira página e no título da matéria na página interna, o sentido da pergunta que resultava na resposta favorável ao presidente interino.
A ombudsman não apenas ignorou este detalhe como escreveu: “Para alimentar teorias conspiratórias, revelou-se que o Datafolha colocou em seu site mais de uma versão do relatório da pesquisa polêmica, sendo que em só uma delas constavam as duas perguntas”.
Não, não foi para alimentar teorias conspiratórias. Foi para demonstrar a conspiração. Porque conspirações existem, sim.
Por isso é importante ressaltar a objetividade no julgamento do que ocorreu. Não se trata de uma opinião, mas de uma constatação: o jornal agiu deliberadamente para deturpar uma informação e esconder a que não interessava, porque publicá-la alteraria completamente o que se destacou na edição. Essa decisão atingiu o próprio Datafolha e, se não tivesse havido o descuido de se deixar um fiapo de frase sobre os 60% de apoiadores de novas eleições no subtítulo do relatório originalmente divulgado – e depois substituído por uma segunda versão –, a história dificilmente teria sido esclarecida.
Tampouco o relatório publicado após a polêmica é “completo”, como Paula afirmou: faltam ainda oito perguntas (as de número 4, 5, 15, 16, 17, 20, 29 e 34).
Os fatos, as provas
Em seu Tijolaço, o jornalista Fernando Brito, responsável pelo esclarecimento cabal da fraude, escreveu detalhadamente sobre a coluna da ombudsman no domingo. Relacionou essas críticas para reiterar que o que ocorreu não foi “questão de erro ou incompetência, mas de imposição da versão conveniente para o jornal em prejuízo da verdade dos fatos”.
Concluiu de forma contundente:
“Houve uma ação para eliminar informação que o próprio Datafolha considerou relevante, ao ponto da analisá-la e levá-la ao subtítulo de seu relatório.
E o nome disso é fraude, em bom português.
Fraudou, foi apanhada e, em lugar de assumir que alguém agiu errado e corrigir-se, saiu-se com explicações também fraudulentas”.
No dia seguinte (25/7), Brito voltaria ao tema para dar o passo a passo das alterações operadas no site do Datafolha: primeiro foi publicado um arquivo mais extenso, com 110 páginas, que incluía duas perguntas – sobre a legalidade do processo de impeachment e sobre o desejo majoritário por novas eleições – depois suprimidas na versão seguinte. “Os dois arquivos, por provirem do mesmo, acusam a mesma data de criação, o dia 18, às 9:46h, hora da conversão do Excel para PDF (9:46). O primeiro sofreu alteração às 10:15h, o segundo foi modificado após o meio-dia, para a retirada das duas perguntas e dos dois parágrafos que as comentavam”.
O jornalista indaga: “Foi a essa hora que, depois de ter publicado manchete de domingo sem os dados, a Folha avisou ao Datafolha que a pergunta sobre o desejo de nova eleição não era ‘jornalisticamente relevante’?”. E prossegue, insistindo no que deveria ser óbvio: “os fatos – e não as opiniões – é que devem ser explicados”.
Os fatos “mostram que a eliminação das perguntas foi feita depois de pronta e analisada a tabulação, por decisão que nada teve de jornalística, até porque o que a Folha considerava ‘jornalístico’ já tinha sido publicado”.
Isto é o que a ombudsman precisaria esclarecer, se tivesse a liberdade que o exercício de sua função exige.
Quem sabe foi para evitar as previsíveis polêmicas sobre a súbita alteração de ânimos em relação ao governo interino que os responsáveis por essa manipulação tentaram esconder os dados capazes de sustentar a crítica. Acabaram se enredando numa polêmica muito maior e mais grave.
“Bastaria dizer que as perguntas não tinham integrado a matéria por não terem relevância – e claro que têm! – e não mandar modificar o relatório do Datafolha”, diz Brito. Então, ficaríamos na discussão sobre critérios editoriais – isto é, no âmbito da opinião. “Simplesmente não publicar poderia ser um erro. Mandar suprimir o relatório completo e colocar no ar uma versão expurgada é uma fraude”.
Em suma, a única possibilidade de se falar em “erro” é em relação à conduta do jornal. Num sentido bem singelo: é errado fraudar. Isso é de uma banalidade evidente, mas só é óbvio para quem age ou pretende agir eticamente. Quem frauda tem plena consciência do que faz. Não comete um erro. Comete um crime.
Sylvia Debossan Moretzsohn é professora de jornalismo da UFF e pesquisadora do Observatório da Ética Jornalística, o Objethos.

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