Enfim, juntos
A longa espera de um sírio no Brasil até o reencontro com sua família
Marcelo Freire e Marcela Sevilla Do UOL, em São Paulo
Gabo Morales/UOL
"Obrigado"
Essa
é a palavra em português que o sírio Adnan Alkhaled mais pronunciou
naquela segunda-feira. "Obrigado, amigos", "obrigado, Brasil" resumem
sua gratidão pelo reencontro com a mulher Bassema e filhos Mohammed,
Diana, Sidra e Aisar, que estavam separados de Adnan desde agosto de
2015, quando ele desembarcou em São Paulo.
Da ansiedade à felicidade
Pai,
mãe e os quatro filhos deixaram a Síria em 2012, passaram pelo Líbano e
se estabeleceram no Egito. Mas Adnan, insatisfeito com as condições no
país africano, veio para a América do Sul constituir um novo lar para os
Alkhaled, que ficavam agora temporariamente separados.
Depois de
20 meses, o fim dessa separação tinha data e hora: 17h15 de 13 de março
de 2017, quando o resto da família desembarcaria no aeroporto de
Cumbica, oriunda do Cairo.
Foi o último exercício de paciência
para esse sírio de 46 anos que passou a maior parte do tempo no Brasil
fazendo três coisas: trabalhando, conversando com os familiares e
buscando uma maneira de trazê-los o mais rápido possível.
Gabo Morales/UOL
Da ansiedade à felicidade
Pai, mãe e os quatro filhos deixaram a Síria em 2012, passaram pelo Líbano e se estabeleceram no Egito. Mas Adnan, insatisfeito com as condições no país africano, veio para a América do Sul constituir um novo lar para os Alkhaled, que ficavam agora temporariamente separados.
A espera
"Muita
ansiedade", repetia Adnan na segunda-feira, horas antes do desembarque.
O discurso pausado, reflexo de sua dificuldade com o português, não
escondia sua emoção. Mãos no rosto, pressionando os olhos e a cabeça, um
sorriso nervoso que misturava alívio e apreensão, a contagem regressiva
lembrada constantemente.
"Demorou
um ano e oito meses. Agora só faltam três horas", disse, antes de sair
para o aeroporto. Naquele dia, tudo precisava dar certo.
No
Brasil, Adnan conseguiu se estabelecer como cabeleireiro, função que
exerce há mais de 30 anos, e até encontrou um apartamento para morar com
a família na zona sul de São Paulo. Ele tem dois quartos: um para
acomodar ele e a mulher e o outro, com duas beliches, para os quatro
filhos.
No dia da chegada, tudo estava preparado. Com a ajuda de
seus amigos brasileiros --um grupo que descobriu sua história e resolveu
ajudá-lo a trazer a família--, Adnan deixou a casa limpa, arrumada, com
uma mesa cheia de frutas e doces brasileiros comprados no supermercado.
"Por enquanto, comida brasileira. Daqui a alguns dias, vamos ter comida
árabe", diz.
Gabo Morales/UOL
O reencontro
A
van segue ao aeroporto e a ansiedade aumenta. No terminal de
desembarque, olhar fixo no painel. Uma hora antes da chegada do voo, o
status está como "previsto". Adnan tenta aliviar o nervosismo com o
celular, acompanhando o trajeto da aeronave e saudando amigos sírios em
uma transmissão ao vivo pelas redes sociais.
Do
seu lado estão os amigos brasileiros, que disfarçam sua própria
inquietude ao mesmo tempo em que tentam acalmá-lo. Foram vários meses
ajudando Adnan, desde a criação de uma vaquinha online para arrecadar
fundos para a viagem dos Alklhaled até o preenchimento da documentação
exigida pelo governo brasileiro, além do natural auxílio com as questões
de idioma e costumes do Brasil.
Olhar fixo nas pessoas que deixam
a área restrita de desembarque. Mais de uma hora após o registro do
pouso, por volta das 17h25, os Alkhaled ainda não apareceram. Nesse meio
tempo, muitas famílias, casais e amigos se reencontram nessa mesma
área. Falta o momento de Adnan, Bassema, Mohammed, Diana, Sidra e Aisar.
Desesperado, o sírio sobe as escadas para tenta espionar por meio de um
vão o corredor de saída dos turistas. Minutos depois, retorna.
Finalmente,
quase duas horas após o pouso, os cinco saem pelo portão. O filho mais
velho, Mohammed, dá um grito e é o primeiro a abraçar o pai. Os outros
chegam logo depois. Olhares felizes e aliviados acompanham o choro dos
Alkhaled. Uma das meninas exibe um ar apreensivo e assustado, talvez
estranhando o desembarque ruidoso num país tão diferente do que até
então estava acostumada. O cansaço está evidente após quase dois dias de
viagem que incluíram um trajeto de carro até o Cairo e dois voos para
chegar a São Paulo.
Após o impacto inicial, a família chega à casa
de Adnan mais tranquila. Ele convida todos a comer e passar um tempo
com os Alkhaled, que começam a se ambientar em seu novo lar. Adnan é o
único tradutor a intermediar a conversa entre os cinco sírios e a turma
de brasileiros, que se comunicam muito mais a partir das sensações de
felicidade e entusiasmo do que pelas palavras. A cada um que o ajudou na
jornada, Adnan entrega sua gratidão com um longo e acolhedor abraço.
Gabo Morales/UOL
Vida reconstruída
Em
2012, um ano depois da eclosão da guerra síria, a
família Alkhaled tomou a decisão de deixar Damasco, a capital do país, e
fugiu de carro para Beirute, no Líbano. De lá seguiram para Damieta, na
costa egípcia, e Adnan manteve a esperança de buscar um lugar melhor
para viver. "Os egípcios achavam que todo sírio era criminoso", diz ele.
"Isso não é verdade."
Depois
de desistir da perigosa travessia de barco pelo Mediterrâneo rumo à
Europa, Adnan conseguiu um visto humanitário na embaixada brasileira no
Egito. Sozinho, veio para São Paulo com o único objetivo de reconstruir a
família em um novo país.
Após desembarcar em Cumbica 20 meses
atrás, Adnan primeiramente recebeu auxílio na Mesquita do Brás e se
fixou na região central de São Paulo. Pouco tempo depois, arrumou seu
primeiro emprego como cabeleireiro, no próprio Brás, até ser indicado a
Gervásio Domiciano, dono de um salão na zona sul. Foi lá que, num dia
normal de trabalho, o refugiado cortou o cabelo do advogado Ricardo
Funcasta.
Comovido
com a história, Funcasta reuniu cerca de 50 amigos e organizou a
campanha "Família de Volta", que arrecadou mais de R$ 26 mil em doações
online, usados para compra das passagens aéreas e outros bens, como
mobília e jogo de cama. Um casal, Rose e Peter Meyer, cedeu seu
apartamento na zona sul por um ano, cobrando de Adnan apenas a taxa do
condomínio -- "até eles se estabilizarem", segundo Rose.
Sensibilizados
pela separação da família, o grupo buscou se colocar no lugar dos
Alkhaled, com a certeza de que a felicidade dos sírios seria
compartilhada pelos brasileiros. Em uma mensagem conjunta, após o
reencontro, o grupo afirma que as barreiras financeiras e burocráticas
foram derrubadas "com a soma do amor, empenho e a solidariedade". "O
abraço do pai no filho mais velho, e depois em toda a família, ficou
marcado profundamente em nossa memória. Hoje eles dormem e acordam
juntos com a oportunidade de refazer a vida."
Arte UOL
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